O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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No mundo de Chico Xavier — Entrevistas — F. C. Xavier/Elias Barbosa


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Chico Xavier — Psicografia de 1927 a 1931

De quando a quando, líamos aqui e ali, anotações de escritores e jornalistas desfavoráveis ao Espiritismo, apresentando o nosso amigo e médium Francisco Cândido Xavier à feição de pastichador, simplesmente porque a imprensa do Brasil e de Portugal lhe lançara o nome — F. Xavier — ao mundo das letras, em algumas páginas de prosa e poesia, entre 1929 e 1931, quando o médium de Emmanuel mal chegava aos vinte de idade.

Perguntávamos a nós mesmos a razão de semelhantes acusações quando Chico Xavier, desde a publicação de “Parnaso de Além-Túmulo”, em 1932, nunca mais compareceu nos jornais e revistas da língua portuguesa, na condição de autor de qualquer trabalho literário. Entendendo-se que a produção extensa e preciosa que lhe assinala a bagagem mediúnica, perdura, ininterrupta, no largo tempo de sete lustros consecutivos, não seria justo considerar as páginas de sua primeira juventude como ensaios dos próprios poetas desencarnados a lhe exercitarem as faculdades, através da inspiração? Por que as diatribes dos inimigos do Espiritismo contra o médium, nesse sentido, se trinta e cinco anos de ação medianímica, segura e construtiva, pesam sobre apenas dois anos de experimentos?

Tais perguntas vagavam em nossa mente, quando “Reformador” de julho de 1967 nos ofereceu o notável artigo do Professor Ismael Gomes Braga — “Chico Xavier em 40 anos” —, explicando como se verificou a publicação das páginas primitivas da psicografia de Chico Xavier. Entusiasmado com os esclarecimentos trazidos à luz e honrando-nos hoje com a amizade e a confiança do médium que reside, ao nosso lado, em Uberaba, e de cujas faculdades mediúnicas temos tido provas exuberantes, resolvemos ouvi-lo sobre aquele recuado período de suas atividades. De nossa conversação, que clareia ainda mais os informes do nosso caro Professor Ismael Gomes Braga, surgiu a presente entrevista que tomamos a liberdade de oferecer aos leitores amigos e confrades espíritas, isso com vistas não só a observações valiosas do presente como também aos estudos que o futuro nos exija realizar, em torno do trabalho genuíno de nossos instrutores espirituais, através das obras medianímicas de nosso companheiro, a quem justamente felicitamos pelos seus quarenta anos de mediunidade bem vivida, no Espiritismo com Jesus.

Passemos, pois, ao nosso inquérito afetivo, cujas respostas recolhemos corretamente, atentos que estamos ao seu alto valor.


1 — Chico, estimaríamos ouvir você com respeito às informações prestadas pelo nosso caro Professor Ismael Gomes Braga, em artigo lançado pelo “Reformador” de julho último. É verdade que você, a princípio, em seus trabalhos psicográficos, recebeu muitas páginas mediúnicas, sem assinatura dos Espíritos que as elaboravam?

— Sim. O nosso querido confrade Ismael Gomes Braga está muito bem informado. Tivemos nós ambos muitos contatos pessoais, quando me achava ainda em Pedro Leopoldo e tive a oportunidade de narrar a ele muitos fatos curiosos do tempo em que me via com a mediunidade começante sob os princípios espíritas cristãos.


2 — Poderá dizer-nos como acontecia a recepção dessas páginas?

— A pergunta me obriga a recordar os meus tempos de escola primária. Desde muito cedo, na atual reencarnação, achei-me diante dos amigos desencarnados. Muitas vezes em aula, quando criança, ouvia vozes dos Espíritos ou sentia mãos sobre as minhas, mãos que eu sentia vivas, guiando meus movimentos de escrita, sem que os outros as vissem. Isso me criava muitos constrangimentos. Lembrarei um episódio curioso. Em 1922, eu contava doze anos de idade e frequentava o quarto ano do Grupo Escolar São José, em Pedro Leopoldo. Era o ano de muitas comemorações do primeiro centenário da independência do nosso País. O Governo do Estado de Minas Gerais instituiu prêmios para os alunos de todas as classes de quarto ano das escolas primárias, que apresentassem as melhores páginas sobre a História do Brasil. Era um concurso a que todos nós, as crianças de quarto ano, em Minas, devíamos comparecer. Nossa professora, D. Rosária Laranjeira, abnegada educadora mineira, profundamente respeitada, nos círculos do magistério em nosso Estado, desencarnada, há alguns anos, em Belo Horizonte, e que lecionava, nesse tempo, em Pedro Leopoldo, marcou data para a referida prova. Abertos os trabalhos no dia indicado, quando começamos os preparativos para a escrita, vi um homem, ao meu lado, ditando como eu deveria escrever. Assustei-me porque perguntei ao meu companheiro de banco, Alencar de Assis, se ele estava vendo essa pessoa. Ele me disse não ver ninguém, e acrescentou que eu estava com medo da prova e que era preciso sossegar-me. O homem, contudo, me disse o primeiro trecho que eu deveria escrever. Tendo ouvido claramente, pedi licença para levantar me e fui ao estrado sobre o qual a professora estava sentada. Então, disse a ela, em voz baixa: “Dona Rosária, perto de mim, na carteira, eu vejo um homem ditando o que devo escrever.” Apesar de ser ainda muito jovem, naquele tempo, era ela uma criatura de imensa bondade e de profunda compreensão que sempre me ouvia com grande paciência. Depois de escutar-me, perguntou igualmente, em voz baixa: “O que é que esse homem está mandando você escrever?” Eu repeti o que ouvira do Espírito, explicando: “Ele me disse que eu devo começar a prova, contando assim: “O Brasil, descoberto por Pedro Alvares Cabral, pode ser comparado ao mais precioso diamante do mundo que logo passou a ser engastado na Coroa Portuguesa…” Ela mostrou admiração no semblante, mas me falou em voz mais baixa ainda: “Volte, meu filho, para a sua carteira e escreva a sua prova. A sala está repleta de pessoas que nos observam e agora não é o momento de você ver pessoas que ninguém vê. Não acredite que esteja escutando estranhos. Você está ouvindo é você mesmo. Dê atenção ao seu pensamento. Cuide de sua obrigação e não fale mais nisso.” Voltei e escrevi o que o Espírito ditava, porque ou eu escrevia ou desobedecia a ela, a quem respeitava e amava muito. Nossas provas foram reunidas às outras de todo o Estado, na Secretaria da Educação, em Belo Horizonte. Passados alguns dias, o nosso Grupo em Pedro Leopoldo recebeu a notícia de que as autoridades na capital mineira me haviam distinguido entre os alunos classificados com Menção Honrosa, o que era demais para mim. Dona Rosária Laranjeira ficou muito satisfeita, mas, de minha parte, sabia que as páginas não eram minhas. Amigos de Pedro Leopoldo tomaram conhecimento do assunto e houve quem dissesse que eu havia copiado o trabalho de algum livro de história. Dona Rosária acreditava em minha sinceridade, mas a nossa turma no Grupo ficou dividida. Alguns colegas admitiam que eu falava a verdade, outros me consideraram mentiroso. Muito me desgostavam as acusações que passei a sofrer na vida escolar, até que, um dia, em aula, um colega afirmou que se eu vira um homem do outro mundo, ditando prova, pela qual fora premiado, era natural que eu visse esse homem, outra vez, ali mesmo e naquela hora, ao lado de todos, para escrever sobre algum assunto que a própria classe viesse a apresentar. Nesse justo instante, tornei a ver o homem que os outros não viam e comuniquei à professora que ele me dizia estar pronto para escrever. Dona Rosária Laranjeira hesitou em aceitar o oferecimento, entretanto, os meus colegas pediram em voz alta para que eu atendesse. A professora, então, me permitiu ir ao quadro negro, a fim de escrever à vista de todos. “Qual é o tema para Chico”, perguntou um dos meninos. Uma nossa colega de nome Ocarlina Leroy lembrou: “Gostaria que o tema fosse areia, porque tenho carregado muita areia para auxiliar uma pequena construção de meu pai”. Todos os meninos presentes riram-se da lembrança e acharam que areia era uma cousa desprezível. Alguns fizeram piadas, mas o pedido de Ocarlina foi sustentado. Eu devia escrever uma composição usando giz no quadro negro, sobre areia. Lembro-me de que o Espírito amigo ali, ao meu lado, começou ditando: “Meus filhos, ninguém escarneça da Criação. O grão de areia é quase nada, mas parece uma estrela pequenina, refletindo o sol de Deus…” A composição foi escrita com muitas ideias que eu seria incapaz de conceber nos meus doze anos de idade. Os meninos ficaram em silêncio, por alguns instantes, e quando voltaram a conversar, a nossa professora determinou o encerramento do assunto. Daí em diante, Dona Rosária proibiu qualquer comentário na classe sobre pessoas invisíveis. Nem eu podia dar notícias de cousas estranhas que eu visse e nem os meus colegas deveriam me perguntar qualquer coisa fora de nossos estudos.

Como é fácil de verificar, desde a infância, estou no meio de quem acredita e de quem não acredita no Mundo Espiritual e as mensagens do Mundo Espiritual vão surgindo comigo, dando-me, cada vez mais, o conforto da fé na vida além da morte…


3 — Dona Rosária Laranjeira, a professora, não procurou ouvir você, em particular, sobre as suas observações na classe?

— Sim, ela me ouvia sempre com muita bondade, mas orientou meu coração para a atitude religiosa, dizendo que eu precisava de muita confiança em Deus para viver. Muitas vezes, ela conversou a meu respeito com o padre Scarzelli que me confessava, frequentemente, pedindo a ele para me ajudar.


4 — Dona Rosária era católica?

— Era católica fervorosa.


5  — Como dirigia você para a atitude religiosa?

— Dava-me escritos católicos para ler, me infundia profundo respeito aos ofícios da religião, me arguía sobre o catecismo e me ensinava a orar. Um dia perguntei a ela: “Dona Rosária, para quem devo rezar mais? Para Jesus ou para Nossa Senhora?” Ele se compadeceu de minha confiança infantil e me respondeu: “Chico, nós todos precisamos rogar a proteção de Jesus, mas você ficou sem mãe muito cedo. Reze todas as noites, pedindo a Nossa Mãe Santíssima para que te guarde e te proteja.”


6 — Dona Rosária Laranjeira teve muita influência em sua infância?

— Muita. Ela era imensamente generosa. Um dia propôs a meu pai levar-me com ela para Belo Horizonte, onde se encarregaria de minha educação, mas meu pai não pôde consentir, porque eu já trabalhava na Fábrica de Tecidos, em Pedro Leopoldo.


7 — Quer dizer que quando você começou a receber páginas mediúnicas sem assinatura, entre 1927 e 1931 já estava familiarizado com dúvidas e discussões?

— Sim.


8 — Como é que muitas dessas produções foram parar na imprensa não espírita?

— Meu irmão José Cândido Xavier e alguns amigos de Pedro Leopoldo, como, por exemplo, Ataliba Ribeiro Vianna, achavam que as páginas deviam ser publicadas com meu nome, já que não traziam assinatura e essas publicações começaram no jornal espírita “Aurora”, do Rio de Janeiro, que era dirigido, nessa época, pelo nosso confrade Ignacio Bittencourt, a quem Ataliba escreveu perguntando se havia algum inconveniente em lançar as citadas páginas com meu nome. Ignacio Bittencourt respondeu que não via inconveniente algum, desde que as produções escritas por minhas mãos não trouxessem assinatura. Ninguém poderia afirmar se eram minhas ou não e que ele as publicaria, não por meu nome, mas pelas ideias espíritas que elas continham. Aí começaram nossos amigos de Pedro Leopoldo a enviar essas produções para diversos setores, obedecendo ao entusiasmo pelos trabalhos nascentes da Doutrina Espírita, em nossa terra.


9 — Lembra-se de publicações não espíritas que divulgaram seus trabalhos mediúnicos?

— O “Jornal das Moças”, do Rio, o “Almanaque de Lembranças”, de Portugal, o Suplemento Literário de “O Jornal”, foram dos órgãos não espíritas que publicaram muitas dessas páginas entre 1927 e 1931.


10 — Tem no seu arquivo particular algumas delas?

— Não tenho. A mediunidade com a Doutrina Espírita absorveu-me todas as atenções desde o aparecimento de Emmanuel, em meu caminho, no ano de 1931, e perdi o contato com os frutos de minhas atividades iniciais.


11 — Recorda, de modo particular, alguma produção que ficasse inesquecível em sua memória?

— Sim, recordo-me de um soneto intitulado “Nossa Senhora da Amargura”, que, se não me engano quanto à data, foi publicado pelo Almanaque de Lembranças, de Lisboa, na sua edição de 1931. Eu estava em oração, certa noite, quando se aproximou de mim, o Espírito de uma jovem, irradiando intensa luz. Pediu papel e lápis e escreveu o soneto a que me referi. Chorou tanto ao escreve-lo que eu também comecei a chorar de emoção, sem saber, naqueles momentos, se meus olhos eram os dela ou se os olhos dela eram os meus. Mais tarde, soube, por nosso caro Emmanuel, que se tratava de Auta de Souza, a admirável poetisa do Rio Grande do Norte, desencarnada em 1900. O soneto foi enviado a Portugal por meu irmão José, em meu nome, tendo sido a página publicada e tendo eu recebido de Lisboa uma carta de um dos colaboradores da formação do citado Almanaque, com muitos elogios ao trabalho que não me pertencia.


12 — Como passou a sua mediunidade psicográfica dessa fase de indecisão para a segurança precisa?

— Isso aconteceu em 1931, quando o Espírito de Emmanuel assumiu o comando de minhas modestas faculdades. Desde aí, tudo ficou mais claro, mais firme. Ele apareceu em minha vida mediúnica assim como alguém que viesse completar a minha visão real da vida. Tenho a ideia de que até a chegada de Emmanuel, minha tarefa mediúnica era semelhante a uma cerâmica em fase de experiências, sem um técnico eficiente na direção. Depois dele, veio a orientação precisa, com o discernimento e a segurança de que eu necessitava e de que, aliás, todos nós precisávamos em Pedro Leopoldo.


13 — Chico, você não julga que essas produções esparsas, psicografadas por você, entre 1927 e 1931, devem ser reunidas num volume para nossos estudos espíritas?

— Muitas vezes, penso nisso, mas o nosso abnegado Emmanuel afirma que aquela fase de trabalho era de experimentação necessária e que devemos trabalhar sempre e caminhar para diante. E nessa base do “trabalhar sempre e caminhar para diante”, estou procurando acompanhar o nosso querido orientador espiritual, há trinta e seis anos. Desde 1931, Emmanuel me tolera e me utiliza para escrever, quase que diariamente, e isso não me permite ocasião de voltar à retaguarda para reexaminar as páginas mediúnicas do princípio.


14 — Sabe você que os adversários do Espiritismo se valem das produções lançadas, em seu nome, entre 1927 e 1931, tentando desacreditar os seus trabalhos psicográficos?

— Sei disso. A princípio me afligi com essas críticas, mas o nosso Emmanuel acalmou-me dizendo que dar muita resposta sobre o caso, desde muito superado, seria perder tempo. E acentuou que todos os inimigos do Espiritismo, quando sinceros, mudam de opinião depois de desencarnados. Isso tem acontecido nestes meus pobres quarenta anos de mediunidade. Muitos inimigos gratuitos de nossa Doutrina, que tantas vezes nos ridicularizaram, me visitam atualmente em Espírito e me encorajam a servir na obra de Emmanuel, fazendo-me, muitas vezes, chorar de reconhecimento e emoção.


15 — Como acredita você devamos proceder com os escritores e jornalistas que nos perseguem?

— Diz-nos Emmanuel, que devemos ter paciência e bondade para com todos eles, explicando sempre que eles não nos injuriam porque sejam maus e sim por inexperiência, ante os assuntos da Vida Espiritual.


16 — Você, nestes quarenta anos de mediunidade, foi procurado por muitos escritores interessados na sobrevivência do Espírito?

— Sim, por alguns.


17 — Pode dizer-nos algo de suas recordações junto deles?

— Sim, mas pediria para que as minhas lembranças sobre escritores não espíritas fossem deixadas para outra ocasião porque a hora está avançada.


Francisco Cândido Xavier

Emmanuel


Consultamos o relógio e concordamos. Vinte minutos depois de zero hora. Despedimo-nos de Chico Xavier e fixamos as presentes anotações para lembrar, estudar, raciocinar e discernir.


Elias Barbosa


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