1.
— Indubitavelmente, — concordava o Assistente Áulus, — a mediunidade
é problema dos mais sugestivos na atualidade do mundo. 2
Aproxima-se o homem terreno da Era do Espírito, sob a luz da Religião
Cósmica do Amor e da Sabedoria e, decerto, precisa de cooperação, a
fim de que se lhe habilite o entendimento.
3 O orientador, de feição
nobre e simpática, recebera-nos, a pedido de Clarêncio, para um curso
rápido de ciências mediúnicas.
4 Especializara-se em trabalhos
dessa natureza, consagrando-lhes muitos anos de abnegação. Era, por
isso, dentre as relações do Ministro, que se nos fizera patrono e condutor,
um dos companheiros mais competentes no assunto.
Áulus nos acolhera com afabilidade e doçura.
5 Relacionando aflitivas questões
da Humanidade Terrestre, pousava em nós o olhar firme e lúcido, não
apenas com o interesse do irmão mais velho, mas também com a afetividade
de um pai enternecido.
Hilário e eu não conseguíamos disfarçar a admiração.
Era um privilégio ouvi-lo discorrer sobre o tema que nos trazia até ali.
6 Aliavam-se nele substanciosa
riqueza cultural e o mais entranhado patrimônio de amor, causando-nos
satisfação o vê-lo reportar-se às necessidades humanas, com o carinho
do médico benevolente e sábio que desce à condição de enfermeiro para
a alegria de ajudar e salvar.
7 Interessava-se pelas
experimentações mediúnicas desde 1779, quando conhecera Mesmer, em Paris,
no estudo das célebres proposições lançadas a público pelo famoso magnetizador.
8 Reencarnando no início
do século passado, apreciara, de perto, as realizações de Allan Kardec,
na codificação do Espiritismo, e privara com Cahagnet e Balzac, com
Théophile Gautier e Victor Hugo, acabando seus dias na França, depois
de vários decênios consagrados à mediunidade e ao magnetismo, nos moldes
científicos da Europa. 9
No mundo espiritual prosseguiu no mesmo rumo, observando e trabalhando
em seu apostolado educativo. Dedicando-se agora à obra de espiritualização
no Brasil, e isto há mais de trinta anos; comentava, otimista, as esperanças
do novo campo de ação, dando-nos a conhecer a primorosa bagagem de memórias
e experiências de que se fazia portador.
10 Maravilhados ao ouvi-lo,
mal lhe respondíamos a essa ou àquela indagação.
— Conhecíamos, sim, — informamos, respeitosos, em dado momento, — alguns aspectos
do intercâmbio espiritual; todavia, o nosso desejo era amealhar mais
amplas noções do assunto, com a simplicidade possível. Em outras ocasiões,
estudáramos ao de leve alguns fenômenos de psicografia, incorporação
e materialização, no entanto, era isso muito pouco, à face dos múltiplos
serviços que a mediunidade encerra em si mesma.
11 O anfitrião, afável, aquiesceu
em elucidar-nos.
Colaborava em diversos setores de trabalho e prodigalizar-nos-ia aquilo que considerava, com humildade, como sendo “alguns apontamentos”.
12 Para começar, convidou-nos
a ouvir um amigo que falaria sobre mediunidade a pequeno grupo de aprendizes
encarnados e desencarnados, e em cuja palavra reconhecia oportunidade
e valor.
Não nos fizemos de rogados ante a obsequiosa lembrança.
E, porque não havia tempo a perder, seguimo-lo, prestamente.
2.
Em vasto recinto do Ministério das Comunicações, fomos apresentados
ao Instrutor Albério, que se dispunha a iniciar a palestra.
2 Tomamos lugar entre
as dezenas de companheiros que o seguiam, atentos, em muda expectação.
Como tantos outros orientadores que eu conhecia, Albério assomou à tribuna, sem cerimônia, qual se nos fora simples irmão, conversando conosco em tom fraternal.
3 — Meus amigos, —
falou, com segurança, — dando continuidade aos nossos estudos anteriores,
precisamos considerar que a mente permanece na base de todos os fenômenos
mediúnicos.
4 Não ignoramos que o Universo,
a estender-se no Infinito, por milhões e milhões de sóis, é a exteriorização
do Pensamento Divino, de cuja essência partilhamos, em nossa condição
de raios conscientes da Eterna Sabedoria, dentro do limite de nossa
evolução espiritual.
5 Da superestrutura dos astros
à infra-estrutura subatômica, tudo está mergulhado na substância viva
da Mente de Deus, como os peixes e as plantas da água estão contidos
no oceano imenso.
6 Filhos do Criador, d’Ele
herdamos a faculdade de criar e desenvolver, nutrir e transformar.
7 Naturalmente circunscritos
nas dimensões conceptuais em que nos encontramos, embora na insignificância
de nossa posição comparada à glória dos Espíritos que já atingiram a
angelitude, podemos arrojar de nós a energia atuante do próprio pensamento,
estabelecendo, em torno de nossa individualidade, o ambiente psíquico
que nos é particular.
8 Cada mundo possui o campo
de tensão eletromagnética que lhe é próprio, no teor de força gravítica
em que se equilibra, e cada alma se envolve no círculo de forças vivas
que lhe transpiram do “hálito” mental, na esfera de criaturas a que
se imana, em obediência às suas necessidades de ajuste ou crescimento
para a imortalidade.
9 Cada planeta revoluciona
na órbita que lhe é assinalada pelas leis do equilíbrio, sem ultrapassar
as linhas de gravitação que lhe dizem respeito, e cada consciência evolve
no grupo espiritual a cuja movimentação se subordina.
10 Somos, pois, vastíssimo
conjunto de Inteligências, sintonizadas no mesmo padrão vibratório de
percepção, integrando um Todo, constituído de alguns bilhões de seres,
que formam por assim dizer a Humanidade Terrestre.
11 Compondo, assim, apenas
humilde família, no infinito concerto da vida cósmica, em que cada mundo
guarda somente determinada família da Humanidade Universal, conhecemos,
por enquanto, simplesmente as expressões da vida que nos fala mais de
perto, limitados ao degrau de conhecimento que já escalamos.
12 Dependendo dos
nossos semelhantes, em nossa trajetória para a vanguarda evolutiva,
à maneira dos mundos que se deslocam no Espaço, influenciados pelos
astros que os cercam, agimos e reagimos uns sobre os outros, através
da energia mental em que nos renovamos constantemente, criando, alimentando
e destruindo formas e situações, paisagens e coisas, na estruturação
dos nossos destinos.
13 Nossa mente é, dessarte,
um núcleo de forças inteligentes, gerando plasma sutil que, a exteriorizar-se
incessantemente de nós, oferece recursos de objetividade às figuras
de nossa imaginação, sob o comando de nossos próprios desígnios.
14 A ideia é um
“ser” organizado por nosso Espírito, a que o pensamento dá forma e ao
qual a vontade imprime movimento e direção.
Do conjunto de nossas ideias resulta a nossa própria existência.
3.
O orador fez pequeno intervalo que ninguém ousou interromper e prosseguiu
comentando:
2 — Segundo é fácil de concluir,
todos os seres vivos respiram na onda de psiquismo dinâmico que lhes
é peculiar, dentro das dimensões que lhes são características ou na
frequência que lhes é própria. Esse psiquismo independe dos centros
nervosos, de vez que, fluindo da mente, é ele que condiciona todos os
fenômenos da vida orgânica em si mesma.
3 Examinando, pois, os valores
anímicos como faculdades de comunicação entre os Espíritos, qualquer
que seja o Plano em que se encontrem, não podemos perder de vista o
mundo mental do agente e do recipiente, porquanto, em qualquer posição
mediúnica, a inteligência receptiva está sujeita às possibilidades e
à coloração dos pensamentos em que vive, e a inteligência emissora jaz
submetida aos limites e às interpretações dos pensamentos que é capaz
de produzir.
4 Um hotentote ( † )
desencarnado, em se comunicando com um sábio terrestre, ainda jungido
ao envoltório físico, não lhe poderá oferecer notícias outras, além
dos assuntos triviais em que se lhe desdobraram no mundo as experiências
primitivistas, e um sábio, sem o indumento carnal, entrando em relação
com o hotentote, ainda colado ao seu “habitat” africano, não conseguirá
facultar-lhe cooperação imediata, senão no trabalho embrionário em que
se lhe encravam os interesses mentais, como sejam o auxílio a um rebanho
bovino ou a cura de males do corpo denso. 5
Por isso mesmo, o hotentote não se sentiria feliz na companhia do sábio
e o sábio, a seu turno, não se demoraria com o hotentote, por falta
desse alimento quase imponderável a que podemos chamar “vibrações compensadas”.
6 É da Lei, que nossas maiores
alegrias sejam recolhidas ao contato daqueles que, em nos compreendendo,
permutam conosco valores mentais de qualidades idênticas aos nossos,
assim como as árvores oferecem maior coeficiente de produção se colocadas
entre companheiras da mesma espécie, com as quais trocam seus princípios
germinativos.
7 Em mediunidade, portanto,
não podemos olvidar o problema da sintonia.
Atraímos os Espíritos que se afinam conosco, tanto quanto somos por eles atraídos; e se é verdade que cada um de nós somente pode dar conforme recebe, é indiscutível que cada um recebe de acordo com aquilo que dá.
8 Achando-se a mente
na base de todas as manifestações mediúnicas, quaisquer que sejam os
característicos em que se expressem, é imprescindível enriquecer o pensamento,
incorporando-lhe os tesouros morais e culturais, os únicos que nos possibilitam
fixar a luz que jorra para nós das Esferas Mais Altas, através dos gênios
da sabedoria e do amor que supervisionam nossas experiências.
4.
Procederam acertadamente aqueles que compararam nosso mundo mental a
um espelho.
Refletimos as imagens que nos cercam e arremessamos na direção dos
outros as imagens que criamos.
2 E, como não podemos fugir
ao imperativo da atração, somente retrataremos a claridade e a beleza,
se instalarmos a beleza e a claridade no espelho de nossa vida íntima.
3 Os reflexos mentais, segundo
a sua natureza, favorecem-nos a estagnação ou nos impulsionam a jornada
para a frente, porque cada criatura humana vive no Céu ou no inferno
que edificou para si mesma, nas reentrâncias do coração e da consciência,
independentemente do corpo físico, porque, observando a vida em sua
essência de eternidade gloriosa, a morte vale apenas como transição
entre dois tipos da mesma experiência, no “hoje imperecível”.
4 Vemos a mediunidade em todos
os tempos e em todos os lugares da massa humana.
5 Missões santificantes e
guerras destruidoras, tarefas nobres e obsessões pérfidas, guardam origem
nos reflexos da mente individual ou coletiva, combinados com as forças
sublimadas ou degradantes dos pensamentos de que se nutrem.
Saibamos, assim, cultivar a educação, aprimorando-nos cada dia.
6 Médiuns somos todos nós,
nas linhas de atividade em que nos situamos.
A força psíquica, nesse ou naquele teor de expressão, é peculiar a todos os seres, mas não existe aperfeiçoamento mediúnico sem acrisolamento da individualidade.
7 É contraproducente intensificar
a movimentação da energia sem disciplinar-lhe os impulsos.
É perigoso possuir sem saber usar.
8 O espelho sepultado na lama
não reflete o esplendor do Sol.
O lago agitado não retrata a imagem da estrela que jaz no infinito.
9 Elevemos nosso padrão de
conhecimento pelo estudo bem conduzido e apuremos a qualidade de nossa
emoção pelo exercício constante das virtudes superiores, se nos propomos
recolher a mensagem das Grandes Almas.
10 Mediunidade não basta só
por si.
É imprescindível saber que tipo de onda mental assimilamos para conhecer da qualidade de nosso trabalho e ajuizar de nossa direção.
11 Albério prosseguiu ainda
em seus valiosos comentários e, mais tarde, passou a responder a complicadas
perguntas que lhe eram desfechadas por diversos aprendizes. Por minha
vez recolhera largo material de meditação e, em razão disso, em companhia
de Hilário, despedi-me dos instrutores com alguns monossílabos de agradecimento,
ouvindo de Áulus a promessa de reencontro para o dia seguinte.
André Luiz