Alphonsus de Guimaraens
1 No campo, em que o luar engrinalda a escumilha,
O par freme de amor, a noite dorme e brilha.
2 Ele, o poeta aldeão, era humilde pastor;
Ela, a fidalga, expunha a mocidade em flor.
3 Ao longe da mansão, quantos beijos ao vento!…
Quantas juras de afeto à luz do firmamento!
4 Em certa noite, a eleita envia antigo pajem
Que entrega ao moço ansioso imprevista mensagem.
5 “Perdoe — a carta diz — se não lhe fui sincera
Desposarei agora o homem que me espera.
6 “Nunca deslustrarei o nome de meus pais.
Nosso amor foi um sonho… Um sonho. Nada mais.”
7 Chora o moço infeliz, sem ninguém que o conforte,
Surdo à razão, anseia arrojar-se na morte.
8 Corre à choça de taipa. A gesto subitâneo,
Arma-se em desespero e arrasa o próprio crânio.
9 Foi-se o tempo… E, no Além, o menestrel suicida
Era um louco implorando um novo corpo à vida.
10 Um dia, a castelã, no refúgio dourado,
Morre amargando, aflita, as lições do passado.
11 Pendem alvos jasmins do féretro suspenso,
Filhos clamam adeus em volutas de incenso.
12 Largando-se, por fim, dos enfeites de prata,
Sente-se agora a dama envilecida e ingrata.
13 Lembra o campo de outrora e o pobre moço aldeão,
Pede para revê-lo e rogar-lhe perdão.
14 Encontra-o, finalmente, em vasta enfermaria,
Demente, cego e mudo em angústia sombria.
15 Ela suporta em pranto a culpa que a reprova,
Quer voltar para a Terra e dar-lhe vida nova.
16 A eterna Lei de Amor no amor se lhe revela,
Retorna ao corpo denso em aldeia singela.
17 Hoje, mãe a sofrer, fina-se, pouco a pouco,
Carregando no colo um filho mudo e louco…
18 E enquanto o enfermo espraia o olhar triste e sem brilho,
Ela vive a rogar: “Não me deixes, meu filho!…”
19 O romance prossegue e os momentos se vão…
Bendita seja a dor que talha a perfeição.
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