O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Mensagens de Inês de Castro — F. C. Xavier / Caio Ramacciotti / Inês de Castro


13

Inês, Constança e Pedro

Como o leitor provavelmente já observou, eram comuns, nas famílias reais e entre os nobres, a repetição de nomes e os vínculos de parentesco.

Inês, ( † ) Constança ( † ) e Pedro, ( † ) personagens chave do nosso enredo afetivo, por serem descendentes de D. Fernando III, ( † ) o Santo, rei de Castela, eram primos.

Inês, pelo seu pai, Pedro Fernandes de Castro; ( † ) Constança, também pelo pai, João Manoel; ( † ) e Pedro, pela ascendência da mãe, a rainha D. Beatriz de Portugal, ( † ) e pelo lado paterno, pois era bisneto de Beatriz de Guillen, ( † ) mãe de D. Dinis. ( † )

(Ver árvore genealógica, página 301)




Inês de Castro


Nasceu na Galiza, ( † ) ao norte de Portugal, em Monforte de Lemos, ( † ) província de Lugo, em 1325.

Inicio as referências a Inês com as palavras inspiradas da escritora espanhola:

Inês nasceu em terras galegas, lá onde a névoa confunde os contornos das coisas, o verde transforma os prados em esmeraldas e o rumor contínuo da chuva converte a inquietude em suave melancolia.

Do mar ali próximo aproveitou o azul dos olhos, dos morros arredondados, que rodeavam as suas terras, a harmonia da figura e dos cuidados, que auspiciaram o seu nascimento, um certo magnetismo a que não escapava ninguém que a contemplasse.

Criada como foi em Castela, dos trigais dourados recebeu a cor da abundante cabeleira e, da desolação da paisagem, uma certa austeridade de maneiras que a tornavam, se assim se pode dizer, ainda mais sedutora… (Maria Pilar Queralt Del Hierro) ( † )

A Galiza, região que usufruíra de autonomia relativa com relação ao reino de Leão, ( † ) chegando mesmo à condição de um reinado precário, de curta duração, nos tempos remotos da emancipação do Condado Portucalense, ( † ) já havia sido, com Leão, incorporada a Castela ( † ) à época do nascimento de Inês.

Era filha bastarda do influente Pedro Fernandes de Castro, ( † ) importante par na corte castelã, e da dama portuguesa Aldonça Soares de Valadares. ( † )

O pai retirou-a muito cedo do convívio materno, entregando-a aos cuidados da tia Tereza no Solar dos Albuquerques, em Castela, como lembra Inês na mensagem espiritual ditada ao Chico e que colocamos no próximo capítulo.

Era desejo de Pedro Fernandes de Castro dar às filhas requintada educação; assim, separou Inês da mãe para grande desgosto de D. Aldonça, que não resistiu à sua ausência.

Educada por professores galegos e portugueses desde quando foi morar com a tia, preparou-se para os desafios da época, sedimentando notável cultura.

Parece ter complementado sua formação em Peñafiel, ( † ) também no reino de Castela, na casa do nobre João Manoel ( † ) e da filha Constança, ( † ) de quem seria mais tarde dama de companhia, quando de sua viagem a Portugal para as núpcias com D. Pedro. ( † )

João Manoel, de quem ainda falaremos, era respeitado intelectual da Península Ibérica.

Além de seu preparo, tinha Inês a bondade que a fazia conviver com todos os segmentos da estrutura social de sua época, deixando, indistintamente, o luminoso exemplo de sua alma formosa, madura e dedicada.

Engana-se profundamente quem procura diferenciar os filhos bastardos, como era Inês, dos legítimos, pela métrica da cultura e pelos predicados que lhes definem o caráter.

Em que podemos, por exemplo, diferenciar os dois filhos de Afonso Onzeno ( † ) de Castela, Pedro, ( † ) o legítimo, de seu consórcio com Maria de Portugal, ( † ) a filha de Afonso IV, ( † ) e Henrique de Trastâmara, ( † ) o ilegítimo, nascido de Leonor de Gusmão? ( † )

Ambos foram reis, e entendo que, na análise de seus governos, o fiel da balança se desloca a favor de Henrique, não obstante os odiosos excessos que cometeu contra os judeus.

Em Inês de Castro vemos a bela galega, que, trazendo consigo o sangue nobre mesclado ao do povo, soube sublimar as virtudes e experiências de ambas as classes sociais, mercê de sua elevada condição espiritual.

Inês chegou a Portugal em 1340, como dama de companhia de D. Constança Manoel, ( † ) cujo casamento com D. Pedro fora acertado com Afonso Onzeno, rei de Castela, seu ex-esposo, que a desprezara.

Destacavam-se em Inês seus dotes espirituais.

De rara beleza, segundo os unânimes relatos, com os penetrantes e suaves olhos glaucos e os longos cabelos louros caindo-lhe pelo colo de alabastro, desde sua chegada a Portugal, acompanhando Constança Manoel, cativava a todos pela gentileza e simplicidade.

Buscou de todas as formas represar as ânsias do amor por D. Pedro, considerando mesmo a hipótese de ingressar no Convento de Santa Clara. ( † )

Respeitou-lhe o casamento e somente teria cedido às investidas afetivas do infante quando da morte da infortunada esposa, em decorrência do parto de Fernando.

Viúvo, o infante vai buscá-la em seu exílio, decretado por Afonso IV, no Castelo dos Albuquerques.

As cartas espirituais que se sucedem no desdobrar do livro, as manifestações de carinho e respeito que Isabel de Aragão ( † ) lhe dedicava, e o perdão irrestrito ao rei Afonso IV, ( † ) inspirando Pedro a fazê-lo também, levam-nos a compreender que Inês possivelmente passou pelo acerbo sofrimento da manhã de 7 de janeiro de 1355, não por resgate reencarnatório, mas sim pela sua vocação missionária.

Missão de renúncia e dor que iluminaria os novos caminhos a serem trilhados pela nação portuguesa e, de modo especial, pelos Espíritos endividados de Pedro e seu pai, certamente a Inês ligados por fortes vínculos do passado.

O historiador F. Dinis, ( † ) em seu estudo sobre Portugal, a ela se refere com singular respeito, assim descrevendo-a em linguagem que adaptamos aos nossos dias:

O que nela mais fascinava era o esplendor suave e sereno da própria gentileza. A formosura de Inês era uma destas formosuras suaves que involuntariamente inspiram amor.

A gentileza de Inês de Castro era como que o reflexo de sua alma cândida; os seus contemporâneos denominaram-na colo de garça, tão airosas eram as ondulações do seu pescoço gentil, sustentando a formosa cabeça moldurada profusamente de tranças loiras.

Mas o que tinha principalmente, o que nela mais cativava, era o indefinível encanto, o feitiço etéreo, como que intangível, que os franceses chamam graça, mais bela ainda que a beleza.

Com sua aguda visão feminina, também a escritora espanhola Maria Pilar ( † ) trata da beleza de Inês de Castro, apresentando-a com singular inspiração:

Alta, esbelta e ágil de movimentos, Inês possuía um frescor especial que não necessitava de artifícios. Conservava os caracóis dourados de seus tempos de criança e evitava os toucados que os pudessem esconder.

Perspicaz, costumava vestir-se de tons de azul, sabendo que essa cor fazia ressaltar as profundidades dos olhos esverdeados.

No poema de Inês, endereçado a Pedro, pelas mãos de Francisco Cândido Xavier, que apresentamos a seguir, podemos aquilatar-lhe a fascinante criatividade, a sensibilidade e o preparo intelectual, sublimados no correr dos séculos, após sua vivência medieval:


 

Um dia


1 Um dia
No Castelo de Lemos,
Onde fora nascida,
Por símbolos que nós desconhecemos,
Tive, quando em criança,
Um sonho que, até hoje, a memória me alcança,
Por ser dos mais estranhos.


2 Eu não era pessoa nesse sonho,
Via-me como sendo uma enorme planície
Entre filas de montes…
Faixa extensa de Terra sinuosa…


3 Ah! Nunca conseguiria levantar-me
Para fitar campinas e horizontes.
Entretanto,
Do baixo nível em que estava,
Via e ouvia homens da montanha
Que falavam tramando intriga e guerra
E muitos me apontavam exclamando,
Em clamoroso alarme:


4 — Aquela Terra
Tão baixa e tão estranha
Tem pedras preciosas
Sob os montes de areia, lodo e lama
Que as chuvas lhe acarretam…


5 Em qualquer discussão
Um deles mais ousado
Dizia claramente sem razão:
— Aquela terra é minha,
É um charco muito grande e inexplorado
Das glebas que comprei…


6 Tudo ouvia em silêncio, mas com medo,
Porque guardava em mim um divino segredo:
O Gênio Celestial que me fizera,
Tendo vindo ao terrestre, sorvedouro,
Tinha guardado em mim seu imenso tesouro…


7 Sendo eu criação dele somente,
Escondera, na lama que eu trazia,
Imensidades de pepitas de ouro,
Brilhantes de beleza singular,
Esmeraldas em 1uz de formação sem par,
Ametistas, opalas e rubis.


8 Tantas riquezas juntas…
Para vê-las
Só se alguém manejasse
Notando a realidade, face a face,
Grandes lentes de flores e de estrelas…


9 Mas escutando, quase dia a dia,
Homens gritando na montanha.
— Ninguém pise essa terra que ela é minha…
E outro a dizer com terrível dureza:
— É antigo pantanal da fazenda que eu tinha…


10 Então pedi a Deus que me enviasse
O Gênio Criador que me fizera…
E esse Gênio Celeste, que é meu dono,
Por eterna escritura,
Desceu da imensa altura
Num carro todo em luz que parecia
Uma visão de paz e alegria
De imortal primavera…


11 Entretanto, ao tocar no chão escuro e frio,
O Gênio Celestial transformou-se num rio
Que me cobriu toda a extensão
E me guardou de todo…
Não fez caso da lama, nem do lodo
Que aguaceiros me impunham
Nas ocorrências da erosão.


12 O rio me tomara simplesmente
Como sendo o seu próprio coração.
E ninguém mais me viu e ninguém mais falou
Em servir-se e tomar
O tesouro sem fim que me cabe guardar.


13 Homens viram apenas
O rio que até hoje ainda se expande,
Caudaloso, perfeito, belo e grande,
Levantando o progresso e alimentando vidas.
Mas tão somente ele, o rio,
Sabe onde está, pode ver, guardar, e mais ninguém,
O tesouro que fez e o mundo que ele tem,
Nessas riquezas escondidas.


14 O rio sabe a fundo
Que e1e veio cobrir, defender e buscar
O próprio coração que deixara no mundo
Para seguir com ele a caminho do Mar…


15 Depois disso acordei de alma encantada
E cantei de alegria, ante a manhã dourada,
Imitando a cigarra em pleno estio,
Ansiando sonhar outra vez e outra vez:
— Bendito seja Deus que fez o rio,
Bendito seja o rio que me fez.


Inês de Castro




Constança Manoel


Com a união definida pelas cortes, e não pelos noivos, vemos assim Constança Manoel ( † ) em Lisboa.

Afonso Onzeno ( † ) acertou o matrimônio com Afonso IV, ( † ) pelas razões que caminhavam usualmente, naqueles tempos, ao largo da afeição.

O principal motivo para o soberano castelão era agradar, como veremos a seguir, o nobre João Manoel, ( † ) pai da infeliz dama e figura ainda importante na corte. E por quê?

Era Afonso Onzeno filho herdeiro de Fernando IV ( † ) de Castela e da rainha também chamada Constança, ( † ) dama portuguesa, irmã de D. Afonso IV, rei de Portugal.

A morte prematura de Fernando IV precipitou-lhe a sucessão, sendo o príncipe herdeiro, Afonso Onzeno, ainda criança.

Um de seus regentes foi João Manoel, dos mais prestigiosos fidalgos de Castela, contudo sua regência foi interrompida por Afonso Onzeno, que, ao completar 15 anos, assumiu o poder, expulsando-o da casa real.

O tão temido e respeitado Senhor de Peñafiel, em represália, buscou depô-lo pela força das armas.

O rei adolescente, sem estrutura militar, com pouca retaguarda da nobreza, vendo-se prestes a perder a coroa, convocou o ex-regente, propondo-lhe um acordo do qual resultou o casamento do jovem monarca com sua filha, que se tornaria assim rainha de Castela.

Afonso Onzeno, todavia, não cumpriu o prometido, repudiando a jovem, que ainda não havia chegado à adolescência, conservando-a prisioneira por muitos anos na cidade de Toro ( † ) usando-a como refém contra qualquer investida do pai. E não parou por aí.

Perdurando a situação incômoda, que magoava o poderoso João Manoel, para agradá-lo e também para aproximar-se mais de Portugal, Afonso Onzeno contratou com Afonso IV o casamento entre sua ex-esposa Constança Manoel e Pedro, ( † ) o príncipe herdeiro.

O acordo matrimonial, aliás, fora articulado pelo próprio João Manoel, que, desgostoso com a situação da filha, propôs o seu enlace com Pedro a Afonso IV. O rei anuiu.

Afinal, pensou Afonso IV, poderia romper a união de Pedro com a infeliz enferma, Branca de Castela, ( † ) e oferecer ao filho um promissor enlace, dada a grande relevância de João Manoel no cenário político da Península. Além disso, Constança era culta e preparada para as responsabilidades que competiam a uma rainha.

Assim, Constança voltaria a ser soberana, agora de Portugal, quando Pedro assumisse o trono. Quis, contudo, o destino que, mais uma vez, a jovem não fosse coroada.

Afonso Onzeno demorou a permitir a ida de Constança a Portugal, conservando-a qual presa útil aos seus projetos com relação a João Manoel. Somente o fez após D. Afonso IV, para resgatá-la, declarar guerra a Castela em 1336 e, ainda assim, depois de quase quatro anos de conflitos.

Mesmo com a guerra em andamento, a verdadeira razão da liberação de Constança foi, acima dos embates com Portugal, a premência em obter o apoio de Afonso IV às duras batalhas que Onzeno mantinha, então, com os muçulmanos de Granada, aliados ao rei do Marrocos.

Após uma década de sofrimentos impostos pelo rei castelão, enfim, chega Constança a Portugal, em 1340, para celebrar as cerimônias de casamento na Sé de Lisboa. ( † )

Seu coração seria, porém, novamente golpeado, como já o fora em Castela, pelas temíveis razões de Estado que nos levam a vê-los juntos, Pedro e Constança, conhecendo-se na catedral…

Ela, que já passara por grande humilhação na corte de Afonso Onzeno, enfrentaria outros dissabores em Portugal.

Como podemos constatar, assim eram as uniões entre os jovens príncipes da época. O que se poderia esperar delas quando sua perpetuação dependia mais de fatores políticos, ambições e conveniências do que propriamente de afeição?

Constança, ao perceber a ligação de Pedro com sua dama de companhia, Inês, ( † ) portou-se dignamente: calou-se diante da realidade.

Tentou, é verdade, convidando-a para madrinha do primeiro filho, dificultar-lhe a aproximação com Pedro, pois tratava-se de vínculo que a Igreja considerava fator de impedimento às uniões conjugais.
Não teve êxito.

Esposa exemplar, sofreu no silêncio da sabedoria e da renúncia durante os cinco anos em que permaneceram juntos.




Pedro


D. Pedro I ( † ) nasceu em Coimbra, a oito de abril de 1320. Como todos os reis afonsinos, era descendente do Conde D. Henrique, ( † ) francês da família de Borgonha, que semeou reis e nobres ao longo dos séculos pela Europa Ocidental.

Filho de D. Afonso IV e Beatriz de Castela, ( † ) era, por falecimento dos irmãos mais velhos, o primogênito homem e, portanto, herdeiro da coroa.

Já aos oito anos, em função dos acertos palacianos, recebeu em casamento uma criança de sete, Branca de Castela, ( † ) cujo desequilíbrio mental levou à dissolução do compromisso.

Sua estirpe era notável: filho de um grande rei, Afonso IV, ( † ) o Rei-Guerreiro, e neto de D. Dinis, ( † ) o Rei-Poeta. Conviveu Pedro com a avó Isabel de Aragão ( † ) até os 16 anos, recolhendo à Rainha Santa ensinamentos e exemplos que muito o ajudaram na triste sina que o acompanhou após o martírio de Inês de Castro, ocorrido por razões políticas, que, uma a uma, o tempo fez desacreditar.

Para tanta dor, se houve motivos cármicos, certamente imperscrutáveis, estavam eles no passado, em existências anteriores.

O calvário por que passaram permitiu a Inês, ao longo do tempo, alçar voos espirituais elevados sob a proteção da Rainha Santa.

Todavia, Pedro continuou preso às amarras da Terra ainda pelos séculos vindouros, caminhando, na ótica espiritual, bem mais lentamente que Inês.

A chegada de D. Constança ( † ) para as cerimônias de casamento na Sé de Lisboa ( † ) trouxe oculta toda a tragédia que eclodiu em pouco tempo. Olhares furtivos entre Pedro e Inês já na catedral, posteriores contatos e a cruel realidade, que não fugiu aos olhos da nobre castelã, desdobraram-se nos fatos que nem a férrea autoridade real conseguiu deter.

Os esforços da corte para afastar Pedro de Inês foram infrutíferos.

Chegou Afonso IV a degredá-la no Solar dos Albuquerques, em Castela, apesar das amargas lembranças que o local trazia, porquanto o imponente castelo fora habitado por seu irmão bastardo, Afonso Sanches, ( † ) com quem sempre tivera sérias desavenças.

Ali ainda residia a viúva de Afonso Sanches — naturalmente hostil a Afonso IV — a tia de Inês de Castro, D. Tereza Albuquerque, que passou a cuidar da jovem durante o exílio, a despeito do qual se sucediam os contatos entre Pedro e Inês.

Em novembro de 1345, D. Constança foi liberada de seus sofrimentos morais pelas leis divinas. Faleceu em decorrência do parto de Fernando, ( † ) que viria a ser o sucessor do pai, na sequência da dinastia afonsina da qual foi o último rei.

A infeliz senhora, que sofrera em Castela o desprezo do rei Afonso Onzeno ( † ) — esperançosa de reviver a paz e aplacar os ímpetos do coração em Portugal — também aí não foi afortunada, desde o momento em que transpôs a soleira da Catedral de Lisboa…

Pedro e Constança tiveram três filhos: Luís, que pouco durou, Maria e Fernando.

Com o falecimento da esposa, Pedro vai buscar Inês de Castro no Solar dos Albuquerques à revelia paterna, trazendo-a para o seu convívio direto nas proximidades de Peniche, ( † ) ali usufruindo o casal os saudosos bons tempos em que nasceram os filhos e que foram os raros momentos felizes de sua atribulada união.

A eles não estava destinada a felicidade na Terra.

Posteriormente, fixam-se em Coimbra, ( † ) onde nos encontramos no início deste livro.

Da união de Pedro e Inês nasceram quatro filhos, sobre os quais teceremos rápidas considerações a seguir.

A morte da mãe em 1355, quando eram ainda muito crianças, e a do pai em 1367, no momento em que João, ( † ) o mais velho, mal saía da adolescência, trouxeram pesadas dificuldades para os filhos de Inês e Pedro, sacudidos na infância pela tragédia que lhes destruiu o lar.

João e Dinis ( † ) tiveram vida muito atribulada, eivada de sofrimentos e incertezas, dando continuidade à triste saga vivida pelos pais.

Beatriz, ( † ) somente quando passou a viver em Castela, deixando a querida Quinta dos Canidelos, ( † ) de tão afetuosas recordações, pôde atenuar as angústias que acompanharam os irmãos até o fim de seus dias.

Falemos um pouco deles:
— Afonso (1349), que morre no mesmo ano.
— João ( † ) (1350), que Inês, em suas cartas mediúnicas, insiste em chamar João Álvaro.

Teria, segundo alguns textos, presenciado a decapitação da mãe, ainda na primeira infância, agarrado à aia. António Cândido Franco, em candente descrição, lembra o desespero do filho mais velho de Inês:

Pobre criança, que viste, aos sete anos, a tua mãe assassinada no chão, num charco de sangue, a cara decomposta e os olhos brancos (…)

Tornou-se muito popular durante o reinado de Fernando I, ( † ) credenciando-se como possível sucessor do trono, pois, como sabemos, o monarca faleceu sem herdeiro varão, e a rigorosa interpretação da lei sálica ( † ) poderia dificultar a ascensão de sua herdeira, Beatriz.

O prestígio e as nobres virtudes de João não agradavam a Leonor Teles, ( † ) que, vendo-o casado com a irmã, Maria, passou a considera-lo com mais reservas. Temia que a própria irmã se tornasse rainha com a morte de Fernando, dificultando-lhe a presença na corte.

Fala-se também que Leonor tentara cooptá-lo, oferecendo-lhe a mão da filha, Beatriz, ( † ) herdeira do trono português, com a condição do rompimento de seus liames com Maria Teles.

Tese provável, pois, João, o filho mais velho de Pedro e Inês, infante também pela oficialização da união entre os pais na Declaração de Cantanhede, ( † ) reiterada em Coimbra, em 1360, poderia como rei consorte dar estabilidade à sucessão de D. Fernando.

Com tal objetivo, Leonor teria articulado para que o infante se separasse de Maria Teles, forjando encontro da irmã com um nobre conhecido, o que a incriminaria por grave ato de traição.

Os acontecimentos fugiram ao controle, pois, ao vê-los juntos, João desferiu golpe de espada contra o suposto amante da esposa, que se jogou entre os dois, sendo ferida de morte.

O infortúnio inviabilizou as pretensões do infante ao trono. Surpreendeu o rei e Leonor Teles, que acreditava na simples anulação do casamento, sem a perda da irmã.

Desesperado, sem a companheira, viu-se João constrangido a emigrar para Castela, onde veio a casar-se com Constança, ( † ) filha bastarda do rei Henrique II, ( † ) cujo filho e sucessor, também de nome João, ( † ) mais tarde o prenderia, por razões políticas, isolando, assim, da sucessão portuguesa o mais forte candidato pelos títulos que possuía.

João teria falecido na prisão de Salamanca ou, segundo outras fontes, permanecido ali detido apenas durante a revolução de 1383-1385, ( † ) que suprimiu a regência de Leonor Teles.

Terminaria os seus amargos dias orando e jejuando, ante tantos sofrimentos que lhe marcaram a vida, bem como a dos irmãos, Beatriz e Dinis, depois da morte da saudosa mãe.

No período de transição de dois anos, de 1383 a 1385, entre a morte de D. Fernando e a ascensão do novo rei, as forças nacionalistas portuguesas, em confronto com Leonor Teles e o rei de Castela, apoiaram o outro João, ( † ) o Mestre de Avis, também filho de D. Pedro, nascido de Tereza Lourenço ( † ) dois anos após a morte de Inês.

Aliás, é oportuno mencionar que a respeito dos filhos de nome João, um, nascido de sua união com Inês de Castro, e o outro, o bastardo que sucedeu a D. Fernando, há uma vivência espiritual de Pedro muito interessante:

Em conversa com os amigos mais próximos, dizia o soberano haver sonhado que um de seus filhos de nome João seria rei. O curioso do fato é que ambos os filhos de mesmo nome não eram, dentro da sequência normal da transmissão do poder, detentores de direitos sucessórios segundo os cânones da época.

O sonho se realizaria mais tarde, em decorrência do período turbulento que se seguiu à morte de Fernando, com a ascensão ao trono de um deles, o seu filho bastardo. Tivera D. Pedro, a esse respeito, clara premonição.


— Dinis (1351), ( † ) que se refugiou em Castela devido a singular ocorrência, descrita por Joaquim Ferreira em seu tratado sobre Portugal, e que passamos a relatar:

Os filhos de Inês de Castro frequentavam a corte de D. Fernando. ( † )

Ao casamento do rei com Leonor seguiu-se a cerimônia do beija-mão da rainha.

O infante D. Dinis, segundo filho de Inês, recusou-se a fazê-lo, dizendo que ela, sim, deveria beijar-lhe a mão. Fernando, puxando da adaga, avançou sobre Dinis, sendo contido a tempo.

O infante, ante a nova realidade, radicou-se em Castela.

Sua vida foi muito atribulada: buscou retornar mais tarde a Portugal, não sendo bem recebido pelo então soberano, seu meio-irmão, o Mestre de Avis, ( † ) que, para afastá-lo da Corte, enviou-o à Inglaterra em missão diplomática. Aí detido, conseguiu a fuga para Castela.

Casou-se, como o irmão, com uma filha bastarda de Henrique II, de nome Joana. ( † )

— Beatriz (1353), ( † ) ligada à corte de seu outro meio-irmão, D. Fernando. Era dele muito próxima. Bela, exuberante, preparada, suas relações com Leonor Teles ( † ) foram complicadas.

Fator certamente preponderante da animosidade entre ambas foi o fato da mãe, Inês, não ter sido rainha, em vida, pela sua violenta morte, com Beatriz e os irmãos ainda muito pequenos. Dos filhos de Inês de Castro, foi a que mais usufruiu a Quinta de Canidelo, ( † ) próxima da cidade do Porto.

Sem ambiente na Corte, por desentendimentos com a rainha, migrou para Castela, casando-se, em 1377, com D. Sancho, ( † ) o Conde de Albuquerque, irmão do rei Henrique II.

Ali viveu até o fim de seus dias, e deixou filhos e descendentes ilustres. Sua neta, Leonor de Aragão, ( † ) foi esposa do rei D. Duarte ( † ) de Portugal, filho e sucessor do Mestre de Avis. Muito próxima dos irmãos, teria usado sua influência de cunhada do rei para obter-lhes casamento com duas de suas filhas.


O período correspondente à morte de Constança Manoel, ( † ) ao exílio de Inês de Castro ( † ) e ao estreitamento de sua convivência com Pedro, ( † ) de que falamos neste capítulo, é testemunhado pela mensagem de Inês, transmitida pelo Chico.

São palavras candentes de quem participou daqueles difíceis momentos:

1 Amado rei e senhor meu, digne-se Nosso Pai de Infinita Bondade abençoar-vos e engrandecer-vos sempre.

2 Tão grande é a similitude das situações desta vossa servidora, que, um dia, desejastes arrancar ao anonimato e à bastardia, para compartilhar a vossa real presença, entre o passado e o presente, que vos peço perdão se recordo a ocasião em que me destacastes em vosso afeto.

3 Desfrutáveis a liberdade para algo dizer-me de vosso amor, entretanto de que modo conseguiria expressar-vos a imensa ternura que me inspiráveis, em minha condição de fraca mulher chamada a servir em vossa real moradia?

4 Sabeis que caí sob o domínio da febre maligna quando me dissestes, pela primeira vez, que eu estava em vossa alma, que me debati entre a vida e a morte, chamando-vos para junto de mim… de tudo isso sabeis.

5 Protegestes a minha convalescença, restituindo-me a saúde, mas, quando voltastes a me falar de vosso amor, no Paço de Lisboa, porque eu chorasse, incapaz de responder, afirmastes magoado:

— Já sei. Amais a outro e não a mim.

— Isto nunca aconteceu, respondi entre lágrimas.

— Então, por que a recusa?

6 Ante a vossa indagação, esclareci que era minha intenção professar na Ordem de Santa Clara, que, decerto, bastarda como eu era, não poderia, de minha parte, fazer a felicidade de ninguém.

7 Fixastes-me com imensa tristeza e acrescentastes:

— Compreendo, Inês… Sei que não me quereis diante da minha dificuldade de expressar-me… Creio que não sei falar quanto vos amo… Em família e na Corte, todos me acreditam calado, impenetrável… Certamente, qual ocorre aos outros, tendes medo de mim…

8 — Quem vos disse tamanha inverdade?
Apenas compreendo a distância que nos separa. Deus sabe quanto vos admiro e respeito…

— Só isso? — Acentuastes em tom amargo.
— Inês, eu sofro muito…

9 Incapaz de sopitar os sentimentos que me turbilhonavam no coração, expliquei francamente:

— Eu vos amo com todas as forças de minh’alma, eu vos amo desvairadamente, senhor! Acaso não vedes que as minhas lágrimas falam mais que as palavras?

10 — Então, salvai-me deste sofrimento — dissestes.

— E quem me salvará, senhor? — Repliquei no pranto convulsivo em que me desfiz totalmente.

11 — Eu vos salvarei — respondestes. — Então, no aposento isolado, me tomastes nos braços fortes, como querendo guardar a minha fragilidade na fortaleza de vosso peito leal e magnânimo e me beijastes tão profundamente e tantas vezes, qual se quisésseis marcar-me com o vosso amor para sempre.

12 Desde esse instante, confirmei a mim mesma que eu nascera propriamente vossa. Para mim não importavam mais o sofrimento ou a morte. Sentia-me vossa, sem condições. Qualquer argumento do mundo contra semelhante verdade teria a força de minúsculo galho de arvoredo que se propusesse a sustar a correnteza de um grande rio.

13 Entreguei-vos, amado soberano, o que eu chamava como sendo minha vida, como já vos pertenciam o meu coração com todos os meus pensamentos.

14 Isso acontecia em mim, não porque fôsseis o príncipe e futuro rei, porque, se estivésseis na estamenha de um carvoeiro, seria vossa propriedade sem qualquer condição.

15 Sabeis que a intriga palaciana, a injúria dos conselheiros, a perseguição das autoridades do reino e as tramas dos áulicos sem piedade conseguiram deslocar-me de vossos braços e me fizeram marchar para o exílio.
Sabeis quanto nos doeu a separação.

 16 Não era a terra florida e acolhedora do vosso País que eu deixava, com o banimento a que me votaram, mas sim deixava a própria vida em vossas mãos.  17 O que foram aqueles tempos de saudade e de dor que somente as vossas letras amenizavam, sabe-o Deus.

 18 A morte da Rainha Dona Constança Manoel, que todos lamentamos de coração, logo após o nascimento de vosso filho, o rei Dom Fernando, induziu-nos a renovar as nossas vivências.

 19 As emoções de nossa viagem recente me trouxeram à memória as resoluções que adotastes.

20 Chegastes ao Solar dos Albuquerques, em que meu exílio se fixara, e decidistes trazer-me de qualquer modo.

21 Não havia como alterar-vos as decisões e, embora soubesse, com os parentes e amigos, que a minha volta ao vosso País desafiaria a autoridade de vosso amado pai, o amor foi mais forte que o receio, e acompanhei-vos sem titubear.

22 Instalastes-me em vossa companhia no Paço Real da Serra de El-Rei, nas vizinhanças de Peniche, após laboriosa viagem em que tudo fizestes para me evitar as preocupações.

23 Nesse ninho erguido entre o verde e as flores da região, nasceu-nos o primeiro filho, a quem chamastes Dom Afonso, em 1349, e palavras humanas não descreveriam o júbilo e a esperança de que nos sentíamos tomados, ante aquela vida abençoada que desabrochava das nossas.

24 Dom Afonso, porém, pareceu-nos uma flor por demais sensível ao clima espiritual dos conflitos que se multiplicavam em derredor de nós e voltou para os Céus, deixando-nos imensa dor.

25 Perseguidos de novo por intrigas que vos vinham às mãos de vários pontos, estivesse a Corte em Lisboa ou em Évora, em Santarém ou em Coimbra, a vossa real benemerência conduziu-me em nova viagem, para as cercanias de Bragança, de onde poderíamos, a qualquer momento, retomar o caminho para a Galiza… Nossa felicidade nunca se alterou.

26 Nosso segundo filho, Dom João Álvaro, veio ao mundo enlaçar-nos ainda mais… E depois os outros dois, D. Dinis e D. Beatriz.

27 Perdoai-me se vos falo tanto em saudade, mas crede, amado soberano, que sois, hoje como ontem, agora como sempre, a minha própria vida e a minha luz.

28 Deus vos guarde e abençoe com todos os corações que se fizeram estrelas de nosso amor.

Inês de Castro

Caio Ramacciotti


Texto extraído da 35ª edição desse livro, revisto e ampliado pelo autor.

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