(Versos a um agressor do Espiritismo)
1 Ó padre lutador, procurai santamente
Apregoar ao mundo herético e descrente
Os dogmas ancestrais da vossa velha Igreja!
2 A árvore do progresso, esplêndida, viceja.
A Ciência caminha a passos de gigante
Para se unir à Fé, operosa e triunfante.
É preciso instalar a Inquisição de novo,
Contendo a aspiração indômita do povo,
De saber a verdade acerca do Destino.
3 Proclamai, proclamai o dogma divino!
Fazei bulas, torcei as leis, trazei Loiolas,
Ensinai catecismo em todas as escolas;
Ponde sobre a esperança o inferno que flameja,
Cheio de excomunhões e de mastins da Igreja!
Ensinai que Deus é o bramânico sátrapa
Que enviou para o mundo os bergantins do papa,
Afirmai que um sacrista é um ministro do Eterno.
Comei Jesus no pão refogado em falerno;
Formai sob a batina as gerações vindoiras,
Tomai em vossas mãos das crísticas tesoiras,
Cortai a asa de luz de toda liberdade,
Afogai na descrença a pobre Humanidade,
Multiplicai no mundo as vossas benzeduras,
Multiplicai na Igreja os ritos e as tonsuras!
4 Teologicamente, anatematizai
Todo aquele que em Deus sentir o amor de um Pai,
Ponde em cada recanto um novo Torquemada,
E um trapo de batina ao pé de cada estrada;
Fazei autos-de-fé, pregai probabilismos
Dentro das ilações e dos anacronismos,
Endeusai sobre o trono a fortuna dos Cresos,
Esquecei sobre a lama os pobres indefesos.
5 Transformai todo templo em balcão de bentinhos,
Com representações em todos os caminhos;
Interpretai Jesus no prisma do interesse,
Traficai com o altar, vendei o ensino e a prece,
Anatematizai todas as heresias;
Aprovai, aplaudi as grandes simonias,
Porque, em verdade, são como crimes sagrados
E a estola de um sacrista é isenta de pecados.
6 Incensai Harpagões, absolvei magnatas,
Entre encomendações, discursos, sermonatas;
Lembrai a Inquisição e a história do papado,
Retende na memória os erros do passado.
7 Lede com desassombro o intrépido Barônio,
Sem o medo pueril do inferno e do demônio,
E vinde proclamar ao mundo fariseu
Que somente na Igreja há sendas para o Céu;
Só a Igreja possui a santa autoridade,
Dentro das presunções da infalibilidade.
8 Sobre o luxo gritai no púlpito florido,
Gritai que o mundo está perverso e corrompido.
Escrevei com furor contra as guerras tigrinas,
A abençoar fuzis, metralhas, carabinas,
A discórdia infundi! Nutri regionalismos.
Incentivai com ardor os rubros fanatismos.
9 Se puderdes, irmão, armai nova fogueira
A quem asseverar que o Papado é uma feira
Onde Deus é um cifrão e onde se negocia
A bênção de Jesus, e a bênção de Maria;
Onde a verdade está sob as cavilações
Dos círculos hostis de torpes convenções!
Praticai e afirmai ainda mais do que isto.
Tendes a autoridade e a mansidão do Cristo…
10 Mas, ouvi minha voz impávida e serena!…
Fazendo-vos ouvir, tomando a vossa pena,
Jamais vos esqueçais de que a verdade é de ouro.
Afastarmo-nos dela é andar no sorvedouro
Da calúnia que fere o coração mais rude,
Da mentira que, enfim, não alcança a virtude,
Que traz, porém, consigo o vírus que envenena!…
11 Quem perpetra a inverdade a si mesmo condena.
12 A luta da verdade, a luta das ideias,
É feita nos clarões das grandes epopeias,
Abrindo o coração ao nobre sacrifício;
Cada gesto leal é sublime interstício
Por onde a luz penetra em jorros cristalinos,
Clareando o porvir ignoto dos destinos.
13 Criar uma ficção e excomungar de oitiva,
É próprio das paixões e próprio da inventiva.
Nunca vos entregueis a tanto despautério,
Jamais enxovalheis o vosso ministério.
14 Acostumai-vos, pois, ao sol que tudo aclara;
Deixai a insensatez dos clérigos, da tiara,
Abandonai a treva e vinde para a luz!
Aprendei muito mais do exemplo de Jesus.
15 Olvidai convenções, congregações, papado,
Que a Verdade jamais se vende no mercado.
Guerra Junqueiro
|