Francisco Cândido Xavier
Reconheço-me com o dever de estar a serviço do nosso Emmanuel, mas isso não me impede de respeitar e admirar todos os trabalhos que visem a preservar a obra de Allan Kardec. De minha parte, faço votos para que os confrades reconheçam a nossa necessidade de mais ampla união em torno da obra em si e nos ajudem todos com a integração de todos em torno da Codificação Kardeciana, acima de tudo.
Quanto ao mais, continuemos firmes em ação da obra kardeciana, porque, em verdade, sem ela perderíamos a luz para o raciocínio, aquela que ele nos acendeu no espírito para aprendermos a discutir. É um mundo de serviço a fazer, um mundo a edificar, com a educação e a reeducação na base de tudo. Creio que tudo devemos realizar para não cairmos no obscurantismo e nas atitudes fanáticas.
Irmão Saulo
Quando Chico Xavier nos enviou a carta de que extraímos o trecho acima, esse trecho pareceu-nos uma simples reafirmação de tudo quanto, na sua vasta obra psicográfica, desde os primeiros livros até os derradeiros, o médium e os Espíritos comunicantes, particularmente Emmanuel, sempre sustentaram. Mas hoje somos levados a considerar que a intuição mediúnica de Chico Xavier, sempre tão aguda e segura, já antevia possíveis deturpações da obra de Kardec. E isso em São Paulo, e que ocorre no momento com a adulteração de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Muitos confrades gostariam de ouvir uma opinião de Chico Xavier sobre a referida adulteração, esquecendo-se de que essa opinião já foi expressa pelo médium centenas de vezes, não só através de seus livros, como através de entrevistas a jornais, revistas, rádios e televisões. Uma posição assim firmada, ao longo de quarenta anos de trabalho mediúnico, não poderia ser abalada subitamente por qualquer espécie de conveniência circunstancial.
No cumprimento de seu luminoso mediunato, sem claudicar no tocante à fidelidade a Kardec, aos princípios básicos da Doutrina Espírita, Chico Xavier se impôs ao meio espírita do Brasil e do Mundo como um exemplo digno de admiração e respeito. Quando certos confrades começaram a proclamar que os livros de Emmanuel e André Luiz constituíam uma reforma doutrinária, esses dois Espíritos, seguidos por Bezerra de Menezes e outros luminares da Espiritualidade, começaram a transmitir mensagens de valorização da obra de Kardec. Emmanuel, ante o aparecimento de correntes chamadas de emmanuelistas e andréluizistas chegou mesmo a transmitir uma série de livros correspondentes a cada uma das obras da Codificação comentando os trechos fundamentais dessas obras.
Chico Xavier jamais pretendeu sobrepor-se a Kardec, jamais se alistou entre os reformistas e superadores do Codificador. Nem mesmo aceitou, em tempo algum, que o considerassem como um líder espírita. Manteve-se sempre na sua posição de médium, de intermediário dos Espíritos, considerando-se humilde servidor do Espiritismo. A carta de que destacamos esse trecho decisivo ele nos dirigiu a 8 de junho do ano passado. Não achamos necessário divulgar essa nova profissão de fé kardeciana. Mas agora, quando a obra de Kardec, está sofrendo a primeira agressão dentro do próprio meio espírita, e quando se anuncia o prosseguimento do trabalho de adulteração, não podíamos deixar essa declaração escondida em nosso arquivo, a pretexto de preservar o médium. Pelo contrário, a preservação do médium exige esta divulgação na secção em que ele mesmo sempre solicita a nossa ajuda, a nossa colaboração no esclarecimento dos problemas doutrinários. Premido pelas obrigações da recepção de títulos de cidadania e pelos compromissos de lançamento de novos livros, Chico Xavier não pode enviar-nos a mensagem habitual para estas colunas. Sua presença em São Paulo neste momento, participando do lançamento promovido por um grupo que se colocou ao lado da adulteração, poderia aumentar os boatos de que Chico aprovaria esse absurdo atentado à obra de Kardec. Cabia-nos revelar a firmeza de sua posição doutrinária, reafirmada de maneira tão eloquente quanto necessária, na carta que nos enviara.
São muitos os leitores que nos interpelam a respeito da posição do médium nesse caso. Damos a todos a resposta do próprio médium, uma resposta categórica, iniludível. Chico reafirma que precisamos preservar a obra de Kardec, acima de tudo. Outros nos perguntam por que motivo modificamos o programa No Limiar do Amanhã, furtando-nos ao dever de defender no mesmo a obra do mestre. Informamos a todos que deixamos a direção do programa por termos sido impedidos de tratar do assunto no mesmo. Nosso penúltimo programa sobre o caso foi desgravado misteriosamente e nosso último programa foi arquivado e substituído por outro, de que não participamos nem poderíamos participar. Nem sequer o direito legal de anunciar a nossa retirada nos foi concedido. O que aconteceu a nós não acontecerá a Chico Xavier. A divulgação do seu trecho-mensagem será suficiente para mostrar aos leitores destas colunas que o grande médium mantém a sua fidelidade a Kardec, sustentando de maneira eloquente que a doutrina deve estar acima de tudo.