1 No interior
Do esplêndido alcaçar,
Agonizava o senhor
Dos domínios extensos.
O dono do solar
Nos espasmos intensos
Da agonia,
Em torno dirigia
Um último olhar,
E viu então
O seu brasão
Invicto e glorioso,
Insculpido nas fúlgidas realezas
Do castelo formoso,
Transbordante de glórias e riquezas!
2 Mais alongando a vista,
Viu-lhe o feito da esplêndida conquista
Nas grandiosas searas,
Que em suas mãos avaras
Foram armas cruéis, destruidoras,
Martirizando as almas sofredoras.
Contemplou seus tesouros passageiros,
E em espasmos convulsos, derradeiros,
Opresso o coração,
Mergulhado no pranto mais profundo,
Expirou para o mundo
O nobre castelão.
A sua alma despida das grandezas,
Das terrenas, efêmeras realezas,
Bem após o transcurso de alguns anos
De triste letargia,
Foi um dia
Despertada em amargos desenganos:
Conturbado por agros dissabores,
Contemplou seu solar
Ocupado por outros moradores…
A exclamar,
Estranhou revoltado,
Que ninguém acudisse ao seu chamado.
E em atitude austera,
Tomado de energia,
De cólera severa
Já que ele era o senhor,
Reclamou os seus servos com calor
E, entretanto, nenhum lhe obedecia.
Imerso em turbação,
Somente, às vezes,
Escutava nos ditos mais soezes
Terrível maldição
Das vítimas de antanho!
E o sofrimento era tamanho
Em ser incompreendido,
Que se julgou perdido
Irremissivelmente.
Assim, constantemente,
Durante o transcorrer de muitos dias.
Conservou-se naquelas cercanias
Como presa feroz
Do sofrimento atroz.
De contínuos pesares e agonias…
Todavia,
O pobre sofredor,
No auge do amargor,
Recordou-se que havia
Um Pai Onipotente
E cheio de fervor,
Humilde penitente,
Implorou seu amor
Numa súplica em lágrimas de pena.
Sua alma sofredora
Sentiu-se então mais calma e mais serena,
Penetrada de doce claridade,
De luz confortadora,
Que provinha de alguém
Que lhe fazia
Meditar na grandeza da Verdade
E lhe dizia
Da beleza do Amor, da Luz, do Bem: —
«O que sofres, amigo, é a consequência
Da equívoca existência
Que levaste,
Já que sem piedade aniquilaste
Muitas almas e muitos corações,
Que hoje te envolvem os lúridos momentos
Em rudes sofrimentos
E estranhas maldições.
3 Por que ocultaste as flores formosas
Que na Terra colheste,
Flores lindas que nunca ofereceste
Às almas desditosas?
Por que não concedeste um só bocado
Do teu pão abundante
Ao pobre esfomeado?
Ocupando-te em gozo, a todo o instante,
Jamais vestiste os nus, nem consolaste
Aquele que sofria;
Desprezavas o fraco e nunca amaste
Quem de ti carecia!
A caridade,
O sentimento-luz, a flor-tesouro,
Não tiveste em teus dias de maldade
No grande sorvedouro!
Porém, o Deus de Amor
É sempre o magnânimo Senhor,
E permite que voltes aos humanos,
Para que se dissipem teus enganos
No amargor;
Voltarás,
Porém, já não terás
Efêmeras venturas,
Serás agora escravo e não senhor…
Conhecerás
As dores e amarguras,
As mágoas escabrosas
Pelas estradas rudes e espinhosas!
4 Abençoa o Senhor
Que te concede a dor,
Para assim compreenderes
Que os reais e legítimos prazeres
Que da vida nos vêm.
Não residem no Mal e sim no Bem.»
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