1 Dia de céu nevoento.
Desce um homem do carro,
Fita a longa extensão do caminho de barro
E acusa a terra, em volta,
Tomado de revolta,
Irritado e violento:
2 — Maldita lama!…
Não posso me arriscar
Neste caminho imundo;
Meu carro habituado à firmeza do asfalto,
Decerto tombaria em qualquer salto.
Maldita seja a hora
Em que saí de casa…
3 E disse para a esposa que o ouvia:
— Melhor voltarmos noutro dia.
E esquecer este chão que me enerva e me arrasa.
4 O solo humilde e escravo
Assinalou o agravo
E entrou em singular abatimento;
Mas um dos anjos de orientação
Do campo, que aguentava o assalto da garoa,
Parou no mesmo ponto, onde o homem gritara
E disse à terra úmida: — Perdoa
Os insultos que ouviste…
Continua servindo… Não te acuses…
5 Chamam-te lama vil ou barro triste;
Entretanto, nas leis da natureza,
Ninguém consegue pão à mesa
Sem recorrer ao trigo que produzes.
Denominam-te chão lodoso e feio;
Nota, porém, que os teus acusadores
Querem consigo as flores
Que te nascem do seio.
6 O homem é um ser estranho; muita gente
Que te condena e te maldiz
Não conhece o tijolo, a telha e o corpo das paredes,
Com que fazes no mundo
Tanta gente feliz.
7 O asfalto, na verdade, é indício de progresso
Para as rodas de todos os matizes,
Mas não sabe o processo
De acalentar sementes e raízes
Para que a planta estenda,
Por mágica oferenda
De supremo valor,
A colheita que ajuda a conservar
A fartura do lar
Onde a vida situa a presença do amor.
8 Lama, somente lama desprezível,
Chamam-te aí no mundo,
Mas quase ninguém sabe,
Talvez com exceção da mãe bovina,
Que Deus te honrou com a erva,
Pela qual a pastagem se conserva,
Para que o leite seja, ante a criança,
A essência da esperança,
Alimento e calor da Bondade Divina.
Não te magoem críticas e golpes,
Não olvides que, em ti, Deus resguarda e resume
A química da vida que transforma
O esterco envilecido em vagas de perfume!…
9 A gleba imensa ouvia a mensagem celeste;
Esqueceu toda injúria… Parecia
Que a luz do sol voltando a beijava e envolvia,
Procurando aquecer-lhe
Todas as energias interiores…
Desde esse dia, a lama desprezada,
Sentiu-se renascer para nova alvorada
E passou, de maneira invariável,
A responder sem mágoa a quaisquer agressores,
Trocando acusação, golpe e azedume
Por ondas generosas de perfume,
Em braçadas de flores.
Maria Dolores
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