O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho — Humberto de Campos


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A República

1 Se a monarquia, embora todas as liberdades públicas que desenvolvera, era considerada pelos espíritos avançados do Brasil como a derradeira recordação da influência portuguesa, era a República considerada pela comunidade brasileira como a fórmula de governo compatível com a evolução do país e com a posição cultural do seu povo.

2 Essa ideia, genuinamente nativista, alcançara todas as inteligências e a garantia do seu êxito se patenteara aos olhos de todos, após a lei de 13 de maio,  †  que ferira os interesses particulares de todas as classes conservadoras.

3 Foi por essa razão que os anos de 1888 e 1889 assinalaram os derradeiros tempos do único império das plagas americanas. Por toda a parte e em todos os ambientes, civis e militares, acendiam-se os fachos do idealismo republicano sob o pálio de generosidade da Coroa.

4 No Mundo Invisível, reúne o Senhor as falanges benditas de Ismael e dos seus dedicados colaboradores, e alí, enquanto as luzes suaves douravam o éter da imensidade, que se enfeitava de luminosas flores dos jardins do Infinito, falou a sua voz, como no crepúsculo admirável do Sermão da Montanha: ( † )

— “Irmãos, a Pátria do Evangelho atinge agora a sua maioridade coletiva… Profundas transições assinalarão a sua existência social e política… 5 Uma nação que alcança a sua maioridade é a responsável legítima e direta por todos os atos comuns que pratica no concerto dos povos do planeta. Necessário é separarmos, agora, o organismo político do Brasil dos alvitres permanentes e constantes do Mundo Espiritual, para que todos os seus empreendimentos sejam devidamente valorizados. 6 À maneira dos indivíduos, as pátrias têm, igualmente, o direito à mais ampla liberdade de ação, uma vez atingido o plano dos seus raciocínios próprios. Acompanharemos, indiretamente, o Brasil, onde as sementes do Evangelho foram jorradas a mancheias, a fim de que o seu povo, generoso e fraternal, possa inscrever mais tarde a sua gloriosa missão espiritual nas mais belas páginas de civilização, no livro de ouro dos progressos do mundo. 7 Seus votos evolutivos, no que se refere às instituições sociais e políticas, serão carinhosamente observados por nós, de maneira a não se obstar às deliberações das suas autoridades administrativas, no Plano Tangível da Matéria Terrestre; mas, como o reino do amor integral e da verdade pura ainda não é do orbe terreno, urge reformarmos, também, as nossas atividades, concentrando-as na obra espiritual da evangelização de todos os espíritos localizados na região do Cruzeiro…

8 “Consolidareis o templo de Ismael, para que do seu núcleo possa expandir-se, para toda a extensão territorial da pátria brasileira, as claridades consoladoras da minha doutrina de redenção, de piedade e de misericórdia. Ensinareis aos meus novos discípulos encarnados a paciência e a serenidade, a humildade e o amor, a paz e a resignação, para que a luta seja vencida pela luz e pela verdade… Abrireis para a caravana do Evangelho, que marcha ao longo dos caminhos da sombra, a estrada da revolução interior, cujo objetivo único é a reforma de cada um, sob o fardo das provas, sem o recurso da indisciplina perante às leis estatuídas no mundo, e sem o auxílio das armas homicidas…

9 “A nova revelação não se verifica para que se opere a conversão compulsória de César às cousas de Deus, mas para que César esclareça o seu próprio coração, edificando-se no exemplo dos seus subordinados e tornando divina a sua imperfeita obra terrestre… Conduzireis, portanto, aos meus discípulos encarnados o estandarte da fé e da caridade, com o programa da renúncia e do desprendimento dos bens humanos, dentro dos sagrados imperativos da sua grandiosa missão.

10 “A proclamação da república brasileira, como índice da maioridade coletiva da nação do Evangelho, há de fazer-se sem derramamento de sangue, como se efetuaram todos os grandes acontecimentos que afirmaram, perante o mundo, a pátria do Cruzeiro, os quais se desdobraram sob a nossa imediata atenção. Doravante, o Brasil político será entregue à sua responsabilidade própria. Essas transições serão realizadas acima de todos os cultos religiosos, para que todas as conquistas se verifiquem fora de qualquer eiva de sectarismo… 11 Os discípulos do Evangelho sofrerão, certamente, os efeitos dolorosos da borrasca em perspectiva, mas estaremos a postos sustentando o Brasil espiritual, que, de ora em diante, passará a ser o nosso precioso patrimônio. Articularemos todas as possibilidades e energias em favor do Evangelho, no país inteiro, e a obra de Ismael derramará as bênçãos fulgurantes do Céu sobre todos os corações, no caminho de todos os felizes e de todos os tristes da Terra…

“Acordemos a alma brasileira para as doces alvoradas desse novo dia!…

12 “No capítulo das instituições humanas, nossos esforços despendidos até agora, estão mais ou menos encerrados; mas compete-nos, em todos os dias do porvir, conservar e desenvolver a “melhor parte”, espiritualizando essas mesmas instituições dentro das grandes finalidades de todos os labores das Esferas Elevadas do Plano Espiritual.

“Bem-aventurados todos os trabalhadores da seara divina da verdade e do amor, pois deles é o reino imortal da suprema ventura!…”

13 As falanges do Infinito, sob as doces determinações do Divino Mestre preparam, então, o último acontecimento político que se verificaria com o seu amparo direto e que constituiria a proclamação da República.  † 

Todas as grandes cidades do país, com o Rio de Janeiro na vanguarda, entregam-se à propaganda aberta das ideias republicanas. Os espíritos mais eminentes do país preparam o grande acontecimento. 14 Entre os seus organizadores, preponderam os elementos positivistas, para que as novas instituições não pecassem pelos excessos da paixão sanguinolenta dos sectarismos religiosos, e, a 15 de novembro de 1889, com a bandeira do novo regime nas mãos de Benjamim Constant,  †  Quintino Bocaiuva,  †  Lopes Trovão,  †  Serzedelo Corrêa,  †  Rui Barbosa  †  e toda uma plêiade de inteligências cultas e vigorosas, o marechal Deodoro da Fonseca  †  proclama, inopinadamente, a República dos Estados Unidos do Brasil, no Rio de Janeiro.

15 O grande imperador recebe a notícia com amarga surpresa. Deodoro, que era íntimo do seu coração e da sua casa, voltava-se agora contra as suas mãos generosas e paternais. Todos os ambientes monárquicos pesam esse ato de ingratidão clamorosa; mas, a verdade é que todos os republicanos eram amigos íntimos de D. Pedro, e quem não lhe devia, no Brasil, o patrimônio de cultura e liberdade?

Os instantes de surpresa, contudo, foram rápidos.

O nobre monarca repeliu todas as sugestões que lhe eram oferecidas pelos espíritos apaixonados da Coroa, no sentido da reação.

16 Confortado pelas luzes do Alto, que o não abandonaram em toda a vida, D. Pedro II não permitiu que se derramasse uma gota de sangue brasileiro, no imprevisto acontecimento. Preparou, rapidamente, sua retirada com a família imperial para a Europa, obedecendo às imposições dos revolucionários e, com lágrimas nos olhos, rejeita as mais elevadas somas de dinheiro que o Tesouro Nacional lhe oferece, para aceitar somente um travesseiro de terra do Brasil, a fim de que o amor da pátria do Cruzeiro lhe santificasse a morte, no seu exílio escuro de saudade e de pranto.

17 Jesus, porém, consoante a sua promessa, santificara já os seus cabelos brancos. Uma doce paciência caracterizou o seu inenarrável martírio moral.

O grande imperador retirou-se do Brasil, deixando não um império perecível e transitório do mundo, mas uma família ilimitada, que hoje atinge a soma de quase cinquenta milhões de almas. n

18 Sendo visitado a 30 de novembro de 1889, pelo Visconde de Ouro Preto,  †  a bordo do “Alagoas”, na capital portuguesa, o imperador lhe declara com serena humildade:

— “Em suma, estou satisfeito…”

E, referindo-se à sua deposição, acrescenta: — “É a minha carta de alforria… Agora posso ir aonde quero…”

Nesses amargurados dias, o generoso velhinho encontrava-se nas vésperas do seu regresso à Pátria da Luz e da Imortalidade.

19 No Brasil, iam ser continuadas as suas tradições de amor e de liberdade, pelas forças militares, as quais, por sua vez, as entregariam aos grandes presidentes paulistas.

Nunca a sua figura de chefe da família brasileira foi esquecida no altar das lembranças da pátria do Evangelho, e não só o Brasil lhe reconheceu a inesquecível superioridade espiritual.

20 Conta-nos Múcio Teixeira,  †  que era ele Cônsul Geral do Brasil na Venezuela, n quando chegaram até lá as notícias dos acontecimentos de 15 de novembro, desenrolados no Rio de Janeiro. Ao entrar no palácio do governo da República vizinha, a fim de solicitar o seu “exequatur”, o Dr. Rojas Paul,  †  eminente político sul-americano, encaminhou-se para ele exclamando:

— “Senhor Cônsul Geral do Brasil, peça a Deus para que a sua pátria, que tem sido governada durante meio século por um sábio, não seja doravante levada pelo tacão do primeiro ditador que se lhe apresente.” E, abraçando-o, sensibilizado, concluiu: — “Acabou-se a única república que existia na América — o Império do Brasil.”


Humberto de Campos

(Irmão X)


[1] [Em 1938, ano de edição desse livro.]

[2] [No original: “em Bogotá”, confira na biografia de Múcio Teixeira.]  †


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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