1 Disse o Homem ao Tempo: — Ó gênio triste!
Onde a tua caverna horrenda e escura?
Por que trazes velhice e desventura
À minha carne que te não resiste?
2 Abomino-te a clava estranha e dura
Que dilacera tudo quanto existe!…
Por que razão me segues, lança em riste,
Estendendo-me as noites de amargura?
3 Por que fazes o riso envolto em pranto
E derramas o fel do desencanto
No doce vinho da felicidade?
4 Quem és tu? Monstro ou deus, arcanjo ou fera?
Onde o ninho de sombra que te espera
Nos remotos confins da Eternidade?!
II
1 Mas o Tempo exclamou: — Ergue-te e lida!…
Sou o pajem divino que te exorta
A seguir para os Céus, de porta em porta,
Amparando-te os passos na subida…
2 Eras apenas larva indefinida
Quando arranquei-te à treva fria e morta.
Desde então, sou a luz que te transporta,
De forma em forma, para a Grande Vida.
3 Dou-te alegria e dor, miséria e glória,
Para que guardes, puro, na memória,
O amor de Deus que, em tudo, anda disperso…
4 Louva o trabalho que te imponho aos dias.
Sem meus braços irmãos não passarias
De um verme preso às furnas do Universo.
Antero de Quental
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