O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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O Evangelho por Emmanuel — Volume V ©

Comentários aos Atos dos Apóstolos

Introdução aos Atos dos Apóstolos

O livro de Atos dos apóstolos é único, em seu gênero, entre os escritos do Novo Testamento. Não é um evangelho, nem carta, nem revelação profética. Dentro da literatura religiosa, configura um tipo de escrito especial, que não narra, em sua maioria, acontecimentos relacionados diretamente ao fundador e personagem principal, mas aos seus seguidores e, neste caso em especial, após a crucificação de Jesus.


O autor

A autoria desse texto é atribuída, quase sem controvérsias, a Lucas, o autor do terceiro evangelho, o que faz dele um dos autores que mais contribuíram com escritos para o Novo Testamento, sendo responsável por pouco mais de um quarto (27,1%) de todo o Novo Testamento, muito próximo aos 29,4% do material atribuído a Paulo, e superior, em quantidade de versículos, aos escritos atribuídos a João (17,7%). Isso impressiona, já que são apenas dois escritos de sua lavra.

Outros dois fatores são levados em consideração para atribuir aos Atos, a mesma autoria do Evangelho de Lucas. O primeiro é que ambos são destinados a um Teófilo. Se se trata de um personagem real ou não, é algo não resolvido, uma vez que a palavra em grego Θεόφιλος (Theofilos) pode ser interpretada como sendo a junção de duas palavras: Theo, que significa Deus, e Filos, que significa amigo, ou aquele que se simpatiza com alguém. Seriam, na visão de alguns, escritos destinados a todos os que se inclinam para Deus com amizade.

O segundo fator é que muitas das características do estilo do autor do Evangelho segundo Lucas também estão presentes no texto de Atos. (Ver Introdução ao Evangelho segundo Lucas, no terceiro volume desta coleção.)

É interessante observar que Paulo e Lucas, que conviveram intimamente entre si, mas que não estiveram com Jesus enquanto ele estava fisicamente entre nós, são responsáveis por mais da metade dos escritos do Novo Testamento, tanto em quantidade de versículos, como em número de textos. Lucas é responsável por 2 textos e Paulo por 14.


Características distintivas

Embora o texto trate dos atos dos apóstolos, nitidamente há um espaço maior concedido aos acontecimentos relacionados a Paulo de Tarso, desde antes de sua conversão até sua prisão em Roma. Esse parece ser o fio condutor de grande parte da narrativa, presente no texto.

Relatos pontuais destinam-se a acontecimentos relacionados a Pedro, Tiago e outros, mas Paulo e o grupo de seguidores mais próximos, como Silas, Lucas, Timóteo, dentre outros, ocupam a maior parte.

É um texto que pretende ser tanto um relato da mensagem do Evangelho sendo difundida em diversas regiões, como também um relato histórico, compreendendo um largo período de tempo, que supera 30 anos, iniciando-se logo após a crucificação de Jesus e indo até algum ponto antes do incêndio em Roma ocorrido em 64.

Neste texto, também está registrado um dos mais importantes marcos do Cristianismo nascente: a ausência da obrigatoriedade da circuncisão para caracterizar os seguidores de Jesus, o que alargaria consideravelmente o campo de alcance da prática da mensagem do Cristo. Sem perder as suas raízes judaicas, o Cristianismo pôde alçar voos mais amplos na direção de corações e mentes que não se submeteriam aos conjuntos de práticas estabelecidas pelo judaísmo dominante daquela época.


Data e local de composição

Sendo o texto de Atos uma quase continuação do Evangelho segundo Lucas, necessariamente a sua composição, adotando essa perspectiva, deve ser datada como posterior à deste evangelho, e daí resultam boa parte das divergências entre data e local de composição. Como muitos defendem que o Evangelho de Lucas foi escrito após o ano 70 d.C., seria forçoso, nessa perspectiva, datar a redação do texto de Atos para depois desta época ou, como defendem alguns, atribuir sua autoria a outra pessoa que não o autor do evangelho e companheiro de Paulo.

Para os que defendem a autoria do texto de Atos como sendo de Lucas, o companheiro de viagem de Paulo e também o autor do terceiro evangelho, Atos teria sido escrito entre 62/63 d.C., e o local de redação seria Roma. Sustentando essa hipótese, pesam a absoluta ausência de menções à perseguição aos cristãos em Roma, deflagrada por Nero, no ano de 64. Embora seja um argumento de silêncio, sem força comprobatória, é um forte ponto de sustentação.


Perspectiva espírita

O texto de Atos não é simplesmente um relato histórico, mas um conjunto de vivências e experiências de indivíduos que passaram a seguir a mensagem da Boa-Nova. O seu valor, nesse sentido, supera o de repositório histórico, para representar os desafios de ontem e de hoje no entendimento e na prática da mensagem consoladora do Cristo. Nem sempre esse aspecto é facilmente depreendido, dadas as características culturais, linguísticas e históricas do momento em que o texto foi redigido. Daí a importância da obra Paulo e Estêvão. Nesse livro, Emmanuel oferece um contexto importante para o personagem principal de Atos, Paulo de Tarso, e do primeiro mártir do Cristianismo nascente, Estêvão.

A narrativa se junta no momento da escolha dos sete auxiliares na Casa do Caminho e, a partir deste ponto, segue de maneira impressionante os relatos, oferecendo, ao mesmo tempo, uma visão ampliada e estendida. Partes importantes, que podem ser apenas supostas pelo cotejamento de texto do Novo Testamento, como os três anos no deserto, são minuciosamente descritas. Muitos versículos e passagens curtas são ampliados na narrativa de Paulo e Estêvão, revelando detalhes históricos e temporais. Tome-se, por exemplo, a data e o local de redação do texto. De acordo com a narrativa da obra de Emmanuel, o texto de Atos começou a ser escrito quando Paulo estava preso em Cesareia, entre 59/60, após a redação do Evangelho de Lucas, e teria sido concluído em Roma, no ano de 62/63. Muitas das circunstâncias envolvendo a redação das epístolas são também abordadas, como a da Epístola aos hebreus, talvez o escrito mais controverso atribuído a Paulo; data e local da primeira epístola; a situação em que Paulo se encontrava quando da redação da última epístola a Timóteo; dentre outras. A obra de Emmanuel traz informações sobre Estêvão e Paulo, anteriores ao período registrado em Atos dos apóstolos, bem como informações posteriores aos fatos narrados no texto bíblico, como a última viagem de Paulo para a Espanha e sua morte em Roma.

Ao oferecer tal gama de detalhes, o caráter principal, contudo, permanece. Muito mais do que um texto, Atos e Paulo e Estêvão refletem vidas marcadas pelo Mestre e seus ensinos, os cuidados do Cristo com a semente que deixara, cultivando-a com carinho e zelo, sulcando o solo do orgulho e da indiferença, com a enxada da experiência e da amizade, do afeto e da fé, da humildade e da esperança, a fim de que o Reino de Deus seja erigido no mais sólido terreno que existe: o coração da criatura humana.




Fac-símile do comentário mais antigo a fazer parte da coleção O Evangelho por Emmanuel, referente a Jo 10.30, publicado em novembro de 1940 na revista Reformador.




N.E.: Essa mensagem foi publicada no 4º volume da coleção, mas, dado ao seu conteúdo e significação, optamos por incluí-la também no início de cada volume.


Saulo Cesar Ribeiro da Silva


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