O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Alma e Vida — Maria Dolores


13

Provação de um homem

1 Na casa estilo antigo, austera e reservada,
Acontecera assalto revoltante.
Tudo fora ocorrência de um instante.


2 Caíra a noite espessa em garoa gelada.
Um homem qual se fosse conhecido
Abrira facilmente uma porta de entrada,
Sem qualquer alarido,
E ganhara o interior,
Atirando no dono, um pobre professor,
A quem aparecera mascarado,
Furtando-lhe o dinheiro resguardado,
E joias de valor,
Que se mantinham numa caixa forte…
Em seguida, fugira o malfeitor…


3 Fizeram-se tumulto e burburinho.
A polícia viera num momento
Num grupo de severos patrulheiros.


4 O antigo educador, aos oitenta janeiros,
Duramente atingido, estava quase à morte
No quarto em desalinho,
Sob a assistência de uma filha em pranto,
Pediu fosse chamado
O seu filho mais velho, um magistrado,
Pois queria falar-lhe na hora extrema.


5 A patrulha expediu prestimoso soldado…
Quase que de repente,
Um cavalheiro de alto porte
Adentrou-se na casa em revolta evidente.
Beijou as mãos paternas, comovido,
E após ouvir detalhes do ocorrido,
Clamou, exasperado:
— Hoje, de qualquer jeito,
Saberemos punir o celerado
E guardá-lo, a preceito…


6 Mas, na perda de sangue que o domina,
Embora a proteção da Medicina,
Sabendo-se a morrer, o pai lhe implora:
— Meu filho, ouve-me bem!…
Já não posso falar bastante agora…
Não persigas ninguém.
7 Deixa de lado
O infeliz companheiro mascarado…
Que seria de nós se o delinquente
Fosse de nossa gente?!…
8 Quero partir abençoando os meus…
E preciso perdoar,
Esquecer, entender e auxiliar,
Para estarmos com Deus…


9 Entretanto, o ferido fez-se mudo.
Calou-se-lhe a voz clara.
A parada cardíaca chegara
E, depois dela, a morte apareceu,
Lançando sombra em tudo.


10 Ao ver o genitor imóvel sobre o leito,
O filho magistrado
Exclamou revoltado:
— Não, não posso perdoar o terrível sujeito
Que aniquilou meu pai covardemente.
11 E chamando a patrulha, incontinente,
Determinou, em voz desesperada:
— Precisamos concluir a tremenda caçada,
12 Contratem populares… Quero isso:
Mais gente habilitada no serviço.
Seja alcançado e preso
O homem que matou meu pai, velho e indefeso…
13 Preso e depressa!… É o que lhes digo…
Esse monstro é um perigo!…


14 Partem homens dispersos sob a noite.
Sirenes gritam alto;
Rodam carros rangendo sobre o asfalto,
O vento frio corta qual açoite…
15 Mais algum tempo decorrido,
E um emissário surge espavorido.
Pede licença ao chefe e lhe fala: — Doutor,
— Prendemos finalmente o malfeitor…
16 Foi, porém, alvejado
A tiros de um rapaz que nos seguia,
Um popular não identificado;
17 Mas preciso avisar-lhe que o detento
Está em grande sofrimento,
Sob a pressão de forte hemorragia…
18 É um rapaz muito moço, um menino a chorar.
Creia o senhor, é um caso singular…
19 Nosso grande empecilho
É que o jovem declara ser seu filho
E roga-lhe a presença na prisão!…


20 O magistrado em pleno desconforto,
No velório do pai, agora morto,
Exclama em fúria para o mensageiro:
— Meu filho? Nunca. Desde tenra idade,
Teve em meu cofre o que quis, à vontade,
Meu rapaz foi criado ao calor do dinheiro…
21 E acrescentou: — Esse ladrão
É um patife de lenda;
Meu filho nestes dias
Está de férias na fazenda,
A dezoito quilômetros daqui…


22 — Doutor, e o ferimento?
É dos mais graves que já vi,
Esclarece o emissário, calmo e atento,
— Devo buscar o médico ainda agora?


23 O interpelado irritadiço
Respondeu, prontamente:
— Nada de mimos para o delinquente,
Depois do sol nascer; cogitaremos disso.


24 A manhã refulgia, clara e bela,
Quando, cercado de assessores,
O magistrado entrou na cela…
25 Mas ao ver o rapaz que um guarda lhe apresenta,
Ofegando, cansado, em agonia.
Numa poça sangrenta,
26 Reconhece, assombrado, à luz daquele olhar
Que a morte recolhia,
Agindo devagar.
27 Então pôs-se a rugir, a tremer e a clamar:
— Deus!… Pai de Bondade e de Infinito Amor,
Que fiz para sofrer tamanha dor?


28 Em seguida, abraçou-se ao jovem, ternamente,
No modesto colchão que o servia por leito…
A beijar-lhe, ansioso, as feridas do peito.
29 Nas rudes convulsões que a mágoa lhe consente,
Rebuscava-lhe, em vão, o olhar agora já sem brilho…
30 O nobre magistrado, em pranto ardente,
Encontrara no morto o próprio filho.


Maria Dolores


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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