O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Estante da vida — Irmão X


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A lenda da guerra

1 Quando o primeiro pastor de almas se elevou da Terra, no carro da morte, o Senhor esperou-o no Trono de Justiça e Misericórdia, de modo a ouvir-lhe o relatório alusivo às ovelhas do mundo.

2 Nos céus, aves felizes entoavam cânticos à paz, enquanto serafins tangiam harmoniosas cítaras ao longe…

3 Tudo era esperança e júbilo no paraíso; no entanto, o pastor, que fora também no Planeta Terrestre o primeiro homem bom, trazia consigo dolorosa expressão de amargura. Os cabelos brancos caíam-lhe em desalinho, seus pés e mãos tinham marcas sangrentas e de seus olhos fluíam lágrimas abundantes.

4 O Todo-Poderoso recebeu-o, surpreendido.

O ancião inclinou-se, reverente; saudou-o, respeitoso, e manteve-se em profundo silêncio.

As interrogações paternais, todavia, explodiram afetuosas.

5 Como seguia o rebanho da Terra? Observa-se o regulamento da Natureza? Atendia-se ao caminho traçado? Havia suficiente respeito na vida de todos? Bastante compreensão no serviço individual? — Conforme o desdobramento dos negócios terrestres, abriria novos horizontes ao progresso dos homens. O dever bem vivido conferiria mais extenso direito às criaturas.

6 O velhinho, contudo, ouvia e chorava.

Mais austeramente inquirido, respondeu, soluçando:

— Ai de mim, Senhor! As ovelhas que me confiastes, segundo me parece, trazem corações de animais cruéis. A maioria tem gestos de lobos, algumas revelam a dureza do tigre e outras a peçonha de víboras ingratas…

— Oh!… Oh!…

Gritos de admiração partiam de todos os lados.

7 De fisionomia severa, embora serena, o Senhor perguntou:

— Não têm as ovelhas a dádiva do corpo para o sublime aprendizado na escola terrestre?

— Sim, — suspirou o ancião, — mas desprezam-no e insultam-no, todos os dias, através do relaxamento e da viciação.

8 — Não possuem a casa, o ninho doce que lhes dei?

— Mas fazem do campo doméstico verdadeiro reduto de hostilidades cordiais, no qual se combatem mutuamente, a distância do entendimento e do perdão.

9 — Não guardam a bênção do parentesco entre si?

— Transformam os elos consanguíneos em teias grossas de egoísmo, dentro das quais se encarceram.

10 — E os filhinhos? Não conservam o sorriso das crianças?

— Convertem as ovelhinhas em pequenos demônios de vaidade, que perturbam todo o rebanho no curso do tempo.

11 — A pátria? Não lhes concedi o grande lar para a expansão coletiva?

— Cristalizam a ideia de pátria em absurdo propósito de dominação, espalhando em seu nome a miséria e a morte.

12 — E o amor? Determinei que o amor lhes constituísse sagrada lâmpada no caminho da vida…

— Perfeitamente, — prosseguiu o pastor, desalentado; — entretanto, o amor para eles representa máquina de gozar na Esfera física; quando levemente contrariados em seus jogos de ilusão, odeiam e ferem…

13 — A verdade? — Tornou o Senhor, compassivo.

— Somente acreditam nela e aceitam-na, se os seus interesses imediatos, mesmo quando criminosos, não são prejudicados.

14 — E não te ouvem os ensinos, inspirados por meu coração?

O velhinho sorriu pela primeira vez, em meio da infinita amargura a lhe transparecer do rosto, e acentuou:

— De modo algum. Recebem-me com indisfarçável sarcasmo. Preferem aprender em queda espetacular no despenhadeiro, que ouvir minha voz.

15 — Mas, não combinam entre si, quanto aos interesses de todos?

— Não. Muita vez se mordem uns aos outros.

16 — Não estabelecem acordos pacíficos com os vizinhos?

— Intensificam as discórdias, atiram pedras ao próximo e o crime costuma ser o juiz de suas disputas.

17 — Todavia, — continuou o Misericordioso, — e a Natureza que os cerca? Porventura, não lhes falam ao coração a claridade do Sol, a bênção do ar, a bondade da água, a carícia do vento, a cooperação dos animais, a proteção do arvoredo, o perfume das flores, a sabedoria da semente e a dádiva dos frutos?!…

— Infelizmente, — esclareceu o ancião, — vagueiam como cegos e surdos, ante o concerto harmonioso de vossas graças, e oprimem a Natureza simbolizando gênios do mal, destruidores e despóticos.

18 — E a morte? — Indagou o Altíssimo, — não temem a justiça do fim?

— Parecem ignorá-la; peregrinam na Crosta do Planeta como duendes loucos, embriagados de ilusão, indiferentes ao vosso amor, endurecidos para com a vossa orientação, despreocupados de vossa justiça…

19 Nesse momento, o Senhor Todo-Poderoso mostrou-se igualmente entristecido. Após meditar alguns minutos, falou ao pastor em pranto:

— Não chores, nem te desesperes. Volta à Terra e retoma o teu trabalho. Outros companheiros contribuirão em teu ministério, encaminhando, corrigindo, refazendo e amando em meu nome… Alguém, contudo, estará presente no mundo, colaborando contigo e com os demais para que as minhas ovelhas infelizes compreendam a estrada do aprisco pela dor.

20 Em seguida, cumprindo ordens divinas, alguns anjos desceram aos infernos e libertaram perigoso monstro sem olhos e sem ouvidos, mas com milhões de garras e bocas.

Foi então que, desde esse dia, o monstro cego e surdo da guerra acompanha os pastores do bem, a fim de exterminar, em tormentas de suor e lágrimas, tudo o que, na Terra, constitua obra de vaidade e orgulho, egoísmo e tirania dos homens, contrários aos sublimes desígnios de Deus.


Irmão X

(Humberto de Campos)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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