O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Alma e Vida — Maria Dolores


22

Redenção e amor

1 A polícia chamara a velhinha presente.
Na sala de chefia, estava pouca gente,
Mas, no centro do quadro, uma jovem brilhante,
A quem a fama abrira as portas,
Levantou-se arrogante
E, apontando a senhora,
Que se vestia humildemente,
Falou ao delegado de plantão:
2 — Esta mulher aí de pernas tortas
Já me esgotou a paciência,
Por favor, excelência,
Exijo que ela seja repreendida,
É uma velha idiota a me arrasar a vida,
Diz ser a minha mãe, andando aqui e ali
Mas sei que minha mãe morreu quando eu nasci…


3 Creio seja a mulher de muita idade
Que mora aos fundos da mansão,
Onde encontrei a minha educação
E onde ela vive pela caridade.
4 Tenho um nome correto a defender,
Nos clubes, nos jornais,
Afastá-la de mim é apenas meu dever,
Quero que esta gorilha
Não me chame por filha,
Nem me incomode mais.


5 O delegado fita a acusada infeliz,
Que se mostrava pálida e sem jeito,
E indaga a respeito:
— A senhora?… O que diz?
6 A velhinha informou, em tom magoado:
— Peço consentimento,
A fim de esclarecer ao senhor delegado
Que estou viúva, há mais de vinte anos…
7 Vivi com meu marido poucos dias…
Era ele pintor, lidando em grande altura,
Faleceu ao cair de uma laje insegura,
8 Fiquei grávida e só, recalcando agonias…
Na condição de lavadeira,
Vivo sempre reclusa
No lar que me albergou a vida inteira,
Onde nasceu a jovem que me acusa;
9 Ela cresceu, senhor, fez-se forte e instruída,
E agora resolveu mudar a própria vida…


10 A moça aparteou, bradando revoltada:
— É mentira, excelência… Esta velha estouvada
É um caso apenas para sanatório…
11 Antes, porém, que o delegado
Emitisse apressado
Qualquer conceito vexatório,
Ouviu-se o coração materno, conformado:
12 — Disse toda a verdade, meu senhor,
Esta filha que eu tenho é a linda estrela
De minha estrada dolorosa,
No entanto, se é feliz sem meu amor,
Aceito a acusação de mentirosa
E prometo não mais aborrecê-la.


13 Ambas não mais se viram, frente à frente.
Aquela mãe sem forças, mais doente,
Da Terra desprendeu-se, fatigada…
14 Mas a filha seguiu por outra estrada.
A borboleta humana embevecida
Quis desfrutar, sem pausa, os prazeres da vida…
15 E viveu mais dez anos, festa em festa,
De coração afoito e desatento…
16 Almas lesadas, luto e desalento
Seguiram-lhe, no mundo, a insensatez funesta…
17 Mas a doença veio e a pobre já não era
A jovem que lembrava a primavera,
A princesa da noite e da ilusão…
18 Depois de angústia imensa, em longos dias,
Na mais deserta das enfermarias,
A morte situou-lhe noutras plagas…


19 Ei-la agora na vida diferente…
Sentia-se, em si própria, como em chagas;
Parecia guardar a memória doente
20 E, acima dos remorsos que trazia,
A dor da triste mãe que desprezara, um dia,
Punha-lhe o coração em fogo lento.


21 Não mais soube contar o dia, a hora,
Porque, perante o Além, na culpa de quem chora
O tempo se transforma em sofrimento…
22 Meses correram sobre muitos meses,
Via-se em sombra e a sós… No entanto, algumas vezes,
Ouvia vozes perto… Era a doce lembrança
Da meninice longe, entre as bênçãos do lar…
Ternos motes de amor e canções de ninar,
Como notas de paz em brisas de esperança…


23 Passados alguns anos, certo dia,
Enxergou novamente o sol, a natureza…
Pranteia de emoção, embora presa
À luz, à imensa luz que lhe sorria…


24 Eis que alguém lhe aparece… Um anjo de visita
Ou luminoso ser de beleza infinita?
Ela chora, a sentir-se envergonhada,
Mas esse alguém lhe fala com ternura:
25 — Vida de minha vida, filha amada,
A dor é a grande estrada para a Altura,
Quero ver-te, de novo, nos meus braços,
Regressarás à Terra, em minha companhia,
Minha flor de alegria,
Renascerás comigo no futuro…
26 Filha querida, estrela de meus passos,
Buscaremos, na Terra, as fontes do amor puro.
Como sempre, serás meu sonho e meu encanto,
Filha do coração, tesouro que amo tanto!…


27 Mas a pobre exclamou: — Quem sois vós que falais?
Filha? Fui sempre má, não mereço este nome…
Reneguei minha mãe, o fel que me consome
É o remorso cruel que não se acaba mais…
28 Quem sois vós que não vedes minha dor
E nem reconheceis a angústia que me leva
A recear a luz e esconder-me na treva?…
29 Por quem sois, anjo ou luz, uma santa ou uma estrela
Levai-me à mãe que eu tive, quero vê-la…
Onde está minha mãe, meu refúgio e meu guia?
Somente minha mãe me perdoaria…


30 Mas a nobre entidade apenas respondeu:
— Ouve, filha querida!… A tua mãe sou eu!…


Maria Dolores


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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