O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Coração e vida — Maria Dolores


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A enfermeira do Além

  1 Ela, a querida irmã desencarnada,

  Fizera-se enfermeira,

  Aliviava a dor, de estrada à estrada,

  Era uma espécie de bondade inteira,

  Socorrendo aos irmãos que a morte espalhava nas trevas…


  2 Há trinta anos servia,

  Sem escolher lugar, trabalho ou dia.


  3 Naquele imenso mar de sombra, o tempo parecia

  Uma chaga mental sem esperança

  De melhorar ou desaparecer…


  4 Certa feita, contudo, a grande obreira alcança

  Uma estranha mulher, deitada numa furna;

  Embora não tivesse a morada carnal,

  Estava cega e só, deformada e ferida,

  Patenteando a dor que lhe marcara a vida.

  Ao ouvi-la gemer.

  A irmã dos infelizes,

  Põe-se, em campo, a cumprir

  O que considerava por dever.

  Impressionada, ao vê-la de mais perto,

  A missionária, indaga, a peito aberto:

  — Irmã, ouço-te o choro, há muitas horas,

  Por que tens tanto fel nas lágrimas que choras?

  5 A pobre murmurou, pausadamente:

  — Ai de mim! o que sou e de onde venho?

  A memória não dá para lembrar…

  Sei mostrar simplesmente as misérias que eu tenho…

  6 Há muitos anos, quantos já nem sei,

  Fui menina feliz num grande lar…

  Recordo muito mais as dores que causei…

  Minha mãe me queria

  Para exaltar a natureza,

  Num misto de elegância e de beleza,

  E falava que eu era uma rosa entre as rosas,

  Fosse para enfeitar as festas deleitosas

  Ou estender no mundo o aroma da alegria…

  7 Minhas aspirações caíram, uma a uma,

  Minha mãe não me quis em profissão alguma,

  Vestia-me, orgulhosa, o corpo esbelto e fino,

  Dizia que brilhar traçava-me o destino…

  8 Casei-me, tive um filho e, depois de dez anos,

  Troquei meu lar feliz por prazeres mundanos,

  Meu esposo rogava o meu regresso em vão.

  Meu filho fez-se logo um belo rapagão,

  Vendo-me as aventuras, certo dia,

  Ele, menino e moço, veio visitar-me,

  Condenou-me os costumes sem alarme,

  Falou e lamentou-se em voz severa,

  De conhecer por mãe a mulher má que eu era…

  9 De cabeça alterada em cocaína,

  Revoltei-me, ataquei-o… Atrás de uma cortina

  Apanhei um revólver no meu quarto,

  Voltei à sala e apertei o gatilho,

  Num tiro certo, assassinei meu filho!…

  Depois de vê-lo morto, junto a mim,

  Voltei a arma contra o próprio peito

  E matei-me por fim!…

  10 Em seguida, a uma pausa demorada,

  Contou a própria vida e deu o próprio nome…

  Na pavorosa mágoa que a consome

  A mulher prosseguia, consternada:

  — Nunca mais vi ninguém das pessoas que amei

  Para mim, tudo é noite e a noite me carrega

  Porque vivo sozinha, triste e cega

  Decerto obedecendo alguma lei

  Que não sei compreender nem explicar…


  11 A enfermeira caiu em pranto ardente

  E indagou da mulher, amargamente:

  — E se encontrasses neste mar de trevas

  Nos furacões de dor a que te levas

  A mãe que te entregou à rebeldia,

  Teu coração que chora a perdoaria?

  — Nada tenho a perdoar — disse a pobre atada ao sofrimento —

  Minha mãe era um anjo em forma de mulher,

  Jamais a esquecerei, um momento sequer,

  Ela vivia, em tudo, a trabalhar por mim,

  Não teve qualquer culpa de meu fim…

  Se só me fez o bem, fui eu quem fiz o mal…

  Do amor que ela me deu

  Fiz todo um lamaçal…

  Ninguém pode encontrar motivos de censura

  No carinho de alguma criatura

  Que nos dê uma lâmpada sublime,

  Se lhe usarmos a luz para fazer um crime…


  12 A enfermeira abraçou-a a encharcar-se de pranto

  E quando a jovem triste e atormentada

  Perguntou-lhe entre aflita e altamente intrigada,

  Por que razão ela chorava tanto,

  A benfeitora apenas respondeu:

  — Deus louvado!… Encontrei o que procuro,

  Venceremos na Terra do futuro,

  Filha do coração, a tua mãe sou eu!…


Maria Dolores


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