1 Afirmas, coração, que tudo te falhou:
Felicidade, amor, confiança, promessa…
Rogas socorro e amparo de alma opressa
Para esquecer o fel que te agonia!…
Recordemos, no entanto, a Natureza,
Tudo espera por Deus: o céu, a vida, o solo,
Ante a luz matinal que aclama, pólo a pólo:
— Outro dia, outro dia!…
2 Calamidades surgem… Terremotos
Lançam em torvo abismo as obras do homem,
Não se enumera as glórias que consomem
Na desordem sombria!…
Passada a convulsão, a gleba se renova,
E, enquanto ouves canções de tratores e enxadas,
Dizem rosas nas sebes orvalhadas:
— Outro dia, outro dia!…
3 Pensa no campo, à noite, em tempestade,
Verga-se a planta ao furacão violento,
A galharia estala em desalento,
Mas o tronco porfia…
Garante os ninhos frágeis que agasalha
E, quando a aurora se desencastela,
Entoa a passarada a oração doce e bela:
— Outro dia, outro dia!…
4 Cai pesada barranca sobre a fonte,
Enodoa-lhe a face alegre e pura…
A fonte acolhe e abraça a lama escura
Que a deslustra e injuria,
Vence, calma, o tropeço que a constrange
E em vez de revoltar-se, agitando a corrente,
Trabalha e canta em paz, seguindo para a frente:
— Outro dia, outro dia!…
5 Assim no mundo, coração cansado,
Se a dor te busca, amargurosa e austera,
Nunca te desanimes!…
Sofre, espera, luta, serve, confia!…
E escutarás na fé que te abençoa,
Sem que a palavra humana logre formulá-la,
A eterna voz de Deus que te levanta e fala:
— Outro dia, outro dia!…
Maria Dolores
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