1 Conversas sobre conversas
Por trás de assunto sem lógica
Disse-me Ilídio: “Amanhã
Vamos à ceia ecológica.
Você seguirá comigo?”
Pronto, assumi a promessa.
Ilídio é um bom amigo,
Mas que ceia será essa?
“Não deve seguir sozinho”,
Prosseguiu ele,
“Antes da ceia em caminho.”
2 No outro dia despertei
De ouvidos fenomenais
Estava escutando as pedras,
As plantas e os animais.
3 Ilídio veio buscar me
E, no carro em que seguia,
Notei que outro era o rumo
Além da periferia.
4 Desdobrando-se o caminho,
Vimos nós um casarão…
O amigo esclareceu:
“É a casa do tio Adão.”
5 Avançamos e nos vimos
Em meio de algumas roças
E notamos o barulho
De peões, carros, carroças…
6 Ilídio parou o carro e descemos,
Era um desfile esperado.
Animais vinham chegando
Seguindo por nosso lado.
7 Na frente vinha um cabrito
Gritando: “Morra o churrasco!…
Não desejo festa alguma,
Não quero ver o carrasco!…”
8 Num caminhão certa vaca
Mascava feno em restolho.
Dizia ao boi que a seguia:
“Meu velho, fique de olho.”
9 Ao lado vinham dois perus,
Um deles fala: “É demais.”
E o outro: “Eu também bebi,
Da cachaça do Moraes.”
10 Num caminhão, a galinha,
Cercada de frangos novos,
Prosava para a festança…
“Já dei os meus belos ovos.”
11 Grande fêmea de um suíno,
Seguindo frágil leitoa,
Rogava: “Não maltratem
Minha filha, que é tão boa…”
12 Dois coelhos numa gaiola
Cochichavam, entre si:
“Não fosse a corda no pé,
Sairíamos daqui.”
13 Num planalto assaz pequeno
O aroma de um cajueiro;
Lá longe ia a parada
Dominando o espaço inteiro.
14 No pátio, o chefão chegou
E passou a esfaquear,
A turma toda apavorada
Pôs-se a gemer e a gritar.
15 Vendo o sangue, emocionei-me;
Não podia ver aquilo,
Queria voltar à casa,
A fim de ficar tranquilo.
16 Fui a Ilídio e, com franqueza,
Não podia suportar,
Aquela cena de dor,
Queria a paz do meu lar.
17 Ilídio riu-se e falou:
“Cornélio, nunca supus
Que você fuja de festa
Para as obras de Jesus.”
18 E então, desorientado,
Fiquei sabendo, afinal,
Que a ceia da ecologia
Era a festa do Natal.
Cornélio Pires
|