O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Caderno de mensagens — Autores diversos


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Conselhos do Chico a um médium amigo n

Francisco Cândido Xavier

São Paulo, 29 de abril de 1937.


Paz, saúde e alegria.

Recebi com muito prazer seu obsequioso cartão, pelo qual me demonstrou não haver se esquecido de minha insignificante pessoa, apenas encontrada no meio de tanta gente importante, que o rodeou curiosa e reverente em São Paulo.

Guardei excelente impressão do nosso encontro e nenhum elogio ou adulação vai ao dizer-lhe, com sinceridade, que aprecio o seu dom mediúnico.

Sei que não é motivo de orgulho para o amigo possuir a faculdade de entrar na percepção das coisas espirituais que escapam nos sentidos comuns dos homens. Entretanto, não me atreveria a exaltar o seu caráter se não quisesse dizer algumas palavras sobre sua mediunidade. Sensitivo como é, não verá no que se segue senão o fruto de minha admiração e apreço.

Como sabe, uma das qualidades mais estimadas no médium — e que o amigo possui — é a simplicidade. Oxalá jamais a perca, meu amigo, no convívio conosco, que somos cheios de defeitos.

Pelo fato de ter sido aquinhoado com um favor divino, mais lhe será pedido por Deus. Esse quinhão, que o torna em qualquer parte do mundo mais esclarecido, mais iluminado do que nós, precisa ser cuidado com todo o carinho, porque pode ser corrompido.

Três são os grandes inimigos da simplicidade, na qual deve permanecer o bom médium: a soberba, o egoísmo e a cobiça.

Seu guia familiar Emanoel, teria muitas vezes falado desses escolhos da mediunidade. Mas sempre é bom que a gente que o estima e o quer ver triunfante, recorde de vez em quando a lição.

Falo por longa experiência no mediunismo. Tenho visto a exaltação, a glorificação, o declínio, a queda, o aniquilamento de muitos médiuns, que esqueceram, na hora da prova, a lição do guia.

Se muitos tivessem de quando em quando quem se atrevesse, como ora faço, a repisar o assunto, por certo teriam encontrado meios de sustar a marcha para o abismo, onde há choro e ranger de dentes e clamores de arrependimento.

Da soberba você se livrará pensando, dia e noite, que é um simples depositário duma graça que lhe não pertence.

Do egoísmo você se defenderá usando dessa graça, dia e noite com a maior liberalidade possível em proveito do Bem.

Da cobiça você se resguardará não se esquecendo, dia e noite, de que, se se inclinar para esse lado perigoso, tirando proveito material do dom que lhe foi emprestado para o Bem, só recolherá torturas espirituais, que estão reservadas pela Justiça de Deus aos que sucumbem à tentação.

Esse três inimigos o espreitam, dia e noite. Dia e noite é preciso que você ore e vigie, para não tombar.

A primeira réplica dos médiuns às nossas fraternais recomendações costuma ser:

— Porventura seria eu capaz de me orgulhar da mediunidade, de me servir dela para tirar lucros materiais?

Nossa resposta deve ser:

— Não, meu caro, nem é preciso chegar a tanto, para revelar a soberba, a vaidade e a cobiça. Basta querer parecer, como médium, mais esforçado, mais trabalhador, mais beneficiado do que os outros.

Basta dispensar os favores da mediunidade a uns, que agradam, negando-os a outros que são antipáticos, impertinentes ou simplesmente curiosos.

Cobiça é ostentar a mediunidade.

Cobiça é negá-la aos humildes.

Cobiça é dispensá-la às pessoas graduadas com preterição das pequeninas.

Cobiça é dá-la em maior porção aos confrades, aos crentes, aos amigos, aos familiares e, em menor porção, com desconfiança, aos inimigos.

Egoísmo é coisa que mais vemos em certos médiuns.

Egoísmo é dizer, por exemplo:

— Agora não posso estou cansado, preciso almoçar. Ou, estou adoentado, estou triste, estou em más condições de receptividade.

Egoísmo é dizer ao necessitado que acode cheio de esperança:

— Só dou consultas em tal parte, com tal círculo, ou em tais condições. Se quiser procure-me mais tarde, ou em tal parte.

Egoísmo é temer parecer ridículo diante dos incrédulos.

Egoísmo é recear uma crítica desagradável.

Ora de tudo isso o amigo se livrará se continuar a viver na simplicidade, em que eu o vi entre nós. Não saia dela jamais, por Deus.

É o ardente pedido que lhe faço pela amizade, que lhe dedico.

Seja sempre simples, sincero, de boa vontade, atencioso, despretensioso, serviçal, como aqui foi.

Oxalá assim triunfe até o fim para sua felicidade, para o triunfo do bem.

Peça ao Emanoel desculpas pelo meu atrevimento de entrar na seara dele com estes avisos de irmão mais velho. É que muitas vezes ele não pode, por mais adiantado do que eu, ferir o seu livre arbítrio, ou intervir nos seus pensamentos. E eu, como Espírito atrasado, posso, bastando para isso ser ousado como ora sou.

Queira-me bem. Escreva-me quando puder. Ore por mim, que sou pobre de coração e no espírito das virtudes e vivo, neste vale de lágrimas, coberto da lepra do orgulho, da cobiça e do egoísmo.



[1] O original datilografado dessa correspondência encontra-se sob a custódia do Dr. Eurípedes Higino, filho adotivo do Chico.


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