1 Simeão era muito moço ainda
Quando escutou a história de Jesus
E, acendendo esperanças na alma linda,
Inflamou-se de fé, amor e luz…
2 Morando numa choça da montanha
Junto de antiga estrada, sem vizinho,
Era a bondade numa vida estranha,
O amigo dedicado aos irmãos do caminho.
3 Lia os ensinamentos do Senhor,
Mas afirmava precisar
De ação que lhe exprimisse o grande amor
Na fé que decidira praticar.
4 Na pequena morada, pobre e agreste,
Cavou no solo um poço… Água de mina,
Que ele, olhos em luz e sorriso na face
Oferecia a quem passasse
Por lembrança de paz da Bondade Divina…
5 Viajores a pé, na vereda escarpada,
Se chegavam ali, no entardecer,
Podiam descansar das fadigas da estrada,
Ouvindo Simeão que os fazia viver
Casos da natureza simples e selvagem…
6 Era a história das aves de viagem
Que paravam por lá, na primavera,
A descrição dos melros e dos ninhos
Que defendiam valorosamente
Os frágeis filhotinhos!…
7 A saga do pardal inteligente
Que lhe comia as uvas do quintal…
Em seguida, falava aos interlocutores,
Das lições de Jesus, da beleza das flores,
Do sol no amanhecer e das flautas do vento…
8 E se alguém lhe indagava de onde vinha
Para a estreita choupana que o detinha,
Explicava, de jeito improvisado,
Que ele fora, ao nascer, um pequeno enjeitado
Às portas de um convento.
9 Crescera trabalhando em lavação de prato,
Mas amava a Jesus, de tal maneira,
Que, homem feito, o mosteiro lhe doara
O recanto de mato,
Na montanha empedrada
E os restos da tapera abandonada
Onde ele cultivava uma antiga parreira…
10 Quando a noite avançava,
O irmão do caminho
Colocando em trabalho a candeia de azeite,
Dava a cada viajante
A tigela de leite
Que provinha das cabras que criava…
Mas, não ficava nisso…
11 Fizera Simeão um compromisso:
Recordando Jesus,
Ante os primeiros doze seguidores,
Lavava os pés de todos os viajores;
Logo após, era, enfim, uma prece ligeira
Antes que cada um tomasse a própria esteira.
12 Simeão alcançara os oitenta janeiros,
Trabalhando e servindo, dia a dia,
Sem quaisquer outros companheiros
Que não fossem viajantes
A pedirem pousada, companhia,
Uma noite de paz ou um copo de água fria.
13 Certa noite chuvosa, escorado a um bordão
De corpo recurvado para o chão,
O estimado velhinho
Sentia-se sozinho…
De quando em quando, abria a porta,
Podia haver alguém varando a noite fria e morta,
Mas não vinha ninguém…
14 Era Natal… Quase ninguém saía
Dos recessos do lar
A fim de relembrar
A noite que trouxera o Grande Dia.
15 Antes de recolher-se, Simeão
Meditando em Jesus colocou sobre a mesa
Uma flor lirial da natureza
E depôs sobre ela,
Qual medalha singela,
Uma efígie miúda de criança
Com Jesus pequenino na lembrança…
16 Em seguida, deitou-se fatigado,
Deixando, a muito custo, o apoio do cajado…
17 O velhinho velava, ouvindo a voz do vento…
Lá fora, o temporal fizera-se violento.
18 Alta noite, uma voz chamou, baixinho:
— “Simeão, Simeão!… Meu irmão do caminho!…”
— “Quem sois vós?”— respondeu o interpelado.
— “Um peregrino desacompanhado…
Rogo pousada, irmão!” — clamou o forasteiro.
Ergueu-se devagar o cansado hospedeiro.
Fez luz, abriu a porta.
Mas o vento apagou a chama semi-morta.
— “Entrai !…” — disse o velhinho —,
— “Agora sei que não estou sozinho.”
19 Acendendo, de novo, a mecha da candeia,
Ante o brando clarão que renasce e se alteia,
Vê o recém-chegado a se acolher num canto…
Era um homem de rosto triste e doce,
Calado qual se fosse
Alguém a ouvir os próprios pensamentos…
Simeão enxergou-lhe os pés sangrentos,
Os cabelos molhados, a tristeza…
20 Fez fogo para dar-lhe o leite quente
E, ao estender-lhe a humílima tigela
Indagou-lhe o viajor
Por que a flor singela
Que ele notava sobre a mesa em frente…
Simeão respondeu ao peregrino:
— “Estamos no Natal e muitas vezes penso
Que Nossa Mãe do Céu, em seu amor imenso
Era uma flor de Deus, dando à luz um menino…”
21 O homem sorriu sem nada comentar…
22 O velhinho, entre passos mal firmados,
Sempre movimentando a luz acesa,
Trouxe a bacia de água morna e leve
Mergulhando-lhe os pés ensanguentados…
Ao ver-lhe os dedos maltratados,
Disse ao viajor, tomado de surpresa:
— “Quanto sangue verteis!… Como tendes andado!…”
Deu-lhe o estranho viajante esta resposta leve:
— “Deus te abençoe, amigo, a assistência bem-vinda!…
Creio que devo andar por muito tempo ainda!…”
23 De joelhos, Simeão,
Em lhe lavando os pés com infinito carinho,
A refletir nas pedras do caminho,
Ao lhe tocar nas crostas das feridas
A fim de removê-las,
Viu que as chagas abertas
Eram duas estrelas…
O velhinho assombrado
Buscou fitar-lhe as mãos com ternura e respeito
E viu que estavam nelas
Grandes marcas da cruz, luminosas e belas,
Ampliando o fulgor que lhe envolvia o peito…
24 Ele grita, chorando de alegria:
— “Jesus!… Sois vós Jesus?!…”
E o Senhor, levantando as mãos em luz,
Disse, abraçando o ancião:
— “Vem a mim, Simeão, É chegado o teu dia
De repouso e de luz no Mais Além…”
25 Simeão esqueceu a velhice e o cansaço
E pousou a cabeça em seu regaço…
26 Depois do amanhecer, outros viajantes
Chegaram como dantes,
Pedindo água, descanso, reconforto,
Mas viram que Simeão o irmão do caminho
De joelhos, parado, ali sozinho,
Muito embora sorrisse, estava morto…
Maria Dolores
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