1 A senhora viúva, dia a dia,
Sob os efeitos de uma hemiplegia,
Trazia a própria vida concentrada
Na cadeira de rodas, manejada
Por amiga enfermeira.
2 Dos parentes mais íntimos
Um filho lhe restava, um filho só,
O filho que ela amava enternecidamente…
Marido, pais, irmãos, chamados pela morte,
Deixaram-lhe na vida
Muita emoção frustrada
E aquele moço forte
Que não lhe confortava a existência dorida,
Muito embora abastada.
3 Achamo-nos na véspera do
Que marcaria o enlace do rapaz
E a mãezinha doente
Num misto de alegria,
De esperança e de paz
Entregou-lhe, feliz, tudo quanto possuía:
A fazenda, as ações de grande companhia,
Os créditos de banco e a linda moradia,
A dizer-lhe, contente:
— Filho, tudo o que tenho é seu…
De amanhã para a frente,
Passo a morar no estreito pavilhão
Que seu pai construiu ao fundo da mansão.
Desejo ver você e a jovem companheira
Sempre felizes, sem cuidados…
Toda alegria agora para mim
Será sabê-los sossegados
Ante a bênção de Deus, na visão do futuro…
4 O filho comovido
Beijou-lhe as mãos num gesto de amor puro
E agradeceu a doação materna,
Prometendo-lhe em voz macia e terna,
Pela jovem com quem se casaria
Segurança, carinho, convivência
Para todas as horas da existência
Que desejava fossem
Adornadas de paz e de alegria.
5 Depois do enlace, a enferma recebia
Cartões lindos da Europa…
O casal de viajores
Via a lua-de-mel por um mundo de flores…
Ambos davam notícias da beleza
De Lisboa e Paris, de Florença e Veneza…
6 Mas de retorno ao lar, após a festa
De comemoração do regresso feliz
A dama recebeu na vivenda modesta
O jovem par… E a nora exigente lhe diz:
— Minha sogra, ouça bem!…
Seu filho e eu
Pensando em seu descanso,
Resolvemos agora transferi-la
Para um lar de repouso, um abrigo claro e manso
Onde a senhora viva mais tranquila.
Precisamos aqui viver a sós,
Não pretendemos tê-la junto a nós.
7 Porque a pobre espantada procurasse
O olhar do filho amado para ver
A atitude interior que lhe viesse à face,
Ele mesmo aduziu:
— É um pouso geriátrico, mãezinha,
A senhora, por lá, não estará sozinha.
8 Nada disse a velhinha, posta a um canto,
Tão-somente mostrou silêncio e pranto…
9 No dia imediato,
Mudara-se-lhe o trato…
Internada num belo casarão,
Apesar da gentil acompanhante,
Eis que saudade enorme a domina e consome…
O recinto de luxo para ela,
Alma nobre e singela,
Tinha apenas um nome:
— “Exílio e solidão.”
10 Seis meses transcorreram, lentamente,
Não mais tornou a ver o filho ausente
E sem que a pompa, em torno, a reconforte,
A velhinha mais triste e mais doente,
De mágoa em mágoa, vagarosamente,
Entregou-se, de todo, às mãos da morte…
11 Ante as indagações do verniz social,
Deu-se-lhe sobre a Terra um lindo funeral…
A pobre repousou num sono longo e raro;
Mais tarde, despertou solicitando amparo.
Junto dela, um Emissário de Vigia,
Descortinou-lhe os Céus, comentando a alegria
Que a esperava na Altura..
12 A pobre mãe, porém, perguntou com ternura:
— E meu filho onde está?
— Sem dúvidas quaisquer — falou-lhe o mensageiro
Tanto quanto ficou, seu filho ficará
Por muito tempo ainda em franco cativeiro,
Tem muito que lutar, nos encargos que leva,
Entre as forças da Luz e as tentações da treva…
Mas você, minha irmã, pode elevar-se agora,
Pelo seu sacrifício e devoção ao Bem,
Mundos da Eterna Aurora
Esperam-na no Além…
13 A senhora, porém,
Expressando respeito àquelas diretrizes,
Disse, calma e sincera:
— Não aspiro a viver entre os mundos felizes!…
Voltar a ver e acompanhar meu filho,
Sem qualquer empecilho,
É todo o Céu de minha longa espera.
14 O Mensageiro que lhe conhecia
Os tempos de doença e de agonia
Anotou com brandura:
— Irmã, descer da Altura Imensa
A fim de trabalhar sem recompensa
Em favor dessa ou daquela criatura
É conquistar maior merecimento…
Para estar com seu filho, em constante união,
Precisará viver
Sob o regime da reencarnação…
E, acaso, aceitará, por mãe a própria nora?
15 — Como não, anjo bom? — replicou a senhora
Se Deus me consentir, assim regressarei,
Creio que a luz do amor é o princípio da Lei;
Se tenho no meu filho a bênção que procuro,
Como menosprezar a jovem que ele adora?
Amá-lo-ei melhor por minha nora
De quem devo ser filha no futuro…
Hei de amá-la também, voltando a ser criança,
Sempre encontrei no amor divina maravilha,
Minha nora no lar me acolherá por filha,
Serei nos braços dela uma nova esperança…
Envolverei meu filho e ela em meu sorriso,
Todo berço na Terra aponta o Paraíso…
……………………………………
16 Cinco anos passaram sobre o Tempo…
Hoje anotei um trio encantador:
Ante a filhinha: — luz recém-nascida
Disse o pai ao beijá-la: “minha vida!…”
A criança sorriu no berço cor-de-rosa
E a mãezinha, a enfeitar-lhe o corpinho de flor,
Exclamou comovida e venturosa:
— “Deus te abençoe, meu anjo meu amor!…”
Maria Dolores
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