1 Materializados, nós dois,
Eu e o amigo Eleutério,
Conversávamos contentes
Junto a grande cemitério.
2 Falávamos sobre a morte,
Que nos liberta e ilumina…
Vimos o horário não longe,
Eram duas da matina.
3 De repente muda a cena,
Sem ensaiarmos a peça,
Eis que um rapaz vem chegando,
No passo de muita pressa.
4 Tomáramos nossa forma
De tal modo que, no fundo,
Éramos nós dois rapazes
Ou dois moços vagabundos.
5 O companheiro saudou-nos
No habitual “boa noite”;
Retribuímos sorrindo…
Ele disse, muito amável:
— “Vejam que o Céu está lindo!”
6 E mostrando inquietação,
Cochichou, como em segredo:
— “Vocês me desculparão,
Mas, perto de cemitério,
Sinto sempre muito medo…
7 Rogo a vocês me perdoem,
Entretanto, estimaria
Que vocês comigo andassem,
Nestes sítios de silêncio,
Sendo minha companhia!…”
8 — “Pois não!”, falou Eleutério,
E pusemo-nos a andar…
O moço desconhecido
Continuou a falar:
9 — “Eu mesmo não sei por que,
Até meus pés ficam tortos,
Tenho frio e a boca seca,
Se passo perto dos mortos…
10 Vocês compreendem, não?”
E eu respondi com cuidado:
— “Eu também, quando entre os homens,
Sentia um medo danado…
11 Mas desde que faleci,
Pois sou igualmente morto,
Troquei o medo que eu tinha
Por mais vida e reconforto…”
12 Aí notei que o rapaz
Que seguia ao nosso lado,
Caiu na calçada fria,
Claramente desmaiado.
Jair Presente
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