1.
Acompanhávamos o Assistente, refletindo agora em nossa separação…
Achávamo-nos, Hilário e eu, preocupados e comovidos.
2 Ante o Sol renascente, o
campo terrestre brilhava em plena manhã clara.
Mudos e expectantes, renteamos com um homem do campo manobrando a enxada na defesa do solo.
3 Áulus apontou-o com a destra
e rompeu o silêncio, murmurando:
— Vejam! A mediunidade como instrumentação da vida surge em toda a parte. O lavrador é o médium da colheita, a planta é o médium da frutificação e a flor é o médium do perfume. Em todos os lugares, damos e recebemos, filtrando os recursos que nos cercam e moldando-lhes a manifestação, segundo as nossas possibilidades.
4 Avançávamos e, em breves
momentos, víamo-nos defrontados por singela oficina de carpinteiro.
Nosso orientador indicou o operário que aplainava enorme peça e observou:
— Possuímos no artífice o médium de preciosas utilidades. Da devoção com que se consagra ao trabalho, nasce elevada percentagem de reconforto à Civilização.
5 Não longe, surpreendemos
pequena marmoraria, à porta da qual um jovem envergava o escopro, ferindo
a pedra.
— Eis o escultor, — disse Áulus, — o médium da obra-prima. A Arte é a mediunidade
do Belo, em cujas realizações encontramos as sublimes visões do futuro
que nos é reservado.
6 O Assistente prosseguiu
enunciando importantes considerações sobre o assunto, quando passamos
por alguns empregados da higiene pública, removendo o lixo de extensa
praça.
— Aqui temos os varredores, — disse com respeitoso acento, — valiosos médiuns
da limpeza.
7 Logo após, contornamos um
edifício em que funcionava um tribunal de justiça e nosso instrutor
adiantou:
— Vemos aqui o fórum onde o juiz é o médium das leis. 8
Todos os homens em suas atividades, profissões e associações são instrumentos
das forças a que se devotam. Produzem, de conformidade com os ideais
superiores ou inferiores em que se inspiram, atraindo os elementos invisíveis
que os rodeiam, conforme a natureza dos sentimentos e ideias de que
se nutrem.
9 Atingíramos, no entanto,
o lar em que Hilário e eu nos dedicaríamos ao socorro de uma criança
doente.
Nesse ponto da excursão, o orientador, esperado a distância, separar-se-ia de nós, por fim.
Áulus seguiu-nos, paternal.
10 Na intimidade doméstica,
um cavalheiro maduro e a esposa tomavam café em companhia de três petizes.
Ladeando a mesa limpa e sóbria, descansava em larga poltrona o menino abatido e pálido que nos recolheria o esforço assistencial.
11 O instrutor fixou os olhos
no quadro expressivo que nos tomava a atenção e exclamou:
— A família consanguínea é uma reunião de almas em processo de evolução,
reajuste, aperfeiçoamento ou santificação. 12
O homem e a mulher, abraçando o matrimônio por escola de amor e trabalho,
honrando o vínculo dos compromissos que assumem perante a Harmonia Universal,
nele se transformam em médiuns da própria vida, responsabilizando-se
pela materialização, a longo prazo, dos amigos e dos adversários de
ontem, convertidos no santuário doméstico em filhos e irmãos. 13
A paternidade e a maternidade, dignamente vividas no mundo, constituem
sacerdócio dos mais altos para o Espírito reencarnado na Terra, pois
através delas, a regeneração e o progresso se efetuam com segurança
e clareza. 14 Além do
lar, será difícil identificar uma região onde a mediunidade seja mais
espontânea e mais pura, de vez que, na posição de pai e de mãe, o homem
e a mulher, realmente credores desses títulos, aprendem a buscar a sublimação
de si mesmos na renúncia em favor das almas que, por intermédio deles,
se manifestam na condição de filhos.
15 E, num sopro de bela inspiração,
concluiu:
— A família física pode ser comparada a uma reunião de serviço espiritual no espaço e no tempo, cinzelando corações para a imortalidade.
2.
Em seguida, o Assistente leu o mostrador de um relógio e observou:
— Quem caminha com a responsabilidade não deve esquecer as horas.
2 Retirou-se, precípite, e
seguimo-lo até a praça próxima.
Áulus fixou o céu azul em que o Sol como que se desfazia em chuva de ouro quintessenciado, e dispunha-se a enlaçar-nos, quando me percebeu o propósito mais íntimo, falando com humildade:
— Faça a prece por nós, André!
3
Reverente, pedi em voz alta:
— Senhor Jesus!
Faze-nos dignos daqueles que espalham a verdade e o amor!
Acrescenta os tesouros da sabedoria nas almas que se engrandecem no amparo aos semelhantes.
Ajuda aos que se despreocupam de si mesmos, distribuindo em Teu Nome a esperança e a paz…
Ensina-nos a honrar-te os discípulos fiéis com o respeito e o carinho que lhes devemos.
Extirpa do campo de nossas almas a erva daninha da indisciplina e do orgulho, para que a simplicidade nos favoreça a renovação.
Não nos deixes confiados à própria cegueira e guia-nos o passo, no rumo daqueles companheiros que se elevam, humilhando-se, e que por serem nobres e grandes, diante de Ti, não se sentem diminuídos, em se fazendo pequeninos, a fim de auxiliar-nos…
Glorifica-os, Senhor, coroando-lhes a fronte com os teus lauréis de luz!…
4 O orientador devia
saber que ele próprio personificava para nós os benfeitores a cuja grandeza
nos reportávamos; entretanto, não ousei pronunciar-lhe o nome, tal a
veneração que nos merecia.
Terminada a oração, fitei-o de olhos úmidos.
5 Áulus não disse uma palavra.
Revestido de radiações luminescentes, dando-nos a entender que se despedia de nós igualmente em prece, recolheu-nos num só abraço e partiu…
6 À maneira de crianças, Hilário
e eu, em pranto mudo de reconhecimento, contemplamo-lo, até que se lhe
apagou o vulto ao longe.
7 Lembramo-nos, então, do
trabalho que nos aguardava e, louvando o serviço que em toda a parte
é a nossa bênção, passamos a socorrer a criança enferma, como quem se
incorporava ao grande futuro…
André Luiz
FIM