O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Luz no lar — Autores diversos


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Confissão materna

1 Sou trazida a narrar-vos triste episódio de minha derradeira experiência no mundo.

Onde, porém, as palavras que me possam exprimir a desolação?

Ainda assim, amigos espirituais asseveram que devo falar às mães, e obedeço…

2 A Providência Divina honrou-me o coração, concedendo-me um lar na Terra, mas, dentro dele, era eu a irritação em movimento.
Nunca cheguei a examinar minha cegueira de espírito. Em minha inquietação e egoísmo, dedicava-me a descobrir as faltas alheias. Respirando, entre a maledicência e a desconfiança, notava golpes nos mínimos gestos de amizade espontânea.

3 O próprio tempo não escapava. Toda temperatura, no curso de cada dia, me encontrava despejando condenação:
— A chuva ensopa…
— O calor asfixia…
— Vento de peste…
— Melhor que o frio nos mate a todos…

4 Qualquer bagatela me arrancava blasfêmias:
— Deus não me atende!…
— Não oro mais…
— Porque não morri, na hora do nascimento?
— De todas as mulheres, sou a mais infeliz…

Alimentando a ira por vício, estimava que os outros me acreditassem enferma, sem perceber que me transformava, a pouco e pouco, em fera humana, sob a jaula da pele.

5 Se meu esposo, leal e amigo, surgia calmo, esbravejava contra ele, acusando-o de inerte; se ponderava quanto a despesas desnecessárias, chamava-lhe, de imediato, unha-de-fome; se me estendia alguma dádiva menos cara, interpretava-lhe a gentileza por sovinice; se me ofertava uma lembrança de preço, queixava-me da mesma forma, gritando-lhe em rosto que ele nunca passara de um mané gastador…

6 Foi nessa disposição insensata que me ergui, excitada, no dia terrível da provação.

Às sete da manhã, acordei meu filhinho de oito anos para as lides da escola e escutei-o a choramingar:

— Estou doente, mãezinha, hoje quero ficar com a senhora, não posso sair, tenho dor de cabeça…

7 Precipitada, frenética, não me contive e bradei:

— Preguiçoso! Trate de levantar-se! Doente com essa cara! Era só o que faltava… Chega o que sofro!.

— Mãezinha, deixe que eu fique! Hoje só…

— Levante-se, levante-se, menino!

8 Transtornada, sentei-o à força.

Ordenei-lhe que se calçasse, ao que se opôs, pedindo, suplicante:

— Mamãe, não me deixe ir!… Hoje só…

9 Encolerizada, tomei de um dos seus sapatos, colocando-o no pé, com a violência de quem espanca, e ouvi-o clamar em altos gemidos:

— Ai! ai, mãezinha!… um espinho, um espinho!…

10 Sujeitei-o, com mais energia, ao calçado, alegando, arbitrária:

— Malandro, não me venha com mentiras! Escola ou surra!…

11 Nisso, porém, meu filhinho empalideceu e desmaiou… Retirei o sapato e vi que um escorpião, escondido no fundo, lhe descarregara todo o veneno…

12 Ó Deus de Infinita Bondade, tu que foste imensamente piedoso para confiar um anjo a uma leoa, porque não eliminaste a leoa para que o anjo conseguisse viver?!…

13 O que se passou, alcança o indescritível. Apesar de toda a medicação, em breve tempo minha ternura, que a dor desentranhara ao rebentar-me o coração de pedra, apertava simplesmente um cadáver miúdo, de encontro ao peito…

14 As horas no relógio continuaram as mesmas; entretanto, de minha parte, não mais me reconheci.

15 “Ai! ai, mãezinha!… um espinho, um espinho!…” Aquelas palavras gemidas cresceram em minha alma. Jamais o equilíbrio, não mais a esperança. Minha cabeça encaneceu, meu pensamento destrambelhou… Chorei até que meus olhos parassem, alucinados, na noite da loucura; acusei-me, até que o manicômio me asilasse e até que o manicômio me escondesse, piedoso, o agoniado transe da morte!…

16 Desencarnada, encontrei a mim própria, dementada, atormentada, arrependida, padecente… Amparada por benditos mensageiros da caridade, tenho recolhido o consolo de vários círculos consagrados à prece.

17 Dizem que os supostos mortos devem falar às criaturas em aprendizado na Terra, para que as criaturas da Terra lhes aproveitem o aprendizado. Será talvez por isso que, hoje, algo reanimada para abraçar o trabalho reeducativo que me espera, estou sustentada por benfeitores, entre os vossos ouvidos, não somente para rogar-vos um pensamento de auxílio, mas também para repetir às irmãs, a quem Deus confiou as alegrias do lar:

18 — Mães que pisais no mundo, compadecei-vos de vossos filhos!… Corrigi, amando! Ensinai, servindo! À frente de qualquer dificuldade, conservai a paciência e cultivai a oração!…


Dulce


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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