1.
Faltavam apenas dois minutos para as vinte horas, quando o dirigente
espiritual mais responsável deu entrada no pequeno recinto.
2 Nosso orientador articulou
a apresentação.
O Irmão Clementino abraçou-nos, acolhedor.
A casa pertencia-nos a todos, explicou sorridente. Estivéssemos, pois, à vontade, na tarefa de que nos achávamos investidos.
3 A essa altura, diversas
entidades do nosso Plano colocaram-se junto dos médiuns que estariam
de serviço.
Clementino avançou em direção de Raul Silva, perto de quem se postou em muda reflexão.
4 Logo após, Áulus convidou-me
ao psicoscópio e, graduando-o sob nova modalidade, recomendou-nos acurado
exame.
Foquei os companheiros encarnados em concentração mental, identificando-os sob aspecto diferente.
5 Dessa vez, os veículos físicos
apareciam quais se fossem correntes eletromagnéticas em elevada tensão.
O sistema nervoso, os núcleos glandulares e os plexos emitiam luminescência particular. E, justapondo-se ao cérebro, a mente surgia como esfera de luz característica, oferecendo em cada companheiro determinado potencial de radiação.
6 Assinalando-nos a curiosidade,
o Assistente explicou:
— Em qualquer estudo mediúnico, não podemos esquecer que a individualidade espiritual, na carne, mora na cidadela atômica do corpo, formado por recursos tomados de empréstimo ao ambiente do mundo. Sangue, encéfalo, nervos, ossos, pele e músculos representam materiais que se aglutinam entre si para a manifestação transitória da alma, na Terra, constituindo-lhe vestimenta temporária, segundo as condições em que a mente se acha.
7 Nesse instante, o irmão
Clementino pousou a destra na fronte do amigo que comandava a assembleia,
mostrando-se-nos mais humanizado, quase obscuro.
8 — O benfeitor espiritual
que ora nos dirige, — acentuou o nosso instrutor, — afigura-se-nos mais
pesado, porque amorteceu o elevado tom vibratório em que respira habitualmente,
descendo à posição de Raul, tanto quanto lhe é possível, para benefício
do trabalho começante. Influencia agora a vida cerebral do condutor
da casa, à maneira dum musicista emérito manobrando, respeitoso, um
violino de alto valor, do qual conhece a firmeza e a harmonia.
9 Notamos que a cabeça venerável
de Clementino passou a emitir raios fulgurantes, ao mesmo tempo que
o cérebro de Silva, sob os dedos do benfeitor, se nimbava de luminosidade
intensa, embora diversa.
10 O mentor desencarnado levantou
a voz comovente, suplicando a Bênção Divina com expressões que nos eram
familiares, expressões essas que Silva transmitiu igualmente em alta
voz, imprimindo-lhes diminutas variações.
11 Com a emotividade que nos
invadia a todos, brando silêncio se interpôs, durante rápidos minutos.
12 Fios de luz brilhante ligavam
os componentes da mesa, dando-nos a perceber que a prece os reunia mais
fortemente entre si.
2.
Terminada a oração, acerquei-me de Silva.
2 Desejava investigar
mais a fundo as impressões que lhe assaltavam o campo físico, e observei-lhe,
então, todo o busto, inclusive braços e mãos, sob vigorosa onda de força,
a eriçar-lhe a pele, num fenômeno de doce excitação, como que “agradável
calafrio”. 3 Essa onda
de força descansava sobre o plexo solar, onde se transformava em luminoso
estímulo, que se estendia pelos nervos até o cérebro, do qual se derramava
pela boca, em forma de palavras.
4 Acompanhando-me a análise,
o Assistente explicou:
— O jato de forças mentais do irmão Clementino atuou sobre a organização psíquica de Silva, como a corrente dirigida para a lâmpada elétrica. Apoiando-se no plexo solar, elevou-se ao sistema neuro-cerebrino, como a energia elétrica da usina emissora que, atingindo a lâmpada, se espalha no filamento incandescente, produzindo o fenômeno da luz.
5 — E o problema da
voltagem? — Indaguei, curioso.
— Não foi esquecido. Clementino graduou o pensamento e a expressão, de acordo com a capacidade do nosso Raul e do ambiente que o cerca, ajustando-se-lhes às possibilidades, tanto quanto o técnico de eletricidade controla a projeção de energia, segundo a rede dos elementos receptivos.
6 E sorrindo:
— Cada vaso recebe de conformidade com a estrutura que lhe é própria.
7 Os confrontos de Áulus sugeriam
belas indagações. A ligação elétrica gera luz na lâmpada. E ali? O contato
espiritual, decerto, segundo inferíamos, improvisava forças igualmente
a se derramarem do cérebro e da boca de Silva, na feição de palavras
e raios luminosos…
8 O instrutor percebeu-nos
a muda inquirição e apressou-se em aclarar:
— A lâmpada em cujo bojo se faz luz arroja de si mesma os fotônios
que são elementos vivos da Natureza a vibrarem no “espaço físico”, através
dos movimentos que lhes são peculiares, 9
e nossa alma, em cuja intimidade se processa a ideia irradiante, lança
fora de si os princípios espirituais, condensados na força ponderável
e múltipla do pensamento, princípios esses com que influímos no “espaço
mental”. 10 Os mundos
atuam uns sobre os outros pelas irradiações que despedem e as almas
influenciam-se mutuamente, por intermédio dos agentes mentais que produzem.
11 A palavra serena e precisa
do orientador compelia-nos à meditação, embora rápida.
3.
Os claros apontamentos, em torno da energia mental, conduziam-me a preciosas
reflexões.
2 Então, o pensamento
não escapava às realidades do mundo corpuscular, — ponderei de mim para
comigo.
3 Assim como possuímos
na Terra valiosas observações alusivas à química da matéria densa, relacionando-lhe
as unidades atômicas, o campo da mente oferecia largas ensanchas ao
estudo de suas combinações… 4
Pensamentos de crueldade, revolta, tristeza, amor, compreensão, esperança
ou alegria teriam natureza diferenciada, com característicos e pesos
próprios, adensando a alma ou sutilizando-a, além de lhe definirem as
qualidades magnéticas… 5
A onda mental possuiria determinados coeficientes de força na concentração
silenciosa, no verbo exteriorizado ou na palavra escrita…
6 Compreendia, desse modo,
mais uma vez, e sem qualquer obscuridade, que somos naturalmente vítimas
ou beneficiários de nossas próprias criações, segundo as correntes mentais
que projetamos, escravizando-nos a compromissos com a retaguarda de
nossas experiências ou libertando-nos para a vanguarda do progresso,
conforme nossas deliberações e atividades, em harmonia ou em desarmonia
com as Leis Eternas…
O solilóquio, porém, não devia alongar-se.
4.
Nosso orientador, atento aos objetivos de nossa permanência na casa,
chamou-me a novas observações:
— Repararam na comunhão entre Clementino e Silva, no momento da prece?
2 E, ante a nossa expectação
de aprendizes, continuou:
— Vimos aqui o fenômeno da perfeita assimilação de correntes mentais
que preside habitualmente a quase todos os fatos mediúnicos. 3 Para clareza de raciocínio, comparemos a organização de Silva, nosso
companheiro encarnado, a um aparelho receptor, quais os que conhecemos
na Terra, nos domínios da radiofonia. 4
A emissão mental de Clementino, condensando-lhe o pensamento e a vontade,
envolve Raul Silva em profusão de raios que lhe alcançam o campo interior,
primeiramente pelos poros, que são miríades de antenas sobre as quais
essa emissão adquire o aspecto de impressões fracas e indecisas. 5
Essas impressões apoiam-se nos centros do corpo espiritual, que funcionam
à guisa de condensadores, atingem, de imediato, os cabos do sistema
nervoso, a desempenharem o papel de preciosas bobinas de indução, acumulando-se
aí num átimo e reconstituindo-se, automaticamente, no cérebro, onde
possuímos centenas de centros motores, semelhante a milagroso teclado
de eletroímãs, ligados uns aos outros e em cujos fulcros dinâmicos se
processam as ações e as reações mentais, que determinam vibrações criativas,
através do pensamento ou da palavra, considerando-se o encéfalo como
poderosa estação emissora e receptora e a boca por valioso alto-falante.
6 Tais estímulos se
expressam ainda pelo mecanismo das mãos e dos pés ou pelas impressões
dos sentidos e dos órgãos, que trabalham na feição de guindastes e condutores,
transformadores e analistas, sob o comando direto da mente.
7 A elucidação não podia ser
mais simples, contudo oferecia oportunidade a mais amplas indagações.
— Temos então aqui a técnica do próprio pensamento? — Perguntou Hilário, com
interesse.
— Não tanto, — adiantou o interlocutor; — o pensamento que nos é exclusivo
flui incessantemente de nosso campo cerebral, tanto quanto as ondas
magnéticas e caloríficas que nos são particulares, e usamo-lo normalmente,
acionando os recursos de que dispomos.
5.
— Não será, porém, tão fácil estabelecer a diferença entre a criação
mental que nos pertence daquela que se nos incorpora à cabeça… — Ponderou
meu colega intrigado.
2 — Sua afirmativa carece
de base, — exclamou o Assistente. — Qualquer pessoa que saiba manejar
a própria atenção observará a mudança, de vez que o nosso pensamento
vibra em certo grau de frequência, a concretizar-se em nossa maneira
especial de expressão, no círculo dos hábitos e dos pontos de vista,
dos modos e do estilo que nos são peculiares.
3 E, bem-humorado, comentou:
— Em assuntos dessa ordem, é imprescindível muito cuidado no julgar, porque,
enquanto afinamos o critério pela craveira terrena, possuímos uma vida
mental quase sempre parasitária, de vez que ocultamos a onda de pensamento
que nos é própria, para refletir e agir com os preconceitos consagrados
ou com a pragmática dos costumes preestabelecidos, que são cristalizações
mentais no tempo, ou com as modas do dia e as opiniões dos afeiçoados
que constituem fácil acomodação com o menor esforço. 4
Basta, no entanto, nos afeiçoemos aos exercícios da meditação, ao estudo
edificante e ao hábito de discernir para compreendermos onde se nos
situa a faixa de pensamento, identificando com nitidez as correntes
espirituais que passamos a assimilar.
5 Hilário pensou alguns instantes
e, estampando na fisionomia o contentamento de quem fizera importante
descoberta, falou satisfeito:
— Agora percebo como podem surgir fenômenos mediúnicos em comezinhas situações da vida, tanto nos feitos notáveis da genialidade, como nos dramas cotidianos…
6 — Sim, sim… — Acentuou
o orientador, agora preocupado com o tempo que a nossa palestração consumia,
— a mediunidade é um dom inerente a todos os seres, como a faculdade
de respirar, e cada criatura assimila as forças superiores ou inferiores
com as quais sintoniza. 7
Por isso mesmo, o Divino Mestre recomendou-nos oração e vigilância para
não cairmos nas sugestões do mal, ( † )
porque a tentação é o fio de forças vivas a irradiar-se de nós, captando
os elementos que lhe são semelhantes e tecendo, assim, ao redor de nossa
alma, espessa rede de impulsos, por vezes irresistíveis.
8 E, buscando o lugar que
lhe competia nos trabalhos em andamento, ajuntou:
— Estudemos trabalhando. O tempo utilizado a serviço do próximo é bênção que entesouramos, em nosso próprio favor, para sempre.
André Luiz