O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Antologia dos Imortais — F. C. Xavier — Waldo Vieira


Prefácio

Estultícia de nossa parte — e o afirmamos sem pruridos de modéstia — a pretensão de prefaciar e anotar uma obra mediúnica das proporções desta, em que poetas das principais correntes literárias, desde a romântica à modernista, de duas literaturas — a Brasileira e a Portuguesa —, inclusive poetas folcloristas, deixaram estereotipados a força viva e o carisma inconfundível de seus estilos.

Natural, porém, que todo livro de constituição nova exija explicação, perfunctória que seja, de sua origem e finalidade, e, à vista disso, aqui nos encontramos, fiel ao compromisso assumido com os autores espirituais, no sentido de estudar todas as composições poéticas desta Antologia, alinhando nótulas biobibliográficas e traçando leves observações sobre a técnica poética de determinados aedos, além de ligeiros comentários de fundo espírita, visando a clarear afirmações e situações para os leitores menos afeitos ao trato doutrinal.

Antes de tudo, é imperioso dizer que o título da obra — Antologia dos Imortais — foi sugerido aos médiuns por um amigo da Espiritualidade, conquanto não guarde qualquer relação com a imortalidade acadêmica, laureada na Terra, para simplesmente vincular-se àquela outra imortalidade de que nos fala Pascal em seu livro “Pensées” n — a perenidade do Espírito que nunca morre —, através da presença de amigos desencarnados, que atravessaram as cinzas do túmulo e continuam vivos, senhores dos próprios destinos.

Tratando-se de obra eminentemente mediúnica, Antologia dos Imortais destina-se, de modo particular, aos que se afeiçoaram ao conteúdo poético da vida. Por isso mesmo, é justo que o leitor se prepare para encontrar, de permeio com autênticas obras-primas, poesias menos belas, quer quanto à forma, quer quanto ao fundo, de vez que não há poeta que viva sempre em momentos sublimes. Todos eles no mundo experimentaram dificuldades e angústias, inibições e frustrações de estaca-zero e não seria licito esperar que, desencarnados, comparecessem, entre nós, invariavelmente no apogeu da cultura e da emoção, segundo os cânones e as regras estabelecidas pela crítica humana . Forçoso igualmente considerar que o médium não pode ser responsável pelos hiatos, lacunas, oclusões e omissões por parte dos poetas desencarnados comunicantes, compreensivelmente muito mais ocupados e interessados na eliminação dos conflitos íntimos, ante a grandeza da vida, que se lhes descerra além do túmulo, que atentos à observação e à análise da opinião pública terrestre. Em face disso, encontramos comunicantes maiores ou menores, superiores e inferiores, eminentes e anônimos, conhecidos e menos conhecidos na série dos que espiritualmente comparecem, através das faculdades medianímicas, manifestando as opiniões e emoções de que se fazem mensageiros e intérpretes.

Aos que porventura discordarem da inclusão de poetas tidos por secundários ou obscuros, lembramos o que escreveu Andrade Muricy: n “Pode um dragão possuir cauda de réptil e entretanto ser dotado de possantes asas de marsupial.. Um autor secundário apresenta muita vez aspectos grandemente reveladores.”

Um ponto, contudo, deve ficar claro: é que todos os poetas, quase sem exceção, buscaram ater-se, neste livro, à confirmação do continuísmo da vida após a morte do corpo físico e aos consoladores ensinos da Doutrina Espírita, acentuando-se que vários deles chegaram a se especializar em determinados assuntos doutrinários, quais sejam a exposição da Lei de Causa e Efeito, as narrativas das regiões inferiores do Espaço, a posição espiritual dos que atravessam as faixas da morte, a experiência do processo liberatório, as consequências do suicídio, a importância do amparo ao coração infantil, o quadro de responsabilidades dos pais terrestres, etc., etc. Tal preocupação, quer-nos parecer, não existia, num sentido total, no Parnaso de Além-Túmulon

Os aedos no intercâmbio de ontem tinham como que a obrigação formal de evidenciar a própria personalidade, atreitos às idiossincrasias que os singularizavam, para, ao que supomos, serem reconhecidos pelos críticos literários.

Nesta obra, prosseguem na construção espiritual em que se empenharam, mas oferecendo a ideia de que se irmanaram no propósito de revelar os objetivos superiores do Espiritismo. Quanto à fidelidade estilística, terá o leitor oportunidade de reconhecê-la por si, acrescentando-se que, em vários casos, procuramos demonstrá-la por notas de rodapé, mobilizando transcrições de pequeninos trechos dos autores, quando entre os homens.

É assim que Da Costa e Silva, o poeta da saudade, que ontem se embevecia e cantava:


Saudade! Olhar de minha mãe rezando,

É o pranto lento deslizando em fio…

Saudade! Amor da minha terra… O rio

Cantigas de águas claras soluçando.


volta, hoje, a enternecer-se no soneto “Ressurreição”:


Ressurreição! A madrugada flórea!…

O céu brilhando, em mágica oferenda…

Estranho à nova luz que se desvenda,

Vejo as telas antigas da memória.


Fulge o carro da vida renascente.

Mas volvo à sombra e choro a dor pungente

Da saudade sem fim de minha terra!…


Nos demais sonetos, o poeta continua preso à paisagem que o sensibilizava, recordando o coração materno que lhe ofertou aconchego.

Augusto dos Anjos, o poeta da Morte, dentro de peculiaridades inimitáveis, examina temas espíritas, por exemplo, a “Obsessão”, que nomeia como sendo


A hidra de sentimentos fesceninos,


e a desencarnação, assunto que explana brilhantemente no soneto “Morte Húmida”, quando afirma:


A alma ditosa nasce noutro nível.

É o parto novo… E a vida imperecível

Desabrocha qual lírio sobre o estrume.


No poema “Divino Sol” o poeta, a nosso ver, espiritualiza “As Cismas do Destino”, n quando, atravessando a ponte Buarque de Macedo, caminha em direção à casa do Agra, no Recife.

B. Lopes, o poeta fluminense dos “Cromos”, comparece com toda aquela verve em que se caracteriza, no mesmo estilo que lhe perpetuou o nome. Principalmente, no sonetilho “Lição”, o símile é perfeito:


Nas grimpas do pé de amora

O vento leve balança

E tala a flor terna e mansa

Que voa caminho afora.


João de Deus, o suave poeta português, que de há muito vem colaborando na Seara Espírita, traz, novamente, produções que lhe identificam o estro invulgar.

Lívio Barreto, o jovem poeta cearense, que se revelou vigoroso senhor do verso, ressurge pleno de emoção em sua lírica amatória, patenteando a divina afetividade do Mundo Superior.

Jésus Gonçalves e Virgílio Quaglio agradecem a Deus a bênção da enfermidade que lhes envolveu os corpos na última existência.

Auta de Souza, Inês Sabino, Júlia Cortines, Narcisa Amália e Francisca Clotilde, admiradas poetisas e escritoras brasileiras, deixam aqui a marca indelével da inspiração que lhes flamejava no sentimento.

Irene S. Pinto, a distinta poetisa paulista, expõe as pérolas de sua ternura e sensibilidade, enquanto Casimiro Cunha e Adelaide Câmara (Aura Celeste) continuam sob o vigor da fé viva que lhes vitalizava os ideais.

Não nos abalançaremos a confrontos entre as produções terrestres e as medianímicas de todos os bardos reunidos nestas páginas para não fugir ao espírito de síntese; entretanto, pedimos vênia ao leitor para referir-nos, ainda mesmo de leve, a figuras outras, das mais respeitáveis de nossa literatura.

Moacir de Almeida, que Agrippino Grieco define como sendo o condoreiro de 1920, n desencarnado aos 23 anos de idade, depois de legar-nos os seus admiráveis Gritos Bárbaros, traz-nos o soneto “Muito Além” que, por si só, lhe revela a mestria.

Francisca Júlia, intérprete das mais entusiastas da Escola Parnasiana, no Brasil, diz-nos, em “Adeus”; da esperança que alimenta de renascer na Terra, “mais tarde”.

Nestor Vítor, o poeta e crítico literário que mais se preocupou com o Simbolismo, em plagas brasileiras, precata-nos, através de “Eutanásia”, contra o perigo de se abreviar a vida de alguém, porque ‘a alma jungida à carne’ nos rogará, por certo:


— “Aguardo a mão da Lei, sempre doce e benvinda!

Dá-me silêncio e paz! Não me expulses ainda!…”


Castro Alves, o gênio da América, nascido no Brasil, pintando a França de 1857, derrama o seu verbo glorioso:


O caos invadira a França,

— Olimpo do pensamento.

O ódio — lobo famulento,

Range as presas com furor.

Nas ruas — Paris descansa;

Em casa, — chora em segredo;

Gigante, arrosta, com medo,

As iras do Imperador.


Tobias Barreto, o condor sergipano, mostra, em “Deus e a Humanidade”, soneto em versos alexandrinos do mais fino lavor, que o Espírito é o artífice da própria vida, resumindo a tragédia do homem nestes dois versos:


Como quem foge à voz do socorro divino,

Avança para a dor do seu próprio destino…


Bruno Seabra, o poeta romântico, entrega-nos precioso poema “Primaveras da Amplidão” —, em que nos convida a escutar-lhe a exaltação do Plano Espiritual:


Brilham páramos de sonho

Além, no espaço risonho,

Vestidos de paz e luz!


Luís Guimarães Júnior, em “Pastoral”, reafirma a beleza de “Paisagem”, “Idade Média” e tantos outros sonetos da altura de “Volta à Casa Paterna”.

São tantos os poetas, que se nos torna difícil — e porque não dizer — impossível, citá-los todos.

Estamos convencido de que o leitor fará alegremente o cotejo que o respeito ao tempo dele mesmo não nos permite.


Qual acontece com qualquer antologista, embora não nos impressionemos com o pensamento pessimista de Dudley Fitts, n fizemos, no que diz respeito ao tema, escolha rigorosa das poesias que nos foram confiadas pelos medianeiros desta obra. Ademais, diga-se de passagem, os próprios Instrutores Espirituais, em diversas reuniões íntimas de que participamos pessoalmente, na Comunhão Espírita Cristã, de Uberaba, esclareceram-nos que muito antes das comunicações dos poetas, realizaram, eles mesmos, importante serviço de seleção, aconselhando-lhes enviassem ao mundo somente mensagens consoladoras e construtivas. Isso porque alguns deles se aproximaram dos médiuns com o propósito de ventilar as paixões deprimentes em que se desregraram na vida terrestre, procurando fixar pensamentos contrários aos preceitos da vida superior. A medida não se filia simplesmente a questões de moral diante da arte; é que volvendo ao descontrole emotivo, de que muitos poetas não se afastaram quando encarnados, prolongariam os próprios tormentos por tempo indeterminado, em persistindo nos temas passados, ao passo que, grafando impressões e conceitos edificantes, receberão, a cada momento, vibrações de conforto e esperança, endereçados pelos leitores e amigos que lhes absorvam as ideias luminosas. Convém ainda considerar que, mesmo depois de joeirado o material, os benfeitores desencarnados encontraram poesias que julgaram impróprias para este livro, de vez que poderiam suscitar estados mentais angustiantes em determinadas criaturas. Como é fácil de perceber, os Mentores Espirituais alimentam a preocupação de iluminar e consolar sempre. Aliás, em análise aberta, é imperioso reconhecer que essa é a tarefa essencial da Doutrina Espírita.

Quanto aos apontamentos particulares, no texto, fomos quase que excessivamente lacônico, visando ao aproveitamento de espaço e, mesmo, fugindo a repetições desnecessárias, razão por que não nos referimos a todas as figuras, imagens e fulgurações poéticas dos versos estudados. As datas de nascimento e desencarnação retiramo-las de fontes que reputamos idôneas, e, não raro, consultamos os familiares ou os descendentes de vários dos poetas.

A bibliografia relaciona, na maioria dos casos, apenas as obras poéticas. Omitimos aquelas em que os autores vazaram pensamentos e diretrizes inteiramente contrários aos seus pontos de vista atuais. Dos poetas Casimiro Cunha, Maria Celeste e João de Deus incluímos a bibliografia mediúnica, além daquela que lhes assinala a obra terrena.

O asterisco, (na versão eletrônica substituído por “n”) à frente do nome de cada comunicante, guarda a finalidade de orientar o leitor para a nota de rodapé. Resolvemos colocar a notícia biobibliográfica, em observação infrapaginal, a fim de que os amigos desta Antologia, em estudando primeiramente a vida do poeta, não venham a quebrar o ritmo da leitura do poema que, realmente, no fundo, se lhe erigirá em objeto de fundamental atenção. Atendendo à mesma finalidade, resolvemos, ainda, colocar a numeração das notas à margem esquerda, correspondentes aos números dos versos. Isso facilitará o conhecimento integral da poesia, facultando ao leitor, com vagar, o ensejo de ler os pequenos informes esclarecedores, quer no tocante à técnica poética, quer atinentes a algumas questões de linguagem ou a referências espíritas.

Visando aos leitores não afeitos às questões poéticas, explicamos em notas de rodapé as figuras de estilo menos conhecidas, quase sempre nos valendo de transcrições de obras especializadas.

Dividimos o livro em três partes: a PARTE I, com as poesias psicografadas pelo médium Francisco Cândido Xavier; a PARTE II, com as psicografadas pelo médium Waldo Vieira; a PARTE III, as que foram recebidas por ambos os médiuns, salientando-se que, nessa Parte III, as poesias de números ímpares são devidas à mediunidade de Francisco Cândido Xavier e as de números pares à mediunidade de Waldo Vieira. Com essa providência aspiramos a mostrar a identidade de estilos do mesmo poeta, através de dois medianeiros diferentes.

Além das três partes a que nos referimos, traçamos breve POSFÁCIO, apresentando ligeiro escorço biobibliográfico dos médiuns desta obra, ao lado dos respectivos retratos (no livro impresso). Quanto aos índices, preferimos colocá-los no início da obra, (na versão eletrônica os índices foram para o final) excetuando-se o índice onomástico e bibliográfico, que se configura na parte final e que relaciona a maioria das obras consultadas, guardando o objetivo de documentar-nos as anotações.

Apresentamos os poetas por ordem cronológica de desencarnação, nas partes em que se divide a obra. Carvalho Júnior, desencarnado em 1879, vem em primeiro lugar, na PARTE I; Castro Alves, desencarnado em 1871, vem em primeiro lugar, na PARTE II; Cruz e Souza, desencarnado em 1898, vem em primeiro lugar, na PARTE III. Propúnhamo-nos, a princípio, classificá-los pelas escolas literárias a que pertenceram. Chegamos, porém, à conclusão de que isso seria impossível, porquanto aqui se encontram poetas, à maneira de Luís Delfino, que pertenceram a três estéticas. Como enquadrá-los? Quer-nos parecer que a grande maioria é de poetas simbolistas, a começar de Cruz e Souza, e de néo-simbolistas ou penumbristas. Fato curioso é que há correspondentes, qual verificamos inicialmente, de todas as escolas que vicejaram no Brasil e em Portugal, a partir do Romantismo: Encontramos aqui respeitáveis corifeus e epígonos de diversas escolas, figuras quais Martins Júnior, o principal poeta do realismo brasileiro, que antecedeu o nosso Parnasianismo, Raimundo Correia, Francisca Júlia e Júlia Cortines — esta última definida como sendo, entre os demais epígonos da criação parnasiana em nosso País, uma das expressões mais altas —, além de continuadores menores de Leconte de Lisle. Representando a poesia modernista, temos um Rodrigues de Abreu e um Caetano Pero Neto, do grupo dos “novíssimos”, inclusive Arsênio Palácios e outros nomes de elevado gabarito.

Interessante destacar a presença dos chamados “príncipes dos poetas”, a saber: Durval de Morais, dos baianos; Zeferino Brazil, dos gaúchos, e Jorge de Lima, dos alagoanos. Com alusão ao “Príncipe dos Poetas Gaúchos”, aliás, cabe uma referência toda especial. É que Zeferino Brazil foi um dos raros cronistas que tiveram a coragem de afirmar categoricamente a identidade dos estilos dos poetas que compareceram ao Parnaso de Além-Túmulo. n Quando escreveu magnífica crônica sobre o assunto, em 15 de Novembro de 1941, mal sabia que ele iria partilhar uma antologia mediúnica, lançada algumas décadas depois do primoroso Parnaso.

Os poetas que não se identificaram, por óbvias razões, colocamo-los entre os demais autores, respectivamente nas PARTES I, II e III. Aparecem fatos notáveis, na presente obra. Surgem poetas que defenderam a memória de seus companheiros, como, por exemplo, Moacir Piza, após a desencarnação de Emílio de Menezes; os que falaram à beira do túmulo de seus amigos, à feição de Ciro Costa, na sepultura de Francisca Júlia; companheiros e discípulos valorizando-lhes as obras, qual acontece entre Nestor Vítor, Cruz e Souza, Dario Veloso e tantos outros simbolistas famosos.

As poesias foram recebidas pelos médiuns, em reuniões públicas e íntimas da Comunhão Espírita Cristã, em Uberaba, nestes últimos dois anos, algumas em circunstâncias dignas de reparo. Em muitas reuniões, um mesmo poeta se comunicava por ambos os medianeiros. O Espírito de Cornélio Pires valeu-se algumas vezes desse recurso. De outras vezes, dois poetas se comunicavam, um após outro, pelo mesmo médium, revelando segurança perfeita e notável independência.


Fato digno de nota, nesta Antologia, é a predileção dos comunicantes pelo soneto. Isso é muito importante para nós, os brasileiros que não chegamos a satisfazer-nos plenamente com a poética modernista, existindo mesmo, entre nós, acentuada tendência para a volta ao classicismo, qual observou Adonias Filho, com muita propriedade, em “O Clássico Drummond”. n Falando de Claro Enigma, como sendo um livro clássico, afirma: “Após tantos anos de avanço regular, de experiência através de algumas gerações, o modernismo fecha o seu ciclo como se fecharam outros ciclos. Fecha-se sob uma atmosfera clássica, e, para ilustrar essa fisionomia clássica do modernismo brasileiro, nenhum outro poeta melhor que Drummond e livro algum mais oportuno que Claro Enigma.” E conclui: “Se o problema é o de determinar um novo tempo lírico, não sei. O que sei, e essa nova leitura de Claro Enigma ainda mais me convence, é que o modernismo brasileiro atingiu o ciclo final em seu círculo poético. Vive, neste momento, a sua fase clássica.” n

Semelhantes considerações impelem-nos a recordar a palavra do crítico espanhol Ricardo Gullón sobre a poética de Jorge Guillén, conforme citação de Eduardo Portella: n “Guillén se mantém sempre vinculado a o real, mas também ao consciente. É um poeta de estirpe clássica.” Aqui, igualmente, os poetas desencarnados se mostram extremamente adstritos à realidade, mas também à consciência, entesourando valores e lavores clássicos da mais alta linhagem.

Aliás, antes de Adonias Filho, outro crítico, referindo-se ao vislumbre de novos rumos na Poesia Brasileira, em artigo publicado no “Suplemento Literário” do Diário de Minas, n após demonstrar que a orientação seguida pelos renovadores de 1922 é hoje anacrônica e superada, explica, com justeza de conceituação, que “cuidam pouco entre nós do problema, conteúdo e forma, embora não seja esta uma questão nova e apesar de ter sido reatualizada no Brasil por força mesmo da situação atual da poesia brasileira. Vivemos exatamente um período de esgotamento de um clima literário determinado — marcado pelo formalismo — em que todos sentem a necessidade da procura de um novo rumo.”

Entre os admiráveis sonetos, não faltaram aqueles mestres da redondilha maior, alguns troveiros de valor que, encarnados, por certo pertenceriam à Academia Brasileira de Trova.

Outro fato digno de menção. Quase todos os poetas nos trouxeram produções de caráter superior às que deixaram no plano físico. Ao que parece, foi Djalma Andrade quem primeiro observou isso, falando sobre alguns poetas que ele conhecera e que figuram no Parnaso. n Apesar disso, não se apoquentam mais por se afastarem, vez por outra, dos ditames rígidos da forma fixa, qual observará o próprio leitor em algumas nótulas de rodapé. É que, desencarnados, compreendem os poetas quão inútil o apego excessivo à forma, com prejuízo da essência. Por isso mesmo, voltam, agora, com um parnasianismo construtivo, sublimado, bem diferente daquele de Gautier:


L’oeuvre sort plus belle

D’une forme au travail

Rebelle,

Vers, marbre, onyx, émail


ou daquele de Bilac:


Invejo o ourives quando escrevo:

Imito o amor

Com que ele, em ouro, o alto-relevo

Faz de uma flor.


Nem tão-pouco chegam ao exagero de repetir a cantiga do sapo-tanoeiro de Manuel Bandeira:


Vede como primo

Em comer os hiatos!

Que arte! E nunca rimo

Os termos cognatos.


Enriquecidos pelo conhecimento superior da Doutrina Espírita, não se prendem à beleza formal tão somente, atendo-se mais à excelência do fundo, como que a evidenciar que o conceito de “arte pela arte” persiste, mas sob novas diretrizes temáticas, graças ao influxo, sem dúvida, de novas vivências.

Evitando a prolixidade, limitamo-nos a fazer pequenas transcrições de poesias da obra terrena dos poetas, deixando que o leitor consulte os poemas integrais nas fontes de origem.

E há-de maravilhar-se, naturalmente.

Em alguns casos — e são muitos deles assim — verá que os poetas comprometidos com a Lei de Causa e Efeito, por escritos pouco edificantes que deixaram na Terra, voltaram com poemas que são respostas autênticas a todas as dúvidas que lhes acicatavam as almas de desesperançados, atualmente em luta respeitável para dissipar as nuvens de sombra forjadas por eles mesmos.

Só por isso, aliás, teria esta Antologia um valor inestimável. A tentativa de anular os males que estendemos pela palavra escrita em novas existências consagradas à palavra escrita, às vezes com reduzido resultado, conseguem os poetas desencarnados começá-la desde agora, antes de novo renascimento na Terra, atraindo as vibrações de encorajamento e simpatia de que todos somos necessitados para a ascensão do espírito.

Antes que terminemos nossas modestas considerações, queremos agradecer a quantos colaboraram para a consecução da presente obra, principalmente os que se empenharam na busca às fotografias dos vates que figuram aqui, (não incluída na versão eletrônica) e os que nos facilitaram a obtenção de alguns dados biobibliográficos.

Não temos a ousadia de afirmar que esta obra se ache escoimada de senões. Tudo fizemos, porém, para que se reduzissem ao mínimo, a fim de que o leitor, em lhe recolhendo os magníficos versos, chegue, mais uma vez — e isso sem qualquer ideia de proselitismo da nossa parte —, à conclusão de que precisamos estudar Allan Kardec, qual o fizeram os poetas redivivos nestas páginas que nos levantam o raciocínio e reconfortam o coração.


Elias Barbosa


Uberaba, 3 de Outubro de 1962.

(Ano do 30º aniversário de publicação do “Parnaso de Além-Túmulo”.)



[1] “A imortalidade da alma é uma coisa que nos interessa tanto que nos toca tão profundamente, que seria preciso ter perdido todo o sentimento para deixar-se ficar indiferente, sem saber o que há a respeito.” (Pascal, Pensamentos, trad. de Sérgio Milliet, Difusão Europeia do Livro. S. Paulo, 1957, pág. 95.)

[2] Andrade Muricy — “Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro”, Vol. 1, Departamento da Imprensa Nacional. Rio de Janeiro, 1952, pág. 13.

[3] Obra mediúnica psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier, publicada pela Editora da FEB, e cuja primeira edição foi lançada precisamente em 1932.

[4] Augusto dos Anjos — “Eu e Outras Poesias”, Bedeschi, 19ª edição, Rio de Janeiro, s.d., págs. 67-88.

[5] Agrippino Grieco — “Evolução da Poesia Brasileira”, Livraria José Olympio Editora. Rio de Janeiro, 1947, 3ª ed., pág. 125.

[6] Segundo esse autor, o antologista seria qual “um infeliz que inicia a sua tarefa com o triste pressentimento de que, faça o que fizer, vai desagradar a muitos, e ninguém — ele muito menos — ficará satisfeito uma vez concluída a obra.” (Citado por Edgard Cavalheiro, in “Maravilhas do Conto Inglês”, Editora Cultrix, 1957, págs. 10-11.)

[7] Veja-se Miguel Timponi, “A Psicografia ante os Tribunais”, Federação Espírita Brasileira, 4ª ed., págs. 68-69.

[8] Adonias Filho — “O Clássico Drummond”, in “Jornal do Commercio”, Rio de Janeiro, 26 de Junho de 1960.

[9] Aliás, será justo se consigne que no livro de Carlos Drummond de Andrade — “Lição de Coisas” —, lançado pela Livraria José Olympio Editora, do Rio de Janeiro, em 1962, aparece a seguinte “Nota da Editora”, à pág. 10: “O poeta abandona quase completamente a forma fixa que cultivou durante certo período, voltando ao verso que tem apenas a medida e o impulso determinados pela coisa poética a exprimir. Pratica, mais do que antes, a violação e a desintegração da palavra, sem entretanto aderir a qualquer receita poética vigente. A desordem implantada em suas composições é, em consciência, aspiração a uma ordem individual.”

[10] Eduardo Portella — “Dimensões II”, Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1959, pág. 57.

[11] Fritz Teixeira de Salles — “Novos Rumos da Poesia”, in “Diário de Minas”, Belo Horizonte, 22 de Janeiro de 1956.

[12] Veja-se Miguel Timponi, Op. cit., pág. 310.


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