1 Querida mãezinha Sonia, a paz esteja conosco.
2 Estamos presentes, com lembranças festivas. Ressurreição não comporta luto.
Vejo-a de branco, na cor de nossa paz e de nossa alegria.
3 Parece-me estar numa bela noite de Havdalá. n O vinho simbólico é o amor que rege a união dos amigos que se interligam com os nossos corações, neste recinto de esperança. As especiarias são as vibrações de carinho em que nos envolvemos. Os perfumes são os pensamentos de amizade que nos reconfortam. As flores aparecem nos gestos de bondade com que somos acolhidos. 4 Falta o papai David para a bênção do Berachá, n no entanto, o vovô Moszek está conosco e pede ao Eterno, abençoe a cada um de nós.
5 Afastando-me de qualquer recordação da noite que nos colheu de surpresa há dois anos, compreendo nossa reunião como sendo uma espécie do “Lag-Ba-Omer”, n a festa das canções.
6 Lembro-me de que os nossos mentores nos solicitam a atenção para o exemplo do Rabi Shimeon-ben-Yochoai n que, ao partir da Terra para a Grande Pátria, pediu aos amigos que lhe celebrassem os aniversários da morte com alegrias e luzes. 7 É verdade, mãezinha, que não estamos aqui no Monte Meron, n mas dispomos da felicidade de nos associarmos a corações sinceros e leais que nos integram a equipe de júbilos, à frente da libertação do seu Roberto.
8 Dois anos refazem o entendimento. Agradeço aos poderes que nos regem por todas as experiências que atravessamos. 9 Efetivamente, não encontrei o regozijo perfeito, porque a fé não exclui a saudade, e registro a carência afetiva em que me vejo. Ainda assim, tenho podido construir segurança e tranquilidade em mim mesmo.
10 Percebo que a provação não é trabalho punitivo. É a lei pela qual nos realizamos para a Vida Maior. Creia.
11 Se alguma sombra me turva ainda os pensamentos, essa neblina procede das tristezas que ainda assinalo em nosso ambiente familiar. 12 Recolho as orações do papai David, como quem resguarda as relíquias do Santo dos Santos, porém, quisera vê-lo mais contente consigo mesmo e que a imagem que conserva de mim se lhe fizesse motivo a mais amplas esperanças.
13 Não disponho, porém, do direito de pedir mais do que recebo e, assim, respondo aos votos que me são endereçados com outros votos nos quais peço à Luz Divina clareie a nossa casa e nos mantenha a todos na confiança diante do futuro.
14 Mãezinha Sonia, não se impressione com o que digo, porque sinceramente não sei se é justo a um filho solicitar alegria e otimismo aos pais queridos aos quais ama tanto. E aqui, todo o plural significando os meus anseios de vê-la igualmente feliz.
15 Mãe querida, auxilie-me para que a certeza da Vida Espiritual habite conosco. Rachel, Ricardo, Renato, Rosana e Moises estão precisando, tanto quanto eu mesmo, da renovação espiritual a que me refiro.
16 Coração materno é fonte de amor e vida. Por semelhante motivo rogo a sua intercessão para que as nossas necessidades de filhos sejam atendidas. Volte ao jardim de sua alma afetuosa e sensível e colha, por favor, as rosas sem espinhos, da nossa ventura de tempos antes. Não duvide. Elas estão aí nos recessos de seu coração repleto de entendimento e ternura humana.
17 Enfermeira de tantos doentes n que a sua dedicação reanima, dê-nos também a sua influência encorajadora. Irmã de tantos necessitados que lhe agradecem o devotamento fraternal, deixe que os horizontes da esperança tornem a brilhar para nós todos, aqueles que dependem tanto de seu estímulo para serem felizes. Aqueles que somos nós, os seus entes queridos. “Lag-Ba-Omer!”
18 Se lágrimas me repontarem dos olhos serão todas elas de reconhecimento ao Autor da Vida que nos permite o reencontro do intercâmbio espiritual.
19 Que a nossa festividade nesta noite alcance, sobretudo, meu pai e a nossa Rachel, atualmente a se inclinarem para injustificado abatimento.
20 Em verdade, a liberação do corpo físico significou para mim um cântico de triunfo, porque reconheci a imortalidade e, dentro dela, aspiro a ser a migalha de força que levante o ânimo dos entes amados.
21 Morrendo, vivi. E vivendo continuo a amá-los com sentimentos mais vivos de certeza na vitória espiritual para a fé e para o amor em cada um de nós.
22 Agradeço todas as bênçãos com que me enriquecem os dias, em Nova Dimensão, conquanto esteja a rogar-lhes outros dons, os dons da alegria, porque do verme ao sol, na própria Terra, tudo é mensagem de alegria, ao nos reconhecermos criaturas conscientes, edificando o mundo melhor, a começar de nós próprios.
23 Nosso Ricardo receba todo o meu carinho de irmão. Sei que os irmãos receiam as provas nos estudos, como quem aguarda fantasmas. Não é isso que esperamos. Cumpramos os nossos deveres e as Luzes da Vida farão por nós a parte que se nos mantém, por enquanto, inacessível ao discernimento.
Resplandeçam paz e júbilo por dentro de nós.
24 Os queridos amigos Bo e Moyses estão presentes e se fazem lembrados às mães queridas. n
25 Aqui termino, ou melhor, faço de contas que dou importância ao ponto final. Não chegaremos, porém, ao remate de nossos diálogos, porque prosseguiremos, querida mãezinha, conversando de coração para coração, até que um dia estejamos todos no Grande Lar.
26 Até lá, porém, é preciso trabalhar no bem dos outros e criar o bem para os outros, a fim de que a nossa felicidade deixe de ser o pequenino regato entre quatro paredes para se converter num rio caudaloso de bênçãos.
27 Nesta aspiração de suprema alegria no Rumo do Amanhã, reúno-lhe o coração querido de mãe ao coração de meu pai e à ternura irradiante de meus irmãos e de todos os nossos amigos para reafirmar-lhes que a morte não existe e que continuo sendo o filho e o irmão reconhecido de sempre.
Roberto Muszkat
14 de março de 1981.
NOTAS
1) Havdalá — Literalmente “Separação”, trata-se da cerimônia logo depois do término do Shabat, dia do descanso: sábado. A mesma “separa” o dia santo dos dias úteis. A cerimônia do Shabat é comemorada com vinho.
2) Berachá — Bênção.
3) Lag-Ba-Omer — 33.º dia depois da Páscoa Judaica. Dia de Feriado, quando cessou a epidemia que matou os discípulos do Rabi Akiva.
4) Rabi Shimeon-ben-Yochoai — De acordo com a tradição judaica ele é o autor do Zohar: fonte do misticismo judaico.
5) Monte Meron — Meron é uma aldeia mística de Israel onde vivia o Rabi Shimeon-ben-Yochoai e onde anualmente se comemora o Lag-Ba-Omer.
6) D. Sonia é auxiliar de enfermagem e instrumentadora cirúrgica.
7) Moyses Zatyrko, já citado em mensagem anterior. [Cap. 2, nota 13.]
Bo, Boris Sztajman, faleceu a 3 de outubro de 1979, em São Paulo, SP. Bo e Moyses conheceram-se, quando encarnados; eram vizinhos de apartamento, no mesmo prédio.
David Muszkat