1 Silvério Conde voltara de longa viagem à Europa e aos Estados Unidos e, presente à sessão, no modesto grupo de cultivadores da seara espírita, que frequentava de tempos a tempos, declarou que apresentaria importante relato, mas somente quando João da Mata, um dos colaboradores desencarnados da instituição, estivesse a postos. Razões de reconhecimento e simpatia pessoal. A noite era de socorro aos obsediados e, à face disso, larga fila de doentes se esparramava nos bancos próximos; entretanto, era a única, naquela semana, em que lhe seria possível falar, de modo direto, com o amigo espiritual que viria, caridoso, ao encontro dos enfermos, necessitados de paz e consolação.
2 Após receber-lhe as saudações fraternas, nos votos de boas vindas, através do médium Celino que lhe emprestava as faculdades, principiou Silvério, entre solene e discreto:
— Irmão João, é justo me entusiasme ao dizer-lhe, tanto quanto aos nossos companheiros, que voltei armado de novos recursos, em matéria de fé. As experiências, que eu tive ocasião de acompanhar em Londres, foram deveras convincentes. Comecei assistindo a preciosas demonstrações de clarividência, em duas das grandes sessões do congresso Espírita Internacional. 3 Médiuns que nada conheciam da Itália identificaram diversos familiares de amigos meus, domiciliados em Roma, desde o berço. Um moço da Dinamarca desatou em lágrimas ao reconhecer-se na presença da própria genitora desencarnada, segundo apontamentos indiscutíveis, fornecidos por uma senhora vidente, junto de todos. Fui apresentado ao Sr. Stuart, honrado presidente da antiga Associação Espiritualista da Grã-Bretanha, que me pôs em contato com vários círculos de fenômenos puros. 4 Presenciei manifestações de voz direta que me deixaram absolutamente convicto, quanto à sobrevivência. Num grupo particular de Marylebone, onde fui por gentileza de amigos, apertei comovidamente as mãos de um Espírito materializado, que me deu provas irrecusáveis da existência individual, para lá da morte. Desses novos companheiros de ideal dos quais me aproximei, um deles mostrou-me valiosa documentação sobre materializações de Jane Seymour, em antigo palácio inglês. Numerosas pessoas não espíritas dão conta dessas aparições. 5 Perguntando, de minha parte, por que motivo essa entidade voltava com tanta frequência ao ambiente de Hampton Court, contaram-me que a rainha, há tantos anos desencarnada, numa sessão mediúnica realizada em Hampshire alegara pessoalmente que assim procedia por motivos de amor, ao que irmãos outros, já familiarizados com os princípios da reencarnação, acrescentaram que a esposa de Henrique VIII se fizera guardiã espiritual de muitos dos seus velhos afeiçoados, agora renascidos na Inglaterra. As anotações que pude compulsar representam explícito relatório da imortalidade.
6 Silvério Conde fez uma pausa e indagou do benfeitor:
— Que me diz dessas experiências, irmão João?
— Meu filho — informou o amigo, com a simplicidade que lhe é característica, — rendamos graças a Deus. Você, Silvério; adquiriu alicerces para a fé renovada…
— Isso mesmo, irmão João — tornou Conde, — isso mesmo. Fé renovada é o tesouro de que hoje disponho.
7 E, notando que o amigo, incorporado ao médium, ia sair da mesa orientadora, para atender aos doentes no fundo da sala, deu-se pressa em acentuar:
— Peço, ainda, permissão para comunicar à nossa casa, em palavras breves, que estive igualmente nos Estados Unidos, onde observei, por felicidade minha, admiráveis fenômenos de efeitos físicos. Materializações, transportes, levitações, desenhos em condições supranormais. 8 Na Carolina do Norte, demorei-me vários dias, alinhando anotações que reputo de incalculável valor. E sabendo que professores da atualidade se dedicam ao reexame de todas as conclusões dos pesquisadores do passado, através da parapsicologia, não me contentei com as manifestações evidentes do Mundo Espiritual pela mediunidade, mas procurei também ouvir, em Nova Iorque, muitos companheiros que se acham ligados ao conjunto de estudiosos da Universidade de Duke, e compreendi que muitos deles já aceitam de modo pleno a interpretação espírita, tendo abandonado para trás os pontos de vista da chamada “percepção extra sensorial”. 9 Em muitos entendimentos, percebi que vários parapsicologistas e metapsiquistas estão hoje perfeitamente convencidos, com respeito à continuação da vida, além-túmulo, e afirmam, desassombrados, que, no Universo, tão maravilhosamente ordenado, é impossível que as faculdades superiores do homem sejam perdidas a esmo, simplesmente porque o corpo perecível se desfaça no sepulcro, a modo de roupa velha.
10 Silvério relanceou os olhos pela assembleia interessada e, reparando que o tempo avançava, disse para o benfeitor desencarnado que o ouvia polidamente:
— Em suma, Irmão João, venho transformado. Adquiri a convicção integral que me faltava…
— Sim, meu filho — anuiu o interlocutor com ardente sinceridade a transparecer-lhe da voz, — é preciso aprender, analisar, verificar, anotar… Sem o estudo, a Terra seria uma floresta, e nós, dentro dela, estaríamos na posição de animais em lamentável selvageria. Estudemos sim, estudemos sempre…
11 Conde fixou belo sorriso e sublinhou, encantado:
— Oh! irmão João, que alegria! As suas palavras exprimem amorosa compreensão… Sim, sim! Adquiri realmente a fé!… Tenho agora fé viva…
Nesse ponto da entrevista, o comunicante levantou-se, abraçou Silvério e, tomando a direção dos enfermos, disse-lhe, cortês:
— Então, meu filho, vamos agora ao trabalho!
12 Conde, algo constrangido, quis lançar delicada escusa, mas, enlaçado por aquelas mãos que se habituara a querer, aquiesceu, sem qualquer reação.
E ali, diante de quarenta e sete irmãos infelizes, alguns extremamente perturbados, ao lado de outros, chagados e tristes, convidou João, sensibilizado:
— Silvério, meu filho, faça uma prece, em favor dos doentes.
13 O interpelado diligenciou recuar, porquanto, a seu ver, não contava com facilidades quaisquer para a oração em voz alta, mas tomou a palavra, agora titubeante, e exorou a Bênção Divina para os enfermos que o fitavam, esperançosos.
14 Quando terminou, desajeitado, o amigo espiritual tornou a convocá-lo:
— Agora, meu filho, ajude-me, por obséquio, no serviço de passes. Diversos instrutores da Esfera Superior estão presentes, amparando-nos as tarefas. Aliviemos os nossos irmãos que sofrem…
— Mas, irmão João — ajuntou Silvério, surpreendido, — eu não sei dar passes, nunca dei passes.
15 — Meu filho — aduziu o benfeitor — você atualmente é um homem de fé baseada no raciocínio, que é a luz do grande conhecimento. Seu Espírito, presentemente, deve ser considerado qual estudante diplomado numa escola superior e o êxito em qualquer atividade nobre, principalmente para quem sabe, depende do começar…
— Entretanto — explodiu Silvério num desabafo respeitoso, — dê-me licença, Irmão João, para perguntar-lhe… Como entende o conhecimento? Que é conhecimento, meu amigo?
16 O benfeitor espiritual pensou alguns instantes e respondeu, muito calmo:
— Eu acho, meu filho, que o conhecimento é obrigação…
E, depois de expressivo silêncio finalizou, humilde:
— Tem que render…
Irmão X
(Humberto de Campos)