O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Palavras sublimes — Autores diversos


35

A indiferença do homem para com a missão do Cristo

1 O famoso campo da Flandres  †  assombrava. Em tudo, era o traço da batalha, onde novamente se massacravam as esperanças das criaturas. A noite fizera-se pesada ao rumor da fuzilaria. Aqui eram trincheiras improvisadas, bocas de aço vomitando estilhaços de morte, além agonizantes e vencidos, cadáveres e escombros, como fragmentos dilacerados da vida, sufocados pelos carros de assalto.

2 No firmamento, as mesmas estrelas fulguravam tranquilas, enquanto a mesma terra se enchia com o perfume quente da primavera. Mas na paisagem sombria estavam também os mesmos homens de todos os tempos. Os furiosos impulsos da ambição entrechocavam-se. Por todos os recantos, a mais cuidadosa disposição para destruir melhor, o zelo intenso para a inutilização do adversário.

3 Penetramos a atmosfera asfixiante do combate, tomados de espanto. Espetáculos terríveis desdobravam-se aos nossos olhos. Todavia, o que mais fundamente impressionava eram as exclamações dos feridos, o estertor dos agonizantes, a penosa emoção dos que se afastavam violentamente da carne.

4 Fora da superfície sangrenta, contudo, surgiam amorosos braços espirituais. Entidades fraternas, enfrentando corajosamente os fluidos venenosos do campo da luta, vertiam o bálsamo da consolação sobre quantos haviam caído ao desamparo. Serviços de socorro do Plano espiritual manifestavam-se em todos os sentidos.

5 Além do sepulcro, trabalham também os irmãos dos infortunados. Como se estivesse em movimento o exército compacto de uma Cruz Vermelha invisível, legiões de Espíritos amigos amparavam os companheiros misérrimos da carne, na sua falência desditosa.

6 Observamos, no entanto, que grande número de desencarnados, surpreendidos pelo choque das armas, prosseguia na mesma sensação de luta, saturados do mesmo ódio, como se conservassem todas as energias da existência material. 7 Enquanto os mais sofredores eram atendidos pelos mensageiros da bondade e da abnegação, notamos que dois jovens militares desencarnados, ignorantes de sua nova situação, se empenhavam em forte contenda de palavras, mais ou menos nestes termos:

— Retomarei minhas armas, responderei com eficiência aos teus insultos! — dizia um deles.

— Pagarás muito caro a ousadia — replicava o outro. — Saberemos castigar o teu maldito país!

8 E a discussão continuou:

— Nunca! Maldito é o berço em que nasceste!

— Também tu és dos bárbaros!… Não deixas igualmente de ser dos criminosos!

— Não perdoaremos o crime de tua pátria, que se arvorou em verdugo cruel dos povos livres da Terra.

— Também nós não teremos piedade de teu país, que ambiciona a vitória da exploração e do ouro, cheio de sangue dos povos mais humildes!

— Falas tu em povos humildes? Quem os insulta na atualidade à força de canhões?

— E quem os explora, estraçalhando-lhes as economias?

— Minha nação viveu sempre com o direito!

— Minha terra sempre teve razão.

— Juro pela minha igreja que não vencerás.

— E eu juro pela minha fé que o triunfo será nosso!

— Deus está do nosso lado.

— Isso não é verdade! Deus está conosco!!!

9 A luta de palavras prosseguia áspera, mas como se a invocação do nome de Deus houvesse atraído uma nova força de esclarecimento para o coração perturbado dos contendores, ouviu-se uma voz branda e persuasiva, entre ambos, exclamando:

— Calai-vos, meus irmãos! 10 A guerra destruidora pelas armas terrestres terminou para vossas almas, com o último choque das forças materiais! Vossos corpos jazem no campo da batalha, estirados no caminho sangrento, em consequência do egoísmo e da ambição. Por que esse ódio execrando, quando as vossas dores e esperanças são irmãs umas das outras? 11 As fronteiras transitórias do mundo não se transferem à eternidade! Voltai a considerar as verdades profundas da vida! Por que esse impulso violento de derrubar e destruir? 12 Fostes jovens, sonhastes as mais formosas edificações, tivestes as mesmas aspirações de amor e de ventura, alcançastes soberbos patrimônios de ciência do mundo, mas onde colocastes a finalidade real? A vida será tão-somente esse espetáculo tenebroso de construções decadentes e derrubadas? O sorriso da criança, a esperança da juventude, a paz da velhice serão o pasto da destruição? Onde está o vosso senso de realidade essencial? 12 Entretanto, conquistastes a natureza, sois sábios e fortes, conscientes e dominadores. Criastes uma civilização com todos os estatutos da ordem, vindes de igrejas organizadas e poderosas. Alegais que Deus está ao lado dos vossos caprichos particulares, esquecendo de perguntar à própria consciência se cada um de vós outros está verdadeiramente com Deus. 13 A atmosfera pestilenta que construístes em torno do coração é a do caminho dos grandes culpados, onde todos gritam sem razão, recriminando-se mutuamente. De que vos serviu a convenção religiosa, onde buscastes o mecanismo frio das fórmulas sem valores do sentimento? Onde estão as igrejas que vos separam da divina revelação das verdades de Deus? 14 Por vinte séculos, o Cristo há esperado a vossa compreensão nas luzes salvadoras do Evangelho!… Mas ainda não conseguistes parar a máquina da ambição, a fim de meditar no doce apelo de Jesus no íntimo do espírito… 15 Edificando as vossas grandezas materiais em seu nome, torcestes a verdade de suas palavras, levantastes monumentos de ignomínia, procurando adaptar os seus sagrados ensinamentos aos vossos caprichos nefastos. Jamais cogitastes desse sagrado ideal de união com a sua mensagem de fraternidade e de paz, e debalde inventastes sistemas sociológicos sem esse fundamento divino. 16 Por esse motivo, resgatais agora a multissecular impenitência nesses movimentos iníquos e dolorosos. Vossa luta estéril significa o preço da defecção espiritual e vossos antagonismos ideológicos constituem a guerra dos cristãos infiéis, mergulhados no pântano de suas negações da verdade e da luz!…

17 A voz enérgica continuava a falar dos resultados amargos da indiferença criminosa dos homens para com a missão redentora do Cristo. Mas a esse tempo intensificava-se o ruído das bombas de alta potência explosiva. Ao nosso lado, alguns cadáveres se dividiam em fragmentos nos ares. Sob a luz das estrelas, pesados aviões de bombardeio empenhavam-se em luta feroz, enquanto a paisagem se iluminava palidamente ao clarão dos incêndios. Os gemidos angustiosos dos moribundos pareceram mais surdos. O ambiente era de penosa estupefação, ante o silvo agudo das balas destruidoras. Pesados tanques penetraram o campo tormentoso, rompendo obstáculos como avalanches de fogo e aço, lançando chamas a considerável distância.

18 Nesse momento, o amigo espiritual que me conduzira ao teatro da crueldade humana disse-me, bondoso, afastando-se levemente:

— Não poderás suportar a situação por mais tempo sem nova provisão de forças. Ainda não te encontras preparado para esse gênero de esforço. Acompanha-me. Retiremo-nos um pouco, a fim de orar.


Humberto de Campos

(Irmão X)


Reformador — Julho de 1940 n


[1] Mensagem psicografada em 12 de junho de 1940 e remetida, diretamente, para publicação em Reformador segundo consta de seu original.


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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