1 Não bastaram as torrentes do infortúnio que as grandes guerras do século lançaram sobre os vales do mundo.
2 Acordando, estremunhada, de horrível pesadelo, que perdurou por mais de dois mil dias, e embora os lares desertos, os campos talados, as arcas empobrecidas e as prisões repletas, arregimenta-se a coletividade planetária para novos embates de cegueira e destruição.
3 Amontoam-se pesadas nuvens nos céus do Oriente e do Ocidente…
4 Quem impedirá a tempestade de suor e lágrimas?!…
5 Época de profundas aflições, dir-se-ia encontrarmos no século XX o fruto de sangue de dezesseis séculos de menosprezo à luz espiritual.
6 Desde Constantino, o Cristianismo puro sofre a intromissão egoística de humanos interesses. Sempre a ofensiva das trevas contra a luz, as arremetidas do mal contra o bem.
7 É inegável que as instituições terrenas, não obstante constrangidas, revelam apreciáveis características de progresso. Regressando ao cenário atual, Aristóteles, o oráculo de filósofos e teólogos, não mais aplaudiria o cativeiro, declarando o escravo “propriedade viva”; Ignácio de Loiola, o santo, a pretexto de preservar a fé, não mobilizaria os tribunais da Inquisição.
8 A influência do Cristianismo determinou enormes transformações na curul administrativa. Entretanto, a dignificação da personalidade permanece apenas esboçada.
9 Os aviltamentos do ódio campeiam em todos os climas.
10 Arraiga-se a injustiça, com a máscara da legalidade, nas organizações dos países mais nobres.
11 Há desvarios do poder em toda parte.
12 Baraço e cutelo, metamorfoseados nos mais estranhos aparelhos de tortura e de morte, são ainda recursos da toga.
A desconfiança e a discórdia regem as relações internacionais.
13 Racismo tirânico perturba povos avançados.
14 Conflitos ideológicos tremendos aguçam o raciocínio a soldo da ciência perversa.
15 E, coroando o sombrio edifício, instalou-se a guerra entre os homens, à maneira de sorvedouro infernal.
16 O conceito de civilização flutua ao sabor dos grupos dominantes. Para alguns, repousa na economia ou na força; para outros, no direito exclusivista ou na liberdade de praticar o mal. E, do que podemos presumir, não está próxima a equação do inquietante problema.
17 Há sempre volumosos contingentes para ganhar a demanda, mas raros homens se preocupam em ganhar a harmonia.
18 O domicílio dos homens sofrerá terríveis brechas, até que a razão se equilibre nas diretrizes do mundo.
19 A inteligência bestial combaterá ainda a sabedoria divina por longo tempo.
Não somos pois, estranhos à tormenta de lágrimas que cobrirá a fronte dos continentes em dolorosos quadros apocalípticos. Constituímos o fruto do que fomos, colhemos na pauta da semeadura.
Nisto não vai estima às predições de Cassandra, nem barateamento às profecias.
20 Buscando o Cristo nos templos exteriores e expulsando-O dos corações, fora temeridade esperá-Lo por salvador gratuito à última hora.
21 Eis porque, à frente dos atritos formidandos dos dias que passam, apelamos para os seguidores do Evangelho, a fim de que se unam no culto à religião interior.
22 A consciência identificada com o Mestre é o refúgio indispensável.
23 Se as doutrinas da força somente representam a decadência das nações, por libertarem o vandalismo, restituindo o homem à animalidade primária, é justo reconhecer que a democracia sem orientação cristã não pode conduzir-nos à concórdia desejada. 24 Realmente, a Revolução Francesa, que inaugurou grandes movimentos libertários no Planeta, filiava-se, no fundo, às plataformas elevadas. Objetivava o término das administrações inconscientes, o fim da ociosidade consagrada, a extinção de prerrogativas delituosas, o reajustamento do governo e do sacerdócio, em nome da liberdade, da igualdade e da fraternidade. 25 Muitos dos patrocinadores da renovação acreditaram-se movidos pelo messianismo evangélico; no entanto, esqueceram-se de que Jesus advogara a liberdade de obedecer a Deus contra o mal, a igualdade dos deveres para que o mérito marcasse a responsabilidade, e a fraternidade verdadeira, dentro da qual há mais alegria em dar que em receber. ( † ) 26 Conspurcada nos fundamentos, a Revolução, desbordando nos instintos sanguinários, em breve degenerou-se nas lutas napoleônicas, estabelecendo, no mundo, as guerras odiosas de povo a povo.
27 Desde então, a Terra, em sua geografia política, é uma colmeia desesperada, que só a cristianização da democracia poderá reajustar.
28 O angustioso enigma prende-se à ordem espiritual.
29 Impraticável o erguimento do edifício sem bases. Impossível a organização de instituições respeitáveis sem sentimentos humanos dignificados.
30 O homem elevar-se-á com o Cristo para levantar a política até o plano do equilíbrio divino ou a política sem Cristo, seja qual for a bandeira a que se acolhe, precipitará o homem no caos.
31 Este — o dilema da atualidade, em que a ventania da destruição assopra de novo…
32 E, não obstante edificados na certeza de que tudo coopera em benefício dos que amam a Deus, das claridade de além-túmulo, repetimos para os companheiros do Evangelho:
— Irmãos, entrelaçai os braços e uni corações, em torno do Caminho, da Verdade e da Vida! Tormentas de dor rondam os castelos da vaidade humana e gênios escuros do morticínio acercam-se das moradias sem alicerces. Os monstros que devoraram as civilizações dos persas e dos assírios, dos egípcios e dos gregos, dos romanos e dos fenícios espreitam a grandeza fantasiosa dos vossos palácios de ilusão!… Os oráculos que prognosticaram queda e ruína em Persépolis e Babilônia, Tebas e Atenas, Roma e Cartago pronunciam angustiados vaticínios em vossas cidades poderosas… Polvos mortíferos do ódio e da ambição desregrada multiplicam-se no oxigênio terrestre, predizendo misérias e desolação. Trazem a fome e a peste em novos aspectos, desorganizando-vos a vida e desintegrando-vos os celeiros… Todos vivemos tempos dramáticos de prece, expectação e vigília…
33 E, enquanto o aquilão da impiedade ruge destruidor, reunamo-nos na Jerusalém do íntimo santuário!… 34 Sigamos o Senhor na via dolorosa, como quem sabe que Ele prossegue à nossa frente, desvelando-nos o caminho da ressurreição eterna; vejamo-Lo, heroico e divino, em seu apostolado de sublime renúncia, vergado à cruz de nossas fraquezas milenárias… 35 É natural que nossos olhos estejam orvalhados de pranto e que o assombro nos domine os corações. Todavia, atentos à Justiça Indefectível que nos preside aos destinos, ouçamo-Lo a dirigir-se às mulheres piedosas que se lhe ajoelhavam aos pés, na cidade santa: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim! Chorai por vós mesmas e por vossos filhos, porque virão dias em se dirá: — Bem-aventurados os ventres que não geraram e os peitos que não amamentaram! Clamareis então para os montes: — Caí sobre nós! E rogareis aos outeiros: — Cobri-nos! Porque se ao madeiro verde fazem isto, que se não fará ao lenho seco?” ( † )
Emmanuel