1 Parei, fitando um acervo de sucata
Que iria arder em fogo breve,
Por um fósforo leve,
Cuja chama pequena incendeia e consome,
Qualquer montão de peças estragadas,
Mesmo aquelas que trazem doces nomes
De pessoas amadas…
2 Dentre as centenas de objetos,
Vasos, portões e móveis incompletos,
Cuja destruição era o destino,
Encontrei um violino
Que mais me parecia
Uma relíquia em agonia
No resto de instrumento que ele fora…
3 De onde procederia
— Perguntei a mim mesma, altamente intrigada —
Aquela peça desprezada?
Sob que mão renovadora
Teria sido, um dia,
Perfeitamente manejada?
4 Então, aquele traste,
Em rude desconforto,
Falou-me ao coração:
5 — Não lastime a sorte que me espera.
Quanto anotas no mundo,
Desde o campo relvoso ao deserto infecundo,
Tudo é renovação!…
6 Eu fui um tronco verde, o mais belo de um horto,
Que mais brilhava ao sol da primavera.
Era visto, de longe, nos caminhos
Em que passasse alguém que amasse
Os pássaros e os ninhos…
Minhas flores vermelhas
Eram a adoração dos enxames de abelhas…
Orgulhava-me, sim, de ser forte e robusto…
Veio, um dia, porém,
Um homem frio e armado
De serrote e machado
E esfacelou-me os pés, agindo a custo…
Depois, tombei vencido sobre a Terra.
7 Fui, logo após, levado, serra em serra,
Em terrível viagem,
Largado muito tempo ao desprezo e à secagem…
8 Certa feita, um artesão
De tato delicado, estranho e fino,
Transformou-me em violino
E fui vendido a um moço artista,
Que me deu cordas, vida e coração…
9 A princípio, chorei com saudades do chão
Em que subia ao firmamento
Na viva emanação de meu próprio perfume,
Entre flores bailando, ante as flautas do vento;
Recordava, a chorar, a presença das aves,
Que falavam comigo em cânticos suaves,
Agradecendo a Deus, cada manhã,
A beleza e a alegria da alvorada
Que mais nos parecia uma festa dourada,
À luz do sol nascente…
10 Mas o artista abraçou-me docemente
E manejando as cordas que me dera,
Fez-me sentir, por fim, o instrumento que eu era…
Muita gente me ouvia,
Embargada de pranto,
Sem que fizesse algo para tanto…
11 Mães que houvessem perdido algum filhinho,
Ante o poder da morte,
Choravam com saudade e com carinho,
Pondo-se a relembrar
Os sonhos de outro tempo e as canções de ninar…
12 Muito doente em prece
Pensava em Deus, onde eu me achava,
Sem que eu mesmo soubesse
Explicar a razão…
Notando que tornava as almas que sofriam
Mais consoladas e felizes,
Não mais me lamentei de me haver afastado
Do bosque bem amado
Em que deixara as últimas raízes…
Depois de muitos anos,
Vi muita desventura e muita dor
Transformando-se em preces ao Senhor.
13 Vendo, enfim, que servia e consolava,
O artista mais me quis, quanto mais me tocava.
Até que, um dia,
O moço enfermo, trêmulo e alquebrado
Foi coberto num túmulo fechado…
Então alguém me achou inútil para a vida
E me guardou aqui num cova escondida,
À espera da fogueira
Em que eu possa também
Encontrar minha hora derradeira…
14 Nesse justo momento,
Alguém ateou fogo ao monturo opulento…
E vi outro alguém descer das imensas alturas:
Um moço belo e forte
Que arrancou, de improviso,
A forma do instrumento à labareda e à morte…
E ao colocar no braço o violino refeito
Em matéria de luz,
Dele extraía sons… Era um hino perfeito
Que o fazia esquecer a cinza transitória
Na música de vida, esperança e vitória!…
……………………………………
15 Então, eu me lembrei de vós, médiuns amigos!
Entregai-vos às mãos dos Artistas do Bem,
Que eles façam em vós a música do Além.
E, um dia,
Qual se fosseis desprezados,
Por trastes relegados
Ao frio dos museus,
Braços de amor virão
Para traçar convosco o Novo Dia
Que trará para os homens
O Caminho de Luz da Perfeita Alegria,
Entre a bênção da Paz e a proteção de Deus.
Maria Dolores
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