1 Sala de sanatório. Ampla secretaria.
A jovem funcionária de plantão
Ouve dois cavalheiros da chefia,
Diretores da casa,
Ambos em franca zombaria,
De verbo destilando espinho, lama e brasa,
Criticando uma atriz,
Notada pelos dois de maneira infeliz;
Uma atriz que atuava em peça fescenina,
Mulher quase menina
Que haviam ido ver na noite precedente.
Nisso, entra na sala
Uma pálida moça,
Pobremente vestida,
Revelando no todo a existência sofrida…
2 A todos cumprimenta gentilmente.
Em seguida,
Procura ouvir a funcionária em frente
E pergunta:
— Como passa meu pai na cela de internado?
Responde a outra, lado a lado:
— Vai melhor mas precisa de cuidado…
A recém-vinda exalta a gratidão,
Demonstra o amor filial que traz no coração
E erguendo a velha bolsa agora,
Continua dizendo:
— Vim pedir à senhora
A conta deste mês…
A outra estuda as notas que se fez,
Investiga papéis, extrai assentos
E diz, após somar frações e números inteiros:
— O preço, no total, é nove mil cruzeiros.
A menina abre a bolsa,
Preenche um cheque, decisiva e pronta,
E imediatamente paga a conta.
3 Os chefes aproximam-se mostrando,
Apreço, cortesia e, por sinal,
Eis que um deles indaga:
Senhorita,
Seu pai, há muito tempo é um doente mental?
— Há seis anos, senhor, vivo eu em ação
Para trazê-lo à recuperação.
Aproveitando a pausa, o outro diretor
Comentou sem piedade:
— A mulher alterou-se, minha filha,
E a demência alcançou a Humanidade.
Inda agora, falávamos aqui
De uma peça que eu vi
No teatro que temos nesta rua…
Chama-se a peça: “A Nova Maravilha”,
Onde uma jovem quase nua,
Mais animal que um ser humano,
A contorcer-se num bailado insano,
Cria tantos convites indecentes
Que, a meu ver,
Põe louco qualquer homem neste mundo…
Seu pai decerto viu alguma cousa destas.
Os homens, hoje em dia,
Na mais simples das festas,
Acham loucas assim
E adoecem, por fim,
Neuróticos, cansados, infelizes,
Principalmente olhando essas atrizes.
Essa atriz que vi ontem,
Aplaudida por loucas e marmanjos,
Age em cena
De modo a enlouquecer os próprios anjos,
E ninguém a demite, nem condena…
4 Porque a menina generosa e humilde
Ali se enternecesse e emocionasse,
Entremostrando lágrimas na face,
O severo censor fez pausa e perguntou:
— Acaso a senhorita
Chegou a ver a peça?
E terá, porventura, aplaudido uma loucura dessa?
5 Mas a jovem tristonha replicou:
— Senhor,
Não menospreze tanto a minha dor!
Trabalho no teatro honestamente
Para manter aqui meu pai velho e doente…
E em choro convulsivo, esclareceu:
— Essa atriz de que fala… Essa jovem sou eu…
Maria Dolores
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