O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Mensagens de Inês de Castro — F. C. Xavier / Caio Ramacciotti / Inês de Castro


17

E Dom Afonso IV?

Neste ponto em que nos encontramos da triste saga medieval que me chegou às mãos, impõe-se a pergunta: e Dom Afonso IV? ( † )

Não é justo que o monarca lusitano, chamado o Bravo pelas suas enérgicas decisões e pela imponente coragem com que se destacava nos campos de batalha, seja lembrado apenas como o algoz impiedoso de Inês de Castro. ( † )

Anteriormente, já vimos o quanto lhe marcou o espírito a eliminação da companheira de seu filho. Foi para ele um profundo golpe de que não se libertaria até o fim do reinado.

No encontro com o filho, nas formalidades das Pazes de Canaveses, ( † ) vemo-lo alquebrado, envelhecido, evidenciando quanto o fizera sofrer a infausta decisão.

Não era, efetivamente, o mesmo. Seus pensamentos mergulhavam longe no tempo, recordando os terríveis dias da morte de Inês.

Era homem sujeito às disciplinas da época, aos rigores medievais, que obrigavam os soberanos — ainda distantes das futuras monarquias em que reis e nobreza se locupletavam no luxo e na ociosidade, como observamos nos séculos vindouros — a viver sem conforto, sofrendo com as intempéries numerosas que lhes reduziam drasticamente a expectativa de vida e a saúde.

Foi um desbravador, como o foram os reis das monarquias carolíngeas ( † ) e os soberanos dos períodos posteriores, como os capetos ( † ) e seus coevos da Península Ibérica, ( † ) de modo especial, os descendentes do conde D. Henrique. ( † )

Não foram santos esses monarcas. Violentos, rancorosos, sedentos de poder, lutavam muito.

É importante destacar, entretanto, que à dedicação e ao trabalho incansável desses pioneiros, muito deve a organização política e geográfica de países ocidentais, como França, Espanha e Portugal, que apresentam, nos dias atuais, o traçado territorial semelhante ao que já se entrevia nos tempos medievais.

Há quem credite a Afonso IV o descobrimento das Ilhas Canárias ( † ) com a expedição marítima de 1336, que seria vista como um marco das surtidas portuguesas além-mar.

Na ocasião do descobrimento dessas ilhas espanholas, não pôde o rei ali assentar-se pelas lutas que travava com Castela. ( † ) Mais tarde, a 12 de fevereiro de 1345, reivindicou sua posse, não concretizada, por meio de carta ao papa.

Foi assim D. Afonso IV, como D. Dinis ( † ) com os pinhais da Leiria, ( † ) autêntico precursor das glórias marítimas de Portugal, levadas ao extremo, no século seguinte, pelo infante D. Henrique, ( † ) o grande desbravador.

Como homem de seu tempo, D. Afonso IV, impelido pelas convicções rígidas que considerava indispensáveis a um rei responsável, fez o que lhe pareceu melhor.

Mas, a sua formação moral e ética, os sentimentos, os exemplos de sua santa mãe, a dor, tudo enfim corroeu a estrutura férrea de sua personalidade de Rei-Guerreiro, e finalmente, na agonia da morte, cedeu…

Amparado por sua mãe, propôs-se a apagar o passado triste que construíra.

E, nos séculos vindouros, os três, Afonso IV, Pedro e Inês, estiveram juntos sob a proteção da Rainha Santa, circulando pelas cortes da Europa ou vivendo longe da nobreza, inspirados pelos anseios de renovação.

A respeito de D. Afonso IV e em sua homenagem, reproduzimos, nas linhas seguintes, sugestivo encontro de Inês de Castro com Isabel de Aragão, ( † ) na Vida Espiritual, em que a Rainha Santa pondera sobre encarnação anterior do filho, ainda em Portugal, e sobre a última, no século passado, no Brasil.

O texto é da própria Inês:

1 Vi-me no sítio no qual a Rainha Isabel me recebeu com o mesmo carinho de vez anterior, quando falávamos sobre a reencarnação de D. Pedro e Dom Afonso IV. Depois dos votos de paz e das saudações endereçadas a mim e aos que me acompanhavam, na condição de zeladores, ela falou bondosamente:

2 — Creio que nos referíamos a Afonso em nosso encontro dos dias últimos. Na Terra, se envergamos o envoltório físico, muitas vezes nos supomos sozinhos e abandonados, quando isso jamais acontece.

3 O Espírito, inteligência imortal, não perde os vínculos com o Plano Físico e nem os laços com os entes queridos com facilidade. Uma tarefa começada, ou razoavelmente adiantada, não se interrompe de todo com a morte física.

4 Essa tarefa é revisionada ou reexaminada no Mais Além, às vezes durante muito tempo e, quando surge a oportunidade, é retomada pelo espírito que a iniciou ou que a deixou inacabada.

5 Afonso não descansou ao rever-se ao meu lado e abraçou comigo, na vida Espiritual, a obra de assistência e socorro aos filhos da raça lusitana.

6 Ainda assim, como era natural, não se desfez, de imediato, dos impulsos à violência que o caracterizavam. Enquanto aqui, em nossa companhia, entesourou valores morais de alta expressão, como sejam a beneficência com o trabalho e a coragem com a fé em Deus.

7 Mas, quando retornou reencarnado aos trabalhos da Corte Portuguesa, sobrelevaram-se nele as tendências antigas.

8 Regressou com muita autoridade nas mãos, com o objetivo de espalhar a bênção da paz no reino humano; entretanto, Portugal tomava os primeiros contatos com as raças africanas.  9 A História não registra os fatos como realmente ocorreram. As relações terrenas se baseiam no que parece, mas os apontamentos espirituais repousam naquilo que é.

10 A pretexto de proteger as necessidades que sobrecaíam nos ombros congoleses, Afonso, noutra situação, explorava os irmãos africanos indefesos, mormente no tocante às questões de família, escravizando ou doando por escravas a outros fidalgos as mulheres mais jovens, cujos filhos eram expostos à dificuldade e à provação com que não contavam, fosse no reino ou nas colônias, cuja vida começava a florescer sob o bafejo de Portugal.

11 Voltou ao Mais Além, no meu regaço, mas profundamente onerado nas dívidas contraídas…

12 A história de Afonso, nos últimos seis séculos, é uma história de imensas dores e de profundas alegrias, de muitas esperanças e de fracassos espirituais não menores.

13 A Rainha fez uma grande pausa e chorou como eu mesma ou como qualquer mulher.

14 Vendo que eu não conseguia sopitar o pranto que me caía dos olhos, considerou:

— O amor chorará sempre, mesmo quando iluminado pela fé, porque aqueles que amam querem, antes de tudo, a felicidade dos entes queridos.

15 Tenho amado meu filho Afonso na grandeza e na falência, nas vitórias e nas derrotas, nos acertos e nos erros, na humildade e na rebeldia…

— Senhora — tentei falar alguma cousa para concordar, embora as palavras me esmorecessem na garganta. Ainda assim, tartamudeei:

— Senhora, amamos os outros como eles são, sem pedir se façam como talvez desejemos que eles sejam…

16 Ela apertou minhas pobres mãos entre as dela, notando que a emoção não me permitia continuar e prosseguiu:

— Antes do retorno à vida física, na presente reencarnação, meu filho muito me comoveu.

17 Ele pediu, em preces reiteradas a Jesus, para que lhe fosse concedida uma existência em que a fortuna material não o favorecesse e nem a cultura intelectual o laureasse com essa ou aquela titulação.

18 Mas rogou que não o deixasse sem apoio dos espíritos afins, para que ele não sofresse demasiado pela carência de amor, já que, chegado à madureza física, desejava consagrar-se à divulgação dos princípios libertadores do Cristianismo Redivivo.

19 Compreendi que ele aspirava a desfazer-se da impulsividade menos construtiva, que algumas vezes o impulsionou a compromissos de certa gravidade…

20 Atualmente, em plena luta terrestre, Afonso suporta duros combates na vida interior. Estimaria pedir para ele apoio e compreensão…

21 Sabe você que nossos Planos de vida se intercambiam… Os amigos de lá, da Terra materializada, solicitam certas medidas aqui, relativamente a providências que supõem necessárias, e nós de cá pedimos auxílio em apoio dos que mais amamos e que lá se encontram…

 22 — Senhora, quanto a mim, posso tão pouco… — disse eu apreensiva.

— Trabalharemos em conjunto, explicou a excelsa benfeitora. Quanto possas fazer e quanto possas transmitir a Pedro essas noticias para que ele indiretamente nos auxilie, sei que o farás…

 23 Mas uma onda de forças me turvou a mente. Não sei se a complexidade dos assuntos me alarmava, se minha fraqueza vergava ao peso das emoções daquela hora…

 24 Sei que me perdi num fenômeno de repentina amnésia, mas logo voltei às sublimes realidades que me competia sustentar…

Inês de Castro

Caio Ramacciotti


Texto extraído da 35ª edição desse livro, revisto e ampliado pelo autor.

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