O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Caravana de amor — Familiares diversos


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“Via meu próprio corpo e me espantei com semelhante dualidade”

Quase dois anos após atravessar a “ponte que separa as duas vidas — a vida da Terra e a vida espiritual” Alex transmitiu, em sua comovente carta mediúnica, muita paz e esclarecimento aos seus familiares, residentes na Capital paulista. A desencarnação do jovem, aos 13 de julho de 1982, havia sido totalmente inesperada, traumatizando toda a família, pois foi encontrado morto na rua, quando caminhava da praia à casinha de seu pai, ande se hospedava, em Caraguatatuba, SP.

Daí ter sido levado ao necrotério da localidade, para posterior autópsia. Esses momentos são relembrados em sua mensagem, quando conta que chegou a ver seu próprio corpo inerte, colocado numa mesa de pedra, espantando-se com tal dualidade, porque imaginava que era vítima de uma crise cataléptica.

Útil também para os estudiosos é a narrativa do jovem quanto ao esforço de adaptação dispendido no uso de órgãos perispirituais, quando ainda convalescente da desencarnação.

Eis a interessante carta de Alex:


CARTA DE ALEXANDRE AUGUSTO (Alex) n


1 Querido papai Jules, associo a mãezinha Elvira ao coração e peço-lhes me abençoem. 2 Tenho seguido o seu caminho de saudades e de amor que ficou sendo igualmente o meu. 3 Compreendo o impacto daquela retirada do meu corpo físico. 4 Hoje, tudo compreendo, gastei tempo para isso, porquanto não é fácil deixar o sonho da vida física, quando a gente está sonhando com muitas realizações. 5 Sonho da vida física, para seu filho agora, é tudo o que constitui a paisagem da experiência humana, porquanto, mentores amigos me esclareceram de tal modo que entendo a realidade no reverso de todos os quadros da vida no mundo que deixei às pressas.

6 Quando alinho estas referências, não posso me gabar de qualquer pretensão, porque foi muito gota-a-gota que o conhecimento relativo das situações humanas me penetrou a cabeça. 7 Primeiro, foi o pesadelo trançado em sofrimentos sem nome. 8 Senti o coração parar no peito, ao modo de um motor que se apaga em plena marcha do carro. Quis reagir, recalcitrar, mas onde a energia para isso?

9 Minhas faculdades esmoreceram gradativamente e, por fim, o torpor no cérebro me venceu totalmente. 10 Ainda assim, o fato não desapareceu de maneira assim tão rápida. Registrei o calor das mãos que me carregavam e uma esperança ainda me bailou na imaginação.

11 Estaria eu catalogado entre as vítimas da catalepsia? Ouvira histórias várias de pessoas aparentemente mortas, que retornavam à vida. Poderia eu ser um deles. 12 No entanto, a minha ilusão se desfez ao reconhecer que já não me achava pensando com a minha cabeça de rapaz afastada do conhecimento comum das coisas. 13 Via meu próprio corpo e me espantei com semelhante dualidade.

14 Fora acomodado num leito duro, pois o necrotério não teve para mim a feição de qualquer ambiente em conexão com a morte. Aquela mesa, a meu ver, era um ponto de repouso diferente dos nossos em casa. 15 O assombro, no entanto, me desorientava, porque não sentira qualquer dor, a não ser uma espécie de estalo surdo na caixa torácica. 16 E em torno de mim, via pessoas e até mesmo conhecidos que não me viam. 17 Dirigia-me a um e outro dos presentes, solicitando que a sua presença e a presença da mamãe Elvira viessem ao meu encontro.

18 Desejava medicina em São Paulo. Não desmerecia os recursos de Caraguá, entretanto, pensava que haveria meios na Capital, a fim de que meu corpo inerte se reativasse.

19 Ai de mim! Os enganos do rapaz encontraram ponto final mais depressa do que eu próprio desejara. 20 Sem palavras para dominar a minha surpresa, a princípio claramente amedrontado, vi uma senhora e outra que me conheceram e me dirigiram a palavra: “Alex”, disse uma delas, “você precisa descansar”. De quem seria a frase? Da vovó Jacira?

21 Quis duvidar de mim mesmo, no entanto, a frase estava carregada de carinho e valera por hipnose irresistível. 22 Quando a outra senhora que se nomeou por Elvira, a dizer-se amiga da minha avó, me abraçou, intensa emoção me tomou o íntimo e comecei a chorar, até mesmo ignorando por que, de vez que não me encontrava convencido quanto à desencarnação experimentada. 23 E a minha comoção me abalou tanto que, a breves momentos, eu dormia, ali mesmo, naquele espaço frio em que diversas pessoas expressavam opiniões diferentes.

24 Agora, meu pai, você sabe como foi o começo de minha transformação. Do que se passou com o meu veículo inerme nada mais fiquei sabendo. 25 A morte, ao que me parece, é cercada por leis de Compaixão Divina, porque me rendi a um sono providencial, qual se houvesse sorvido uma taça enorme de sedativos. 26 Quando despertei, a palavra retornou à minha garganta e não a garganta me retomou a palavra, porque percebi que falar, através do novo corpo que passei a usufruir, reclamava muito esforço.

27 Era eu um convalescente estranho sem haver experimentado moléstia alguma de que me acusasse.

28 Mas fazer funcionar os meus novos órgãos de manifestação exigia muito trabalho. Principiei balbuciando frases sem sons, qual se houvesse voltado a ser criança. 29 Em breve tempo um amigo que se me deu a conhecer por vovô Adolfo me incentivou ao diálogo e aceitei o desafio conquanto chorasse, porque a presença de pessoas tão queridas, de que ouvira referências em casa, não me deixava qualquer ilusão. Já não pertencia à existência física e a evidência disso me amargurava o coração.

30 Queria ver os pais queridos, a Silmara e o nosso Jules, queria rever amigos e desfrutar de calma junto a todas as minudências que me representavam os hábitos, mas sabia instintivamente que isso não me seria possível. 31 Papai, agradeço a Deus a oportunidade que me proporcionaram no sentido de falar-lhes destas notícias. Creia, daria tudo o que eu tivesse para ficar ao seu lado, de modo a formarmos juntos uma dupla animada em serviço, e a ideia de haver fracassado me abatia em todos os sentidos.

32 Foi meu avô quem me forneceu explicações e mais explicações e a lógica não me consentia prosseguir com lágrimas quando necessitava de resolução para me adaptar ao novo meio e aprender a servir.

33 Agora que estou na escola da utilidade, buscando qualidades para ser o seu companheiro espiritual, posso dizer-lhe que as saudades ainda são muitas.

34 Pai, não abandone a nossa casinha perto do mar. A Silmara Cristina e o Jules, tanto quanto me sucedia, quererão convidar amigos para alguma estação de repouso, não deixe nossas músicas emudecidas, deixe que a alegria torne a morar em nosso recanto.

35 Querido pai, não acham você e a mãezinha Elvira que já choramos o suficiente?

36 Não tenha dúvidas, estou vivo, mais acordado do que no tempo em que eu dormia no corpo pesado, e preciso de sua tranquilidade e da sua força de pai e companheiro a fim de complementar a minha transfiguração.

37 Não permita que a tristeza lhe ensombre o espírito. Lembre-me alegre e feliz.

38 Não mentalize o meu quadro final na experiência que passou. Esteja certo de que viveremos e de que Deus só permite a perenidade da alegria. Todas as sombras se desfazem.

39 Todo o sofrimento é passagem sem ser uma condição certa. Quero transmitir-lhe a certeza do que afirmo.

40 Estamos nós dois juntos, como em outro tempo, dentro daquela comunhão espiritual que sempre nos identificou um com o outro. 41 Muito teria a dizer, mas o meu avô Adolfo é de parecer que eu já disse o que mais desejava.

42 Muito amor aos irmãos e muitas lembranças aos amigos.

43 Diga à mãezinha Elvira que atravessei a ponte que separa as duas vidas — a vida da Terra e a vida espiritual, e beije-lhe a face querida por mim. 44 E receba, querido pai e meu maravilhoso amigo, todo o coração do seu filho.


Alex n

Alexandre Augusto Pandolfelli.    


NOTAS E IDENTIFICAÇÕES


1 — Carta psicografada por Francisco C. Xavier em reunião pública do Grupo Espírita da Prece, Uberaba, MG, a 3/2/1984.

2 — papai Jules e mãezinha Elvira — Casal Jules Verne Moreira Pandolfelli e Elvira Carsola Pandolfelli, seus pais.

3 — vovó Jacira — Jacyra Moreira Pandolfelli, avó paterna, desencarnada em 3/1/1982.

4 — Elvira — Madrinha da avó materna.

5 — percebi que falar, através do novo corpo que passei a usufruir, reclamava muito esforço. (…) Mas, fazer funcionar os meus novos órgãos de manifestação exigia muito trabalho. — O novo corpo referido é o perispírito ou corpo perispiritual, que é também formado por órgãos, pois ele é o “molde fundamental” para a formação do corpo físico. A propósito, respondendo à pergunta: “Há órgãos no corpo espiritual?”, que recebeu o nº 30, do livro O Consolador (Francisco C. Xavier, FEB), Emmanuel esclarece-nos: “Dentro das leis substanciais que regem a vida terrestre, extensivas às esferas espirituais mais próximas do planeta, já o corpo físico, excetuadas certas alterações impostas pela prova ou tarefa a realizar, é uma exteriorização aproximada do corpo perispiritual, exteriorização essa que se subordina aos imperativos da matéria mais grosseira, no mecanismo das heranças celulares, as quais, por sua vez, se enquadram nas indispensáveis provações ou testemunhos de cada indivíduo.” (Ver também: “O Perispírito”, Cap. VI, Roteiro, Emmanuel, Francisco C. Xavier, FEB; e “Gênese dos órgãos psicossomáticos”, do Cap. IV, Primeira Parte, Evolução em Dois Mundos, André Luiz, F.C. Xavier e W. Vieira, FEB.)

6 — vovô Adolfo (…) de que ouvira referências em casa — Adolfo Moreira Franco, bisavô. Alex, de fato, não o conhecera, pois ele desencarnou em 1936.

7 — Silmara e Jules — Silmara Cristina Pandolfelli e Jules Verne Pandolfelli, irmãos.

8 — Alex. Alexandre Augusto Pandolfelli. — Alex, assim chamado na intimidade, nasceu a 8/6/1963. Cursava o 2º Ano Colegial. O Sr. Jules Verne contou-nos, em entrevista fraterna, que seu filho, ao terminar de ler o livro Jovens no Além (F. C. Xavier, Espíritos Diversos, Caio Ramacciotti, GEEM), meses antes da desencarnação, perguntou: “Tudo isso existe?” Hoje, vem confirmar as cartas dos jovens autores daquele livro, trazendo também, nesta obra, sua preciosa contribuição, com palavras confortadoras e instrutivas para todos nós.


Hércio Arantes



Essa mensagem foi publicada originalmente em 1985 pela editora IDEAL e é a 8ª lição do livro: “Amor e saudade”.


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