O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Ação e reação — André Luiz


19

Sanções e auxílios

(Sumário)

1. Depois do entendimento com os internados, o Instrutor Druso aquiesceu em dispensar-nos alguns minutos de conversação educativa.

2 Explanara brilhantemente sobre o problema das provas na experiência terrestre. Alertara-nos quanto à necessária renovação mental nos padrões do bem, destacando a necessidade do estudo, para a assimilação do conhecimento superior, e do serviço ao próximo, para a colheita de simpatia, sem os quais todos os caminhos da evolução surgem complicados e difíceis de ser transitados.

3 Junto dele, enquanto prelecionava, fora colocada singular escultura — uma estátua notável reproduzindo o corpo humano, transparente aos nossos olhos, à qual apenas faltava o sopro espiritual para revelar-se viva.

4 Patenteavam-se, ali, à nossa visão, todos os órgãos e apetrechos do carro físico, sob a proteção do sistema nervoso e do sistema sanguíneo.

5 O coração, à maneira de um grande pássaro no ninho das artérias enrodilhadas na árvore dos pulmões; o fígado, à feição de um condensador vibrante; o estômago e os intestinos como alambiques técnicos e os rins, quais aparelhos complexos de filtragem, convidavam-nos a profunda admiração; 6 contudo, nosso maior interesse concentrava-se no sistema endocrínico, no qual as glândulas se salientavam por figurações de luz. A epífise, a hipófise, a tireóide, as paratireóides, o timo, as supra-renais, o pâncreas e as bolsas genésicas caracterizavam-se, perfeitas, sobre o fundo vivo dos centros perispirituais, que se combinavam uns com os outros, em sutilíssimas ramificações nervosas, singularmente ajustadas, através dos plexos, emitindo cada centro irradiações próprias, constituindo-se o conjunto num todo harmônico, que nos impelia à contemplação extática.

7 Anotando-nos a surpresa, o chefe da casa disse, bondoso:

— Habitualmente convidamos a atenção de nossos internados para os veículos de nossas manifestações, mostrando-lhes, quanto possível, a correspondência entre nossos estados espirituais e as formas de que nos servimos. 8 É indispensável compreendamos que todo mal, por nós praticado conscientemente, expressa, de algum modo, lesão em nossa consciência e toda lesão dessa espécie determina distúrbio ou mutilação no organismo que nos exterioriza o modo de ser. 9 Em todos os Planos do Universo, somos Espírito e manifestação, pensamento e forma. Eis o motivo por que, no mundo, a Medicina há de considerar o doente como um todo psicossomático, se quiser realmente investir-se da arte de curar.

10 E, tocando a bela escultura à nossa vista, continuou:

— Da mente clareada pela razão, sede dos princípios superiores que governam a individualidade, partem as forças que asseguram o equilíbrio orgânico, por intermédio de raios ainda inabordáveis à perquirição humana, raios esses que vitalizam os centros perispiríticos, em cujos meandros se localizam as chamadas glândulas endócrinas, que, a seu turno, despedem recursos que nos garantem a estabilidade do campo celular. 11 Como é óbvio, nas criaturas encarnadas esses elementos se consubstanciam nos hormônios diversos que atuam sobre todos os órgãos do corpo físico, através do sangue. 12 O homem comum, que já conhece a tiroxina e a adrenalina, energias fabricadas pela tireóide e pelas supra-renais, com influência decisiva no trabalho circulatório, nos nervos e nos músculos, não ignora que todas as demais glândulas de secreções internas produzem recursos que decidem sobre saúde e enfermidade, equilíbrio e desequilíbrio nos indivíduos encarnados. 13 Ora, em substância, como é fácil de ver, todos os estados acidentais das formas de que nos utilizamos, no espaço e no tempo, dependem, assim, do comando mental que nos é próprio. 14 É por isso que a justiça, sendo instituto fundamental de ordem, na Criação, começa invariavelmente em nós mesmos, em toda e qualquer ocasião que lhe defraudemos os princípios. 15 A evolução para Deus pode ser comparada a uma viagem divina. O bem constitui sinal de passagem livre para os cimos da Vida Superior, enquanto que o mal significa sentença de interdição, constrangendo-nos a paradas mais ou menos difíceis de reajuste.


2. Aproveitando breve pausa, Hilário observou:

2 — É admirável o trabalho educativo em andamento nas zonas inferiores, com vistas à reencarnação…

— Inegavelmente, — respondeu o instrutor. — É preciso informar a todos os nossos irmãos, em vias de retorno ao Círculo dos homens, que o corpo carnal, com as tarefas que lhe são consequentes, vale por verdadeiro prêmio da Bondade Divina, que é necessário valorizar. 3 Aqui, nas Esferas purgatoriais, contamos com verdadeiras multidões de criaturas desencarnadas que procedem do mundo em deploráveis crises alucinatórias, após malversarem os bens da vida humana. 4 Muitas, por infelicidade da própria ignorância, não puderam acomodar-se a qualquer tipo de concepção religiosa, entretanto, milhões de pessoas, longe do respeito pela fé maternal que as esclarecia, nos compromissos esposados perante Deus, entregavam-se, conscientemente, à crueldade mental, cavando ruína e amargura para si mesmas, porque o mal infligido a outrem era sempre mal que amontoavam sobre as suas cabeças. 5 É assim que, desentrançadas da matéria densa, aqui aportam, batidas pelo remorso e pelo arrependimento, padecendo frustrações lamentáveis, quando não estacionam por tempo mais ou menos longo em furnas expiatórias, nas quais, presas de antigos adversários ou de velhos comparsas do vício, sofrem tristes alterações em seus centros de força, a se lhes expressarem na mente por desequilíbrios funestos. 6 Depois de acolhidas em nosso pouso de amor, refazem-se a pouco e pouco… A reencarnação retificadora, isto é, a internação na carne em condições penosas, surge por alternativa inevitável. Será preciso renascer, suportando os obstáculos tremendos, oriundos da desarmonia perispirítica criada por nós mesmos. Ainda assim, quanto possível, antes do novo berço entre os homens, é imprescindível melhorar as contas… 7 Daí o motivo por que instituições qual a nossa funcionam, em vários campos das regiões inferiores, que, na teologia da retaguarda, equivalem a regiões infernais… Para nós, no entanto, é o imenso Umbral, entre a Terra e o Céu, doloroso continente de sombras, erguido e cultivado pela mente humana, em geral rebelde e ociosa, desvairada e enfermiça. 8 Os companheiros desencarnados que despertam, devagarinho, para a responsabilidade de viver, encarando face a face o imperativo do renascimento difícil no mundo, passam a trabalhar aqui laboriosamente, vencendo óbices terríveis e superando tempestades de toda a sorte, para a conquista dos méritos que descuraram durante a permanência no corpo, de modo a implantarem, no próprio Espírito, os valores morais de que não prescindem para a sustentação de novas e abençoadas lutas no Plano material.

9 O orientador, mostrando o olhar coruscante de entendimento e carinho, à feição do professor emérito e bondoso que deseja o progresso dos aprendizes, fez longa pausa e perguntou-nos:

— Compreenderam?

— Sim, sim… — Respondemos a um só tempo, interessados em maior amplitude da lição.


3. — É assim que todos nós, — continuou ele, — para o recomeço das lides carnais, solicitamos o regime de sanções, ou alguém, quando não disponhamos do direito de faze-lo, no-lo obtém, suplicando-o, em nosso benefício, às autoridades superiores.

2 — Regime de sanções? — Indagou Hilário, surpreendido.

— Perfeitamente. 3 Não nos reportamos aqui às medidas de natureza moral, pelas quais enfrentamos, compreensivelmente, na família consanguínea ou na intimidade da luta, a reaproximação com os Espíritos de que sejamos devedores de paciência e ternura, tolerância e sacrifício, na solução de certas dívidas que nos obscurecem a senda; mas sim, a providências retificantes, depois de muitas quedas reiteradas nos mesmos deslizes e deserções, que imploramos em favor de nós e em nós mesmos, quais sejam as deficiências congeniais com que ressurgimos no berço físico. 4 Aqueles que por vezes diversas perderam vastas oportunidades de trabalho na Terra, pela ingestão sistemática de elementos corrosivos, como sejam o álcool e outros venenos das forças orgânicas, tanto quanto os inveterados cultores da gula, quase sempre atravessam as águas da morte como suicidas indiretos e, despertando para a obra de reajuste que lhes é indispensável, imploram o regresso à carne em corpos desde a infância inclinados à estenose do piloro, à ulceração gástrica, ao desequilíbrio do pâncreas, à colite e às múltiplas enfermidades do intestino que lhes impõem torturas sistemáticas, embora suportáveis, no decurso da existência inteira. 5 Inteligências notáveis, com sucessivas quedas morais, através da leviandade com que se utilizaram do esporte e da dança, espalhando desespero e infortúnio nos corações afetuosos e sensíveis, pedem formas orgânicas ameaçadas de paralisia e reumatismo, visitadas de achaques e neoplasmas diversos, que lhes obstem os movimentos demasiado livres. 6 Companheiros que, em muitas circunstâncias, se deixaram envenenar pelos olhos e pelos ouvidos, comprometendo-se em vasta rede de criminalidade, através da calúnia e da maledicência, imploram veículos fisiológicos castigados por deficiências auditivas e visuais que lhes impeçam recidivas desastrosas. 7 Intelectuais e artistas que despedem sagrados recursos do espírito na perversão dos sentimentos humanos, por intermédio da criação de imagens menos dignas, rogam aparelhos cerebrais com inibições graves e dolorosas para que, nas reflexões de temporário ostracismo, possam desenvolver as esquecidas qualidades do coração. 8 Homens e mulheres que abusaram de dotes físicos, manobrando a beleza e a perfeição das formas para disseminar a loucura e o sofrimento naqueles que lhes admitiam as falsas promessas, solicitam corpos vulneráveis às dermatoses aflitivas, quais o eczema e a tumoração cutânea, ou portadores de alterações da tireóide que os constranjam a reiteradas lutas educativas. 9 Grandes faladores que escarneceram da divina missão do verbo, conturbando multidões ou enlouquecendo almas desprevenidas, suplicam doenças das cordas vocais, para que, atravessando afonias periódicas, desistam de tumultuar os espíritos por intermédio da palavra brilhante. 10 E milhares de pessoas que transformaram o santuário do sexo numa forja de perturbações para a vida alheia, arruinando lares e infelicitando consciências, imploram equipamentos físicos atormentados por lesões importantes no campo genésico, experimentando, desde a puberdade, inquietantes desequilíbrios ovarianos e testiculares. 11 A cegueira, a mudez, a idiotia, a surdez, a paralisia, o câncer, a lepra, a epilepsia, o diabete, o pênfigo, a loucura e todo o conjunto das moléstias dificilmente curáveis significam sanções instituídas pela Misericórdia Divina, portas a dentro da Justiça Universal, atendendo-nos aos próprios rogos, para que não venhamos a perder as bênçãos eternas do Espírito a troco de lamentáveis ilusões humanas.

12 — Mas, existem institutos especiais que providenciem, por exemplo, as irregularidades orgânicas pedidas para a reencarnação? — Perguntou meu colega, intrigado.

13 O interlocutor generoso sorriu, significativamente, e acentuou:

— Sim, Hilário, a Bondade do Senhor é infinita e permite-nos a graça de suplicar os impedimentos a que nos referimos, porque o reconhecimento de nossas fraquezas e transgressões nos faz imenso bem ao Espírito endividado. 14 A humildade, em qualquer situação, acende luz em nossas almas, gerando, em torno de nós, abençoados recursos de simpatia fraterna. 15 Entretanto, ainda mesmo que não pedíssemos a aplicação das penas de que necessitamos, nossa posição não se modificaria, porquanto a prática do mal opera lesões imediatas em nossa consciência, que, entrando em condição desarmônica, desajusta, ela própria, os centros de força em que se mantém. 16 Desse modo, os nossos institutos de trabalho para a reencarnação colaboram para que todos venhamos a receber na ribalta terrestre a vestimenta carnal merecida.

17 — Então, de que vale a súplica, rogando essa ou aquela medida, atinente à nossa reeducação?

— Oh! Não formule semelhante problema! — Falou Druso em voz grave. — 18 A prece, no sentido a que aludimos, é sempre um atestado de boa vontade e compreensão, no testemunho da nossa condição de Espíritos devedores… 19 Sem dúvida, não poderá modificar o curso das leis, diante das quais nos fazemos réus sujeitos a penas múltiplas, mas renova-nos o modo de ser, valendo não só como abençoada plantação de solidariedade em nosso benefício, mas também como vacina contra reincidência no mal. 20 Além disso, a prece faculta-nos a aproximação com os grandes benfeitores que nos presidem os passos, auxiliando-nos a organização de novo roteiro para a caminhada segura.

21 Meu companheiro guardou, reverente, a anotação e considerou:

— Caro instrutor, depreendemos da elucidação que, ao nos reencarnarmos, conduzimos conosco os remanescentes de nossas faltas, que nos partilham o renascimento, na máquina fisiológica, como raízes congeniais dos males que nós mesmos plantamos…

22 — Perfeitamente, — acentuou o mentor amigo, — nossas disposições, para com essa ou aquela enfermidade no corpo terrestre, representam zonas de atração magnética que dizem de nossas dívidas, diante das Leis Eternas, exteriorizando-nos as deficiências do Espírito.

23 Druso meditou alguns instantes, como se estivesse ponderando no íntimo a gravidade do assunto, e apreciou:

— Nossas assertivas não excluem, decerto, a necessidade da assepsia e da higiene, da medicação e do cuidado preciso, no tratamento dos enfermos de qualquer procedência. 24 Desejamos simplesmente acentuar que a alma ressurge no equipamento físico transportando consigo as próprias falhas a se lhe refletirem na veste carnal, como zonas favoráveis à eclosão de determinadas moléstias, oferecendo campo propício ao desenvolvimento de vírus, bacilos e bactérias inúmeros, capazes de conduzi-la aos mais graves padecimentos, de acordo com os débitos que haja contraído, 25 mas também carreia consigo as faculdades de criar no próprio cosmo orgânico todas as espécies de anticorpos, imunizando-se contra as vicissitudes carnais, 26 faculdades essas que pode ampliar consideravelmente pela oração, pelas disciplinas retificadoras a que se afeiçoe, pela resistência mental ou pelo serviço ao próximo com que atrai preciosos recursos em seu favor. 27 Não podemos esquecer que o bem é o verdadeiro antídoto do mal.


4. — Ainda assim, — ajuntou Hilário, — será lícito recordar que os animais igualmente sofrem moléstias diagnosticáveis, como sejam a aftose, a raiva e a pneumonia…

2 — Como também as plantas experimentam enfermidades peculiares, reclamando adubos e fungicidas completou o mentor, sorrindo.

3 E acrescentou:

— A dor é ingrediente dos mais importantes na economia da vida em expansão. O ferro sob o malho, a semente na cova, o animal em sacrifício, tanto quanto a criança chorando, irresponsável ou semiconsciente, para desenvolver os próprios órgãos, sofrem a dor-evolução, que atua de fora para dentro, aprimorando o ser, sem a qual não existiria progresso. 4 Em nosso estudo, porém, analisamos a dor-expiação, que vem de dentro para fora, marcando a criatura no caminho dos séculos, detendo-a em complicados labirintos de aflição, para regenerá-la, perante a Justiça… É muito diferente…

5 — Curioso! — Exclamou Hilário, — não havia pensado ainda em semelhantes conceitos… Dor-evolução, dor-expiação…

— Como temos ainda dor-auxílio, — atalhou Druso, benevolente.

— Como assim?

6 E percebendo a surpresa que se nos estampava no rosto, o orientador aduziu:

— Em muitas ocasiões, no decurso da luta humana, nossa alma adquire compromissos vultosos nesse ou naquele sentido. Habitualmente, logramos vantagens em determinados setores da experiência, perdendo em outros. 7 Às vezes, interessamo-nos vivamente pela sublimação do próximo, olvidando a melhoria de nós mesmos. É assim que, pela intercessão de amigos devotados à nossa felicidade e à nossa vitória, recebemos a bênção de prolongadas e dolorosas enfermidades no envoltório físico, seja para evitar-nos a queda no abismo da criminalidade, seja, mais frequentemente, para o serviço preparatório da desencarnação, a fim de que não sejamos colhidos por surpresas arrasadoras, na transição da morte. 8 O enfarte, a trombose, a hemiplegia, o câncer penosamente suportado, a senilidade prematura e outras calamidades da vida orgânica constituem, por vezes, dores-auxílio, para que a alma se recupere de certos enganos em que haja incorrido na existência do corpo denso, habilitando-se, através de longas reflexões e benéficas disciplinas, para o ingresso respeitável na Vida Espiritual.

9 Druso, no entanto, a essa altura, foi chamado a outras linhas de ação, deixando-nos entregues aos nossos pensamentos.


André Luiz


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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