Reunião da noite de 5 de julho de 1956.
Para surpresa nossa, quem nos brindou com a sua visita, ao final de nossas tarefas, foi o Irmão X n que pela primeira vez falou em nosso recinto, insuflando-nos vigorosa emoção.
1 De passagem por nosso templo, trago-vos à meditação um apólogo simples.
2 Convencido de que somente através do próprio trabalho conseguiria entesourar as bênçãos de seu Divino Criador, o Homem compareceu diante do Altíssimo e rogou humildemente:
— Pai, aspiro a conquistar a vossa grandeza infinita… Que fazer para penetrar os domínios da vossa glória?
3 O Todo-Compassivo louvou-lhe os propósitos e determinou:
— Desce à Terra e convive com os teus irmãos.
4 O Homem nasceu e renasceu, muitas vezes, adquirindo experiência em diversas nações, e voltou ao Paraíso, ostentando na fronte a auréola da Cultura.
5 Não contente, entretanto, pediu ao Soberano da Vida:
— Pai, anseio conhecer-vos a força… Como proceder para atingir semelhante graça?
6 O Todo-Bondoso afagou-lhe a alma inquieta e ordenou:
— Desce à Terra e dirige os teus irmãos.
7 O Homem nasceu e renasceu, muitas e muitas vezes, fazendo leis e gastando fortunas, construindo fronteiras e levantando monumentos religiosos, plasmando a beneficência e disciplinando as sociedades, brandindo armas e desfraldando bandeiras, mandando e comandando, fascinado pelos poderes e pelos bens da Terra, como se os bens e os poderes da Terra lhe pertencessem, e retornou ao Lar Eterno, guardando nas mãos o cetro da Autoridade.
8 Não contente, todavia, suplicou ao Senhor Supremo:
— Pai, suspiro por aprender convosco a criar emoções sublimes… Como agir para entender a vossa beleza augusta?
9 O Todo-Sábio contemplou-o, benevolente, e aconselhou:
— Desce à Terra e procura formar pensamentos iluminados e nobres para consolo e progresso de teus irmãos.
10 O Homem nasceu e renasceu, muitas e muitas vezes, trabalhando a pedra e o metal, a madeira e a argila, a palavra e o som, o pincel e a rima, e retornou à Luz das Luzes, transportando nos olhos e nos ouvidos, na língua e nos dedos a magia da Arte.
11 Contudo, não satisfeito ainda, rojou-se aos pés do Senhor e pediu em lágrimas:
— Meu Pai, tenho saudades de vosso convívio… Não quero apartar-me de vosso olhar! Que fazer para demorar-me nos Céus?
12 O Todo-Misericordioso abraçou-o com ternura e ajuntou:
— Ah! Meu filho, que pedes tu agora? Para que te detenhas no Céu é necessário desças à Terra e ajudes a teus irmãos.
13 E o Homem nasceu e renasceu, por longos e longos séculos, sofrendo, sem reclamar, injúrias e ultrajes, lapidações e calúnias, miséria e abandono, chagas e açoites, procurando auxiliar os outros sem cogitar do auxílio a si mesmo, até que, um dia, terrivelmente fatigado e sozinho, mas de coração alegre e consciência tranquila, retornou aos Eternos Tabernáculos.
14 Não precisou, no entanto, anunciar a sua presença, porque as Portas Celestiais se lhe descerraram ditosas.
Flores inclinaram-se-lhe à passagem.
Constelações saudavam-no em regozijo.
Anjos cantavam, em surdina, celebrando-lhe o triunfo.
15 E o próprio Senhor, na carruagem resplendente de sua Glória, veio recebê-lo nos Pórticos Sagrados, exclamando, de braços abertos:
— Bem-aventurado sejas, filho meu!… Agora a Criação inteira é tua… Todos os meus segredos te pertencem. E, estejas onde estiveres, viveremos juntos para sempre.
16 Esmagado de júbilo, em riso e pranto, o Homem compreendeu, sem palavras, que a felicidade do amor puro lhe fluía sublime dos refolhos do ser, em torrentes de alegria misteriosa…
17 É que ele trazia, fulgente no coração, a Estrela Divina da Humildade.
18 Desde então, pôde habitar na Casa do Senhor por longos dias…
Irmão X
(Humberto de Campos)