I
1 Antes a nossa vida terminasse
No turbilhão de pó da sepultura;
Antes a morte fosse a noite escura
Onde o ser nunca mais se despertasse.
2 Ah! se a nossa existência se acabasse
Cessaria decerto a desventura!
Contudo a vida é o bem, que se procura,
Morrer é ver a vida face a face.
3 Todavia se sofro, ó Deus clemente,
É que sou o criminoso, o delinquente
E o enfermo sem paz e sem saúde.
4 Perdoai à minh’alma se blasfemo,
Ponde em meu coração o dom supremo
Da humildade que é a auréola da virtude.
II
1 Um dia eu me senti como se fora
O infeliz Ashaverus legendário
E andei no mundo, triste e solitário,
Sentindo frio n’alma sofredora,
2 Sonhei na morte a estrada salvadora,
Ao meu grande martírio imaginário
E sem notar meu trágico desvario
Afundei-me na treva aterradora.
3 Tanta vez a minh’alma enferma e aflita,
Sonhou a paz nirvânica, infinita,
E apenas tenho a dor que me devora!
4 Ó Senhor, abrandai as minhas penas,
Inda sou entre as lágrimas terrenas,
Uma lama imortal que sofre e chora!
Hermes Fontes
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