O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Entre a Terra e o Céu — André Luiz


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Estudando sempre

(Sumário)

1. Às despedidas, retomamos as excursionistas sob a nossa guarda e, em pouco tempo, achávamo-nos, de novo, no caminho terrestre.

2 Da faixa de luz solar, tornamos à imersão na sombra noturna, mas o espetáculo do céu não diminuíra em beleza, porque as primeiras cores da alvorada tingiam o distanciado horizonte.

3 Clarêncio restituiu a companheira de Antonina ao lar, depois de afetuoso adeus. E, sem maiores delongas, demandamos o ninho doméstico de nossa amiga.

4 Antonina mostrava-se calada, tristonha…

Dir-se-ia teimava em permanecer, para sempre, junto do pequenino que a precedera na longa viagem da morte. Todavia, em penetrando o estreito santuário familiar, dirigiu-se apressadamente ao quarto, de coração novamente atraído para os outros filhinhos.

5 O Ministro, paternal, fê-la deitar-se e aplicou-lhe recursos magnéticos sobre os centros corticais. A mãezinha de Marcos demonstrou experimentar leve e doce vertigem…

6 Atendendo ao orientador, demoramo-nos em observação, notando que a Antonina de nossa maravilhosa viagem aderira ao corpo denso, qual se fora por ele sugada, à maneira de formosa mulher, de forma sutil e semilúcida, repentinamente engolida por bainha de sombra. Em se justapondo ao cérebro físico, perdera a acuidade mental com que se caracterizava junto de nós. Com a fisionomia calma e feliz, despertou no veículo pesado…

7 Contudo, Antonina não mais nos viu.

Era agora simplesmente a mulher humana, nas cobertas agasalhantes do leito, acomodada à escuridão do recinto.

8 Lembrava-se, sim, do passeio ao Lar da Bênção, mas através de impressões a se esfumarem, rápidas.

Só a imagem do filhinho, tema central do seu amor, lhe persistia clara e movimentada na memória…

9 Nossa presença e todas as demais particularidades do voo sublime lhe acudiam à lembrança por acessórios fantásticos a se lhe perderem nos obscuros escaninhos da imaginação.

10 Como quem seleciona preciosidades, a consolada mãezinha procurava, ansiosa, nos arquivos da própria mente, todas as palavras que ouvira do filho abençoado, buscando retê-las no escrínio do coração. Por isso, das valiosas observações de Clarêncio, em poucos minutos não lhe restava na alma qualquer reminiscência.

11 Antonina movimentou-se, fez luz e ouvimo-la pensar, vibrante: — “Oh! Meu Deus, que alegria! Pude vê-lo perfeitamente! Quero guardar a recordação deste sonho divino!… Marcos, Marcos, que saudades, meu filho!…”

12 O Ministro abeirou-se dela, acariciou-lhe a cabeça, como se a envolvesse em fluidos calmantes e a simpática senhora restabeleceu a sombra no recinto.

Abraçando a caçula que repousava ao seu lado, novamente dormiu.

13 — Nossa amiga não poderá guardar positivas recordações, — informou Clarêncio com atenção.

— Mas, porquê? — Indagou Hilário, admirado.

— Raros Espíritos estão habilitados a viver na Terra, com as visões da vida eterna. A penumbra interior é o clima que lhes é necessário. A exata lembrança para ela redundaria em saudade mortal.

— Como isso é lamentável! — Alegou o meu companheiro, penalizado.

14 O Ministro, todavia, explicou, paciente:

— Cada estágio na vida se caracteriza por finalidades especiais. O mel é saboroso néctar para a criança, mas não deve ser ministrado indiscriminadamente. Reclama dosagem para não vir a ser importuno laxativo. 15 O contato com o Reino Espiritual, enquanto nos demoramos no envoltório terrestre, não pode ser dilatado em toda a extensão, para que nossa alma não afrouxe o interesse de lutar dignamente, até o fim do corpo. 16 Antonina lembrar-se-á de nossa excursão, mas de modo vago, como quem traz no campo vivo da alma um belo quadro de esbatidos contornos. Recordar-se-á, porém, do filhinho mais vivamente, o bastante para sentir-se reconfortada e convicta de que Marcos a espera na Vida Maior. Semelhante certeza ser-lhe-á doce alimento ao coração.


2. O silêncio passou a dominar o recinto, mas Clarêncio quebrou-o, quase de imediato, convidando-nos a socorrer o velhinho que nos aguardava.

Dormitava o ancião numa velha cadeira.

— Será sono? — Perguntou Hilário, mais novo que eu na Vida do Além.

— Sim, — confirmou o instrutor, benevolente, — na fase em que se encontra, Leonardo subordina-se a todos os fenômenos da existência vulgar. Não prescinde, assim, do repouso para refazer-se.


3. Examinamo-lo mais detidamente.

2 Sem dúvida, o ancião trazia um veículo semelhante ao nosso, segundo os princípios organogênicos que presidem à constituição do corpo espiritual, contudo, mostrava-se tão pesado e tão denso como se ainda envergasse a túnica de carne.

3 Deixei a Hilário os pruridos de curiosidade que, em outro tempo, me assaltavam de inopino.

Após lhe observar o aspecto desagradável, meu colega inquiriu sobre as razões de tal obscurecimento.

4 O Ministro não se fez rogado e explicou:

— O psicossoma n ou o perispírito da definição espírita não é idêntico de maneira absoluta em todos nós, assim como, na realidade, não existem dois corpos físicos totalmente iguais. Cada criatura vive num carro celular diferente, apesar das peças semelhantes, impostas pela lei das formas.


4. No Círculo de matéria densa, sofre a alma encarnada os efeitos da herança recolhida dos pais, entretanto, na essência, a lei da herança funciona invariavelmente do indivíduo para ele mesmo. 2 Detemos tão somente o que seja exclusivamente nosso ou aquilo que buscamos. 3 Renascemos na Terra, junto daqueles que se afinam com o nosso modo de ser. 4 O dipsômano não adquire o hábito desregrado dos pais, mas sim, quase sempre, ele mesmo já se confiava ao vício do álcool, antes de renascer. E há beberrões desencarnados que se aderem àqueles que se fazem instrumentos deles próprios.

5 E, imprimindo grave entono à voz, ponderou:

— A hereditariedade é dirigida por princípios de natureza espiritual. Se os filhos encontram os pais de que precisam, os pais recebem da vida os filhos que procuram.

6 Lembrei-me repentinamente de alguns dos grandes gênios da Humanidade, que produziram filhos monstruosos ou medíocres. Mas, vindo ao encontro do meu pensamento, o orientador observou:

— No campo das grandes virtudes, os pais usam, por vezes, a compaixão reedificante, empenhando-se em tarefas de sacrifício. Temos no mundo mulheres e homens admiráveis que, consolidando qualidades superiores na própria alma, se dispõem a buscar afetos que permanecem a distância, no passado, em tentativas heroicas de auxílio e reajustamento.

7 E, sorrindo, acrescentou:

— Na família consanguínea ou na família humana, obtemos o que buscamos. Quem já acertou as próprias contas com a justiça, pode confiar-se aos sublimes rasgos do amor.


5. Em seguida, Clarêncio deteve-se na contemplação do velhinho que repousava e continuou comentando, mais particularmente com Hilário:

2 — Conforme a vida de nossa mente, assim vive nosso corpo espiritual. Nosso amigo entregou-se, demasiado, às criações interiores do tédio, ódio, desencanto, aflição e condensou semelhantes forças em si mesmo, coagulando-as, desse modo, no veículo que lhe serve às manifestações. Daí, esse aspecto escuro e pastoso que apresenta. 3 Nossas obras ficam conosco. Somos herdeiros de nós mesmos.

4 — Mas… e se nosso irmão trabalhasse? Se depois da morte procurasse conjugar o verbo servir? — Inquiriu meu colega, preocupado.

— Ah! Indiscutivelmente o trabalho renova qualquer posição mental. Gerando novos motivos de elevação e novos fatores de auxílio, o serviço estabelece caminhos outros que realmente funcionam como recursos de libertação. Por isso mesmo, o constante apelo do Senhor à ação e à fraternidade se estende, junto de nós, diariamente, através de mil modos… 5 Todavia, quando não nos devotamos ao trabalho, enquanto nos demoramos na vestimenta terrestre, mais difícil se faz para nós a superação dos obstáculos mentais, porque a indolência trazida do mundo é tóxico cristalizante de nossas ideias, fixando-as, por vezes, durante tempo indefinível. 6 Se pretendemos possuir um psicossoma sutilizado, capaz de reter a luz dos nossos melhores ideais, é imprescindível descondensá-lo, pela sublimação incessante de nossa mente, que precisará, então, centralizar-se no esforço infatigável do bem. 7 É para esse fim que o Pai Celestial nos concede a dor e a luta, a provação e o sofrimento, os únicos elementos reparadores, suscetíveis de produzir em nós o reajuste necessário, quando nos pomos em desacordo com a Lei.

8 Lá fora, porém, as aves matutinas anunciavam o novo dia…

A tênue claridade da manhã penetrava o recinto.

9 Clarêncio lembrou que para socorrer o ancião ensandecido não dispensaríamos algum trabalho de análise da mente, e, porque semelhante serviço demandaria talvez a cooperação de companheiros encarnados, que não deviam ser incomodados na paisagem diurna, o Ministro convocou-nos à retirada.

10 O prosseguimento da tarefa assistencial, desse modo, foi marcado para a noite seguinte.


André Luiz



[1] Do grego: psykhé, alma, Espírito, e soma, corpo — (Nota da Editora.)


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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