O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Evangelho em casa — Meimei


Quinta reunião

1 No horário habitual do terceiro domingo de maio, Dona Zilda estava a postos na preparação do ambiente.

2 Sobre a toalha, muito branca, que dava um tom de tranquilidade e alegria ao aposento, achavam-se os livros e o jarro com água pura.

3 Veloso e os filhinhos, juntamente de Marta, deram entrada no recinto.

4 O grupo conversava, afetuosamente, mas o relógio lembrou-lhes a obrigação em pauta, badalando as seis da tarde.


Prece inicial


2 O mentor do conjunto orou, reverentemente:

2 — Senhor Jesus, deste-nos vida dinâmica, para que seja naturalmente vivida. Movimenta-se nosso corpo, o tempo avança e a evolução caminha.

3 Ajuda-nos, Senhor, para que a nossa fé também ande, a expressar-se em ação permanente no bem.

4 A ti, Excelso Benfeitor, que traduziste confiança no Pai, em amor aos semelhantes, encomendamos a nossa aspiração de servir. Assim seja.


Leitura


3 Efetuada a oração de início, Veloso entregou o Novo Testamento às mãos de Marta, que o abriu, cuidadosamente, devolvendo-o ao orientador, que se deteve, conforme de hábito, no exame dos textos, passando a ler o versículo 12, do capítulo 15, nas anotações do Apóstolo João: “O meu mandamento é este — que vos ameis uns aos outros, assim como vos amei.” ( † )

2 Completando-se a preparação do comentário, Cláudio foi indicado para consultar a lição de “O Evangelho segundo o Espiritismo”.

3 Aberto o volume e entregue a Dona Zilda, por recomendação de Veloso, a mãezinha, satisfeita, leu comovente mensagem de Vicente de Paulo, em torno da caridade, inserta no capítulo XIII, entre as “Instruções dos Espíritos”.


Comentário


4 Finda a leitura, o orientador falou com segurança:

— Temos hoje um dos mais belos temas do Cristianismo — a caridade. 2 Tão belo que Allan Kardec o inscreveu por senha no portal de seus princípios: “Fora da caridade não há salvação.”

3 É que a caridade é o próprio amor que o Mestre nos legou.

4 E o amor do Cristo é luz que se estende a todos.

5 Não apenas devoção afetiva aos que nos comungam a experiência do lar, mas devotamento fraternal a todas as criaturas.

6 Seja onde for que surja a necessidade, a prestação de serviço é nosso simples dever.

7 A provação dos outros vale para nós como escola bendita, em que aprendamos igualmente a sofrer.

8 Educandários diversos são mantidos para que adquiramos determinados conhecimentos. A química e a física, o idioma e a história pedem professores especiais.

9 A experiência do cérebro exige a formação de vastos programas de ensino.

10 O coração, ou melhor, o sentimento reclama o serviço do bem para instruir-se. E nenhuma instrutora mais eficiente que a caridade para infundir-nos entendimento.

11 A mão que se alonga para pedir-nos o necessário é uma oportunidade para que exerçamos o bem; mas constitui igualmente silenciosa acusação contra o egoísmo, na retenção do supérfluo.

12 Contemplando infelizes crianças que não dispõem do agasalho e do pão com que se mantenham, somos espontaneamente forçados a situar-nos em lugar delas.

13 A falta de trabalho remunerado, a moléstia insidiosa, a dificuldade maior em família e o fogão sem lume podem ser amanhã infortúnio igualmente nosso. Em razão disso, pelo menos ceder o que nos sobra, a benefício daqueles que carecem do essencial, é tarefa que se nos impõe à consciência.

14 Entretanto, não é somente nos atos exteriores que a virtude sublime transparece para a edificação moral da Humanidade.

15 A caridade é também atitude do coração nos menores gestos.

16 Quantas vezes perdemos o governo de nós próprios, confiando-nos à irritação e à discórdia!… Nesses instantes, ficamos sempre entregues à compaixão dos que nos observam.

17 Reparando nossos erros e identificando a necessidade de sermos perdoados, sentimos de perto como se faz imperioso o culto incessante da caridade em nossas relações uns com os outros.

18 Olvidar as ofensas de que sejamos vítimas, não somente com os lábios, mas com todo o nosso coração, reconhecendo que poderíamos ter sido os ofensores, é manifestação de amor puro.

19 Calar as imperfeições alheias, entendendo que possuímos também as nossas, é ajudar nas situações mais difíceis, ainda mesmo despertando a calúnia contra nós, é começar a viver a fraternidade sem mácula.

20 Quantas pessoas desejariam ter sido retas e nobres! Quantas rogam a Deus forças para que saiam do campo de sombra em que se aprisionam por falta de vigilância!…

21 Muitas delas estimariam pronunciar as palavras mais afáveis e mais doces; entretanto, o sentimento mal conduzido indu-las a falar desajeitadamente…

22 Muitas aspirariam a impressionar de modo agradável; contudo, transportam consigo mutilações e doenças!

23 Coloquemo-nos na posição delas e a caridade silenciosa que Jesus nos ensinou permanecerá conosco, inspirando-nos compreensão e bondade.

24 No trato da Natureza, igualmente, é fácil anotar os efeitos da divina virtude.

25 Os animais, tratados com respeito e brandura, sem dificuldade se tornam amigos fiéis do homem.

26 As plantas que nos recolhem carinho e cuidados produzem sempre mais, em nosso próprio favor.

27 O solo que adubamos, valorizando-lhe o concurso, responde-nos com a colheita farta, e as fontes que protegemos sustentam-se abundantes e cristalinas.

28 Precisamos de caridade, meus filhos, em todos os atos da vida. 29 Seja na oferta de nossos préstimos, a benefício dos outros, seja no receber o auxílio daqueles que nos são úteis, seja no falar para não ferir a quem ouve ou seja no calar, a fim de que outros falem com mais experiência ou mais autoridade que nós.

30 Enfim, é a caridade, significando amor fraterno e espontâneo, tão necessária à nossa existência, quanto o pão que nos sustenta ou o ar que respiramos, porque, em verdade, tudo o que nos cerca na vida é a expressão permanente do amor de Deus.


Conversação


5 Findo o comentário, o grupo doméstico entrou na conversação usual:

2 LINA (Dirigindo-se a Dona Zilda) — Mãezinha, já que o papai falou sobre a caridade, porque a senhora não diz alguma coisa também?

3 D. ZILDA — Creio, filha, que a caridade é uma espécie de árvore invisível, cujas raízes estão em nossa própria casa. Se não formos bondosos e tolerantes, entre as paredes do lar, como seremos bondosos e tolerantes para com os outros? É aqui, em nossa luta mais íntima, que iniciamos o aprendizado da virtude celeste.

Se o papai chega do serviço, mostrando-se fatigado, é indispensável saibamos entender-lhe a necessidade de repouso, cessando o falatório ou o barulho. Se a refeição não apresenta os pratos de nossa preferência, se o café não nos satisfaz, é preciso aprender a sorrir, esquecendo os nossos caprichos e agradecendo às mãos que no-los preparam.

4 LINA (Fitando brejeiramente o irmão) — Ainda ontem, quando o gatinho vomitou na sala, Cláudio agastou-se com Marta por tardar na limpeza, gritando palavras feias…

CLÁUDIO — Ora essa! Eu queria o asseio…

LINA — Mas, se Cláudio fosse caridoso, não precisava ter reclamado o serviço de Marta, não é, mãezinha?

D. ZILDA — O serviço em casa é de todos.

5 VELOSO — Diga, pois, minha filha, que, se exercermos a caridade mútua, não reclamaremos de ninguém esse ou aquele trabalho. Se você viu a necessidade de higiene na sala, e ficou a esperar por Marta, a sua atitude não foi recomendável. Afirma você que Cláudio foi indelicado, mas você, que via o quadro de serviço, poderia também ter sido caridosa para com Marta e para com o seu próprio irmão. Para com Marta, diminuindo-lhe a carga de trabalho, e para com Cláudio, ensinando-o como se deve agir.

6 MARTA (Sorrindo) — Reconheço-me culpada; entretanto, estava preparando bolos na cozinha, e o azeite a ferver não me deixava arredar o pé.

D. ZILDA — Marta, você não precisa justificar-se.

VELOSO (Sorridente) — Não nos achamos num tribunal. Salientamos, apenas, o impositivo de sermos indulgentes, porquanto a caridade deve comparecer em tudo…

7 CLÁUDIO — E quando Evandro e João, os meninos da vizinha, me atiram pedras?

VELOSO — Meu filho, antes de qualquer reação, é imprescindível examine você a própria consciência, verificando se não existe alguma ofensa de sua parte a eles. Não se lembra de havê-los aborrecido? Responda sinceramente.

8 CLÁUDIO (Hesitante) — Bem, achei-os tão miúdos e tão magros que chamei-lhes, na escola, “magricelas”.

VELOSO — Alegro-me ao saber que você está, falando a verdade, porque eu mesmo, há tempos, sem que me percebessem, observei que você os injuriava, de nossa janela. É muito raro, meu filho, haja persistência nesse ou naquele insulto, quando não o alimentamos, porquanto, se somos desconsiderados e perdoamos com toda a alma, a onda de crueldade ou de sombra não segue para a frente. O mal é como a fogueira. Se não encontra combustível, acaba por si mesma.

9 CLÁUDIO — Papai, e se eu não os tivesse ofendido e eles me apedrejassem mesmo assim?

VELOSO — Nossa obrigação, meu filho, seria fazer silêncio e orar por eles, evitando qualquer ocasião de agravar o conflito. Pela oração, a Bondade de Deus nos daria oportunidade de mostrar-lhes o nosso apreço.

10 MARTA — Senhor Veloso, peço licença para contar aqui uma experiência sobre a oração. Nós temos uma vizinha, Dona Mercedes, que não conseguiu simpatizar comigo, desde a minha vinda para cá. Certa noite, ouvi o senhor dizer a Dona Zilda que é caridade orar por aqueles que não nos estimam, a fim de que se faça harmonia entre eles e nós. Desde então, e isso faz muito tempo, comecei a lembrar-me de Dona Mercedes em minhas orações, rogando a Deus para que ela me perdoasse pela antipatia gratuita que eu lhe causava. Na terça-feira da semana passada, ela dirigiu-se a mim, perguntando se eu poderia auxiliá-la na confecção do bolo de aniversário do Raulzinho, seu filho caçula. Muito contente, aceitei o convite e, com permissão de Dona Zilda, fui para a casa dela, durante a noite, e consegui armar o bolo e adorná-lo. Confesso ao senhor que fiz tudo com muita alegria e com muito carinho. Quando Dona Mercedes chegou à copa e notou o meu pequeno trabalho, ficou muito feliz e abraçou-me pela primeira vez. Desde esse dia, ela me cumprimenta, fitando-me nos olhos com muita bondade e, com grande surpresa para mim, deu-me uma linda colcha usada para minha cama.

11 VELOSO — É uma experiência admirável, Marta. A oração dispõe e a caridade realiza. Como reconhecemos, é imprescindível cultivar a caridade com tudo, tudo…

12 CLÁUDIO — Papai, o senhor disse “caridade para com tudo”… Como terei caridade para com uma xícara ou para com uma cadeira?!

VELOSO — Como não? Uma xícara ou uma cadeira, manobradas com maldade, podem fazer alvoroço e alvoroço em casa pode provocar enfermidade ou perturbação. A xícara serve-nos à mesa e deve ser lavada com cuidado. A cadeira serve-nos ao descanso e merece respeito.

13 D. ZILDA — Meus filhos, o lar é a nossa primeira escola. Sem aprendermos aqui as lições da bondade, a se expressarem na paciência e na tolerância, no carinho e no entendimento que devemos aos que nos cercam, em vão ensinaremos, fora de nossa casa, qualquer virtude aos outros.

VELOSO — E a todos nos cabe render graças a Deus por saber que é assim.


Nota semanal


6 Veloso notificou que relataria um episódio edificante, sob o tema estudado, episódio esse que intitularia:


A BENFEITORA OCULTA

7 Em grande cidade brasileira, Dona Rita Amaral, pobre viúva, mãe de dois meninos paralíticos, lavava roupa, a fim de ganhar o pão.

2 Humilde e resignada, seu maior consolo era ouvir as lições do Evangelho, numa grande instituição espírita, responsável por vários serviços diários.

3 Numa noite em que abnegada irmã falara expressivamente quanto à assistência social, com alicerces na caridade pura, Dona Rita pediu avistar-se, em particular, com o diretor da organização.

4 Conversaram ambos, longamente.
Decorridos alguns dias, algo aconteceu no templo, chamando a atenção de todos.

5 Os vasos sanitários daquela casa de socorro espiritual amanheciam brilhando. Todos os frequentadores e visitantes se admiravam da limpeza sistemática e singular dos aludidos departamentos, o que perdurou por dezenove anos consecutivos, até que Dona Rita desencarnou.

6 Foi então que o presidente do instituto, ao recordar-lhe a figura correta e simples, revelou que fora ela a benfeitora oculta da casa, efetuando-lhe as tarefas de higienização, sem qualquer pagamento, durante quase quatro lustros.

7 Não lhe sendo possível colaborar com dinheiro, nas obras assistenciais da agremiação, oferecera-se para o asseio diário do edifício e, porque lhe não era possível comparecer durante o dia ao trabalho, à face dos deveres de mãe para com os filhinhos algemados ao catre, vinha, pontualmente, pela madrugada, atender ao serviço.

8 O exemplo comoveu a todos e, ainda hoje, nos infunde a maior impressão.


Encerramento


8 Ante a quietude da pequena assembleia familiar, Veloso tomou a palavra e formulou a prece de encerramento:

2 — Senhor Jesus, desejamos aprender a servir. Ensina-nos, Mestre, a procurar-te a presença divina no serviço de todos os dias! 3 Entregamos-te, assim, as nossas vidas com os nossos sentimentos e ideias, com as nossas mãos e com as nossas possibilidades, rogando disponhas de nós, segundo a tua vontade. Assim seja.




4 Logo após, Dona Zilda distribuiu a água fluidificada, entendendo-se com o pequeno grupo que conversava sobre a beleza das lições de Jesus.

5 Lá fora, o céu noturno, resplendente de estrelas, parecia expressar à Humanidade um convite à paz e à ascensão, destacando-se entre as constelações o Cruzeiro do Sul no seu elevado simbolismo de libertação…


Meimei

FIM

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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