1 Depois de muito tempo,
Sobre os quadros sombrios do Calvário,
Judas, cego no Além, errava solitário…
2 Era triste a paisagem,
O céu era nevoento…
Cansado de remorso e sofrimento,
Sentara-se a chorar…
Nisso, nobre mulher de Planos superiores,
Nimbada de celestes esplendores,
Que ele não conseguia divisar,
Chega e afaga a cabeça do infeliz.
Em seguida, num tom de carinho profundo,
Quase que, em oração, ela lhe diz:
— Meu filho, por que choras?
3 Acaso, não sabeis? — replica o interpelado,
Claramente agressivo,
Sou um morto e estou vivo.
Matei-me e novamente estou de pé,
Sem consolo, sem lar, sem amor e sem fé…
Não ouvistes falar em Judas, o traidor?
Sou eu que aniquilei a vida do Senhor…
A princípio, julguei
Poder faze-lo rei,
Mas apenas lhe impus
Sacrifício, martírio, sangue e cruz.
E em flagelo e aflição
Eis a que a minha vida agora se reduz…
Afastai-vos de mim,
Deixai-me padecer neste inferno sem fim…
Nada me pergunteis, retirai-vos senhora,
Nada sabeis da mágoa que me agita,
Nunca penetrareis minha dor infinita…
O assunto que lastimo é unicamente meu…
4 No entanto, a dama calma respondeu:
— Meu filho, sei que sofres, sei que lutas,
Sei a dor que te causa o remorso que escutas,
Venho apenas falar-te
Que Deus é sempre amor em toda parte..
E acrescentou serena:
— A Bondade do Céu jamais condena;
Venho por mãe a ti, buscando um filho amado.
Sofre com paciência a dor e a prova;
Terás, em breve, uma existência nova…
Não te sintas sozinho ou desprezado.
5 Judas interrompeu-a e bradou, rude e pasmo:
— Mãe? Não me venhais aqui com mentira e sarcasmo.
Depois de me enforcar num galho de figueira,
Para acordar na dor,
Sem mais poder fugir à vida verdadeira,
Fui procurar consolo e força de viver
Ao pé da pobre mãe que me forjara o ser!…
6 Ela me viu chorando e escutou meus lamentos,
Mas teve medo de meus sofrimentos.
Expulsou-me a esconjuros,
Chamou-me monstro, por sinal,
Disse que eu era
Unicamente o Espírito do mal;
Intimou-me a terrível retrocesso,
Mandando que apressasse o meu regresso
Para a zona infernal, de onde, por certo, eu vinha…
Ah! detesto lembrar a horrível mãe que eu tinha…
Não me faleis de mães, não me faleis de amor,
Sou apenas um monstro sofredor…
— Inda assim — disse a dama docemente —
Por mais que me recuses, não me altero;
Amo-te, filho meu, amo-te e quero
Ver-te, de novo, a vida
Maravilhosamente revestida
De paz e luz, de fé e elevação…
Virás comigo à Terra,
Perderás, pouco a pouco, o ânimo violento,
Terás o coração
Nas águas de bendito esquecimento.
Numa nova existência de esperança,
Levar-te-ei comigo
A remansoso abrigo,
Dar-te-ei outra mãe! Pensa e descansa!…
7 E Judas, nesse instante,
Como quem olvidasse a própria dor gigante
Ou como quem se desagarra
De pesadelo atroz,
Perguntou: — quem sois vós?
Que me falais assim, sabendo-me traidor?
Sois divina mulher, irradiando amor
Ou anjo celestial de quem pressinto a luz?!…
No entanto, ela a fitá-lo, frente a frente,
Respondeu simplesmente:
— Meu filho, eu sou Maria, sou a mãe de Jesus.
Maria Dolores
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