Há mais de 20 anos, conversando com Chico Xavier na intimidade de sua casa de Uberaba, Minas Gerais, ele nos contou que antes de publicar livros guardava no íntimo o desejo de o fazer com as belas produções mediúnicas que os amigos espirituais escreviam por seu intermédio.
Poucas eram as pessoas que se interessavam por aqueles poemas, mas, mesmo assim, Chico fazia um grande esforço por confeccionar, ele próprio, manualmente, alguns exemplares com a finalidade de despertar os amigos para a possibilidade de um livro. Entretanto, as dificuldades financeiras eram grandes e em sua pobreza material não se podia pensar em edições de livros. Restava a Chico Xavier a esperança de que algum daqueles amigos a quem presenteava com seus livros manuscritos se interessasse pelo tema e, talvez, movimentasse os recursos necessários para uma publicação.
Nessa ocasião, Chico vivia em extrema pobreza, sendo arrimo de família numerosa com os seus parcos recursos disponíveis. E enquanto ia ao trabalho no bar do Dove, o Bar Elite, na venda do Sr. José Felizardo Sobrinho, ou, depois, na Fazenda Modelo, o pai de Chico, Sr. João Cândido Xavier, irritado ao ver o filho se desgastar até altas horas da madrugada na confecção daqueles livros, aproveitava a sua ausência para os queimar todos, o que trazia, naturalmente, grande aborrecimento e muita tristeza ao coração do Chico.
Pois bem, querido leitor, daquelas primeiras produções manuais, confeccionadas pelas próprias mãos de nosso amado Chico Xavier, contendo, inclusive, a sua sensibilidade artística no desenho e na ilustração das mensagens, por obra de Deus Chico Xavier conseguiu salvar e guardar durante toda a sua vida um único exemplar, que ao final de sua existência passou ao seu sobrinho-neto, nosso estimado Sérgio Luiz Ferreira Gonçalves, que no-lo apresentou agora para a devida divulgação.
Este é então, de fato e de direito, o primeiro livro de Chico Xavier, que ora trazemos a lume pelo Vinha de Luz – Serviço Editorial da Casa de Chico Xavier de Pedro Leopoldo, neste ano de 2010, ano de seu centenário de nascimento.
Os irmãos de ideal se surpreenderão com os diversos poemas assinados aqui pelo próprio Chico e conforme narra Chico Xavier a Carlos Baccelli no livro “100 anos de Chico Xavier – fenômeno humano e mediúnico”, no capítulo “Primeiras publicações”, página 97 da primeira edição (Leepp, 2010), “Meu irmão José Cândido Xavier e alguns amigos de Pedro Leopoldo, como, por exemplo, Ataliba Ribeiro Vianna, achavam que as páginas deviam ser publicadas com meu nome, já que não traziam assinatura e essas publicações começaram no jornal espírita Aurora; do Rio de Janeiro, que era dirigido, nessa época, pelo nosso confrade Ignácio Bittencourt, (…) pelas ideias espíritas que continham.”
Informa Carlos Baccelli que também algumas produções saíram no “Jornal das moças”, do Rio de Janeiro, no “Almanaque de lembranças”, de Portugal, e no suplemento literário de “O jornal”, arrematando: “Essa fase de insegurança, comum em quase todos os médiuns psicógrafos principiantes, não demorou a passar, e logo os Espíritos começaram, através de Chico, a assinar as suas produções, identificando-se”.
Sabemos de Chico Xavier que em breve tempo aquelas belíssimas produções poéticas chamaram a atenção de dedicado servidor da Federação Espírita Brasileira (FEB), na época seu vice-presidente, o Sr. Manuel Quintão. Profunda amizade uniu o jovem médium de Pedro Leopoldo ao eminente espírita do Rio de Janeiro, reatando, então, os laços de afeto de vidas passadas. Mais tarde, o filho de Manuel Quintão, Pedro Quintão, músico de consagrados dotes, se casaria com a irmã de Chico Xavier, D. Geralda Xavier, vindo a residir com a família em Belo Horizonte.
Digno de nota é o fato de Chico Xavier revelar ao seu sobrinho-neto, Sérgio Luiz, que Manuel Quintão † fora, em vidas passadas, o discípulo de João Evangelista e de Ignácio de Antioquia † na cidade de Esmirna, na província romana da Ásia, ocasião em que envergou a personalidade de Policarpo de Esmirna. † O próprio Manuel Quintão fora informado pelo Chico dessa revelação espiritual e em um de seus últimos artigos doutrinários escreveu para concluir: “Policarpiando…”
Temos conosco, por especial obséquio do sobrinho-neto de Chico Xavier, Sérgio Luiz Ferreira Gonçalves, os originais das belíssimas cartas que Manuel Quintão escreveu a Chico naqueles primeiros tempos. Delas destacamos alguns interessantes trechos, que ilustram o apoio e o esclarecimento que o jovem Chico teve de Manuel Quintão:
“(…) Tenho lido e apreciado as suas produções poéticas no “Aurora” e o concito a prosseguir assim, com independência e desassombro para firmar a sua individualidade literária. (…)” – (29/03/1930)
“(…) Tenho lido sempre com satisfação as suas produções práticas e aproveito o ensejo para pedir-lhe alguma coisa para o nosso “Reformador”. (…)” – (21/04/1931)
“(…) O que eu não creio é que tais versos sejam originariamente seus. Até lá não levo as prerrogativas do subconsciente. Ainda mesmo com os seus dotes poéticos em jogo mediúnico, e sem embargo de uma saturação profunda da técnica do poeta – detalhe que omite – não julgo exequível um tão acendrado personalismo. Sugestão? Sim, tudo é sugestão; mas, bem entendido, sugestão mediúnica. De resto, o meu confrade sabe, nada há nisso de extraordinário. (…) A minha opinião, portanto, é a de que o confrade continue a receber sem prevenção essas provas, e as vá colecionando para, a seu tempo, imprimir uma coletânea destinada a correr não só como expoente da arte, como de prova robusta da sobrevivência dos artistas. (…)” – (22/09/1931)
“(…) Mostrei as poesias vindas com a sua carta de 28 p.p. aos Srs. Leôncio Correa, Leal de Souza, Guilhon Ribeiro, bem como ao nosso Antônio Lima, fervoroso cultor dos poetas portugueses. Todos estamos de acordo sobre a sua origem mediúnica e perfeita identidade. (…) Minha opinião particular é, porém, a de que essas produções não devem ser voltadas à publicidade efêmera dos periódicos e sim fixadas em livro, a atestar a evidência do fenômeno e a grandeza da esmola que ele representa. (…) para mim não há resquício de dúvida sobre a legitimidade do fenômeno e identidade dos autores. (…)” – (17/10/1931)
“(…) Agora, farei como deseja, irei armazenando as joias até que lhe possamos facultar o merecido escrínio. (…)” – (22/10/1931)
“(…) Para voltar ao nosso livro; dir-lhe-ei que já comecei a escrever o prefácio e que, após concluí-lo com as informações que ora lhe peço e aguardo, lho remeterei para sancioná-lo, bem como o título que me ocorreu – “Parnaso d’além-túmulo”. Também penso em obter alguns retratos dos autores, de modo a fazermos um trabalho artístico apreciável. (…)” – (sem data)
“(…) Posso hoje, finalmente, trazer-lhe conclusivas notícias sobre o “Parnaso”; que, salvo imprevistos, poderá circular no próximo mês de junho. (…) Quanto à edição, está assentado seja de 2.000 exemplares. (…)” – (02/04/1932)
Essa a razão de encontrarmos neste primeiro livro confeccionado manualmente por Chico Xavier alguns poemas que mais tarde seriam publicados pela Federação Espírita Brasileira, no extraordinário livro “Parnaso de além-túmulo”, que inaugurou na Terra a monumental tarefa mediúnica de Francisco Cândido Xavier, que chega, neste momento do ano de seu centenário de nascimento, em 2010, à expressiva marca de 460 livros já publicados até agora.
Muitas das produções aqui enfeixadas somente viriam a compor o “Parnaso” nas edições seguintes, uma vez que foram psicografadas em datas posteriores à sua primeira edição. Nossos agradecimentos, portanto, ao Dr. Nestor João Masotti, mui digno presidente da Federação Espírita Brasileira, e aos demais membros de seu Conselho Diretor, que expressamente concordaram constássemos aqui os originais das produções mediúnicas de Chico Xavier, já incluídas em livros editados pela FEB, conforme a relação anexa às páginas 163-164, e ao Dr. Eurípedes Humberto Higino dos Reis, filho adotivo de Chico Xavier, que não obstou seguíssemos com este projeto.
Resta-nos ainda a alegria de verificar que grande parte das produções assinadas por Francisco Xavier, aqui publicadas, é até hoje inédita em termos editoriais, mostrando-nos a riqueza da personalidade mediúnica do querido medianeiro da esperança, o meigo e decidido Chico Xavier, que encantou o Brasil e o mundo com a força e a coragem com que abraçou a causa da verdade consoladora codificada por Allan Kardec, dando-lhe fiel desdobramento complementar e multiplicando-lhe, pelo cêntuplo, as bênçãos vertidas dos planos mais altos da Vida Imortal.
Referentemente ao prefácio desta obra, ressaltamos que a fundação do Centro Espírita Luiz Gonzaga em Pedro Leopoldo se deu, de fato, em 21 de junho de 1927, em casa da Sra. Josefa Barbosa Chaves, e a 8 de julho de 1927 Chico Xavier recebeu a primeira mensagem psicográfica de que se tem notícia. Infelizmente, essa primeira mensagem, assinada por um amigo espiritual, e contendo 17 páginas, se perdeu.
Acontece que alguns dos primeiros companheiros de Chico Xavier no referido Centro vieram a desencarnar repentinamente. Esse foi o caso de D. Josefa Barbosa Chaves, que partiu por problemas coronarianos. Depois de poucos dias foi a vez do Sr. Ataliba Ribeiro Vianna, que sofreu a ruptura de vasos cerebrais, tornando-se hemiplégico e desencarnando logo a seguir. Logo após foi D. Joaninha Gomes, que antes de partir presenteou o Chico com a Prece de Cáritas. Também seguiu para o além-túmulo o Sr. Agripino de Paula Cruz, que lhe ofereceu, antes de partir, um exemplar de O Evangelho segundo o Espiritismo. Assim, o grupo inicial da fundação do Centro havia se dissipado pela desencarnação de vários deles.
Somente entre 29 e 31 de outubro de 1928 é que o Centro Espírita Luiz Gonzaga pôde se reorganizar com a dedicação de Chico Xavier e seu irmão José Xavier, passando, então, a funcionar num salão alugado em casa do Sr. José Felizardo Sobrinho. Instalado novamente o Centro Espírita Luiz Gonzaga, em 29 de outubro de 1928, reuniram-se pela primeira vez os companheiros com Chico Xavier no dia 31 para a primeira reunião de estudos na nova sede. Foi quando Chico Xavier recebeu pela psicografia a primeira mensagem que ora lhe ofertamos à guisa de prefácio, caro leitor, assinada pelo espírito João – seria João Batista? –, mensagem que o próprio Chico Xavier guardou e conservou durante toda a sua vida, sem dar-lhe divulgação, e que somente agora, neste seu centenário de nascimento, temos a alegria de tornar pública.
Neste 2010, ano do centenário de nascimento de Chico Xavier, o Vinha de Luz Serviço Editorial da Casa de Chico Xavier de Pedro Leopoldo não poderia ter maior alegria do que esta: presentear o amado amigo Chico com a edição de seu primeiro livro.
Geraldo Lemos Neto
Pedro Leopoldo, 2 de abril de 2010. Casa de Chico Xavier | Vinha de Luz – Serviço Editorial.