1.
Esperava a continuidade de meus estudos novos em companhia de Alexandre;
todavia, com surpresa, o meu amigo Lísias foi portador de um convite
que me destinara o caritativo instrutor. Tratava-se de uma reunião de
despedidas.
2 Li a mensagem pequenina
e delicada, erguendo os olhos para o mensageiro.
— Despedidas? — Perguntei.
3 Esclareceu-me Lísias, pressuroso:
— Sim. Alexandre, como acontece a outros orientadores da mesma posição hierárquica,
de quando em quando se dirige a Planos mais altos, desempenhando tarefas
de sublime expressão que nós ainda não podemos compreender. 4
Creio deva partir amanhã, em companhia de alguns mentores que lhe são
afins, e deseja apresentar despedidas aos colaboradores e aprendizes,
na noite próxima.
5 — E os trabalhos da Crosta?
— Indaguei.
— Não é Alexandre um dos instrutores diretos de um dos grandes
grupamentos espiritistas que conhecemos?
6 O companheiro respondeu
com segurança:
— Naturalmente, já foi providenciada a substituição devida, de acordo com o mérito e aproveitamento da instituição a que você se refere.
7 E sentindo, talvez, a mágoa
que me invadira o espírito, Lísias comentou:
— O que lhe posso assegurar é que o venerável orientador não nos esquecerá.
Dirigindo-se a Esferas mais altas, a única preocupação dele será o serviço
de Jesus, com o enriquecimento de si mesmo para ser-nos mais útil.
8 — Entretanto, —
objetei, — far-nos-á muita falta… Sinto que nos deixará em meio da tarefa,
quando tanto necessitamos de seu concurso valioso para o aprendizado…
9 Lísias percebeu a natureza
passional de minha ponderação e obtemperou, firme:
— Nada de egoísmo, André! Sabemos que Alexandre se ausentará em serviço, mas
ainda mesmo que a sua excursão fosse muito longa e plenamente consagrada
ao repouso recreativo, cabe a nós outros, seus devedores, a participação
da alegria de seus elevados merecimentos. 10
É necessário examinar o bem que ainda se pode fazer, vibrando de júbilo
e esperança com as realizações porvindouras, para não sermos indolentes
e improdutivos; não devemos, porém, esquecer o bem que se fez ou que
recebemos, a fim de não sermos ingratos.
11 Aquela observação teve a
virtude de acordar-me a consciência. Coloquei-me no equilíbrio emocional
indispensável. Modifiquei a atitude íntima, reagindo contra as primeiras
impressões que a notícia me causara.
12 O bondoso amigo compreendeu,
sorriu e acentuou:
— Ao demais, não podemos esquecer as obrigações que nos são próprias. O aprendizado,
nos cursos diversos em que se apresenta, chega sempre a um fim, embora
a sabedoria seja infinita. 13
Precisamos demonstrar aproveitamento prático das lições recebidas. Que
melhor testemunho de assimilação poderemos dar ao instrutor amigo que
o de receber-lhe o campo de serviço em que a sua bondade nos iniciou,
até que ele volte da provisória excursão?
— É verdade! — Exclamei.
2.
E, reanimado pela palavra esclarecedora do companheiro, conversamos
por abençoados minutos, prometendo-me Lísias regressar ao crepúsculo,
a fim de seguirmos juntos para a reunião referida.
À noitinha, voltava o prezado companheiro e pusemo-nos a caminho em
agradável palestra.
2 Contemplado de nossa
colônia espiritual, o firmamento mostrava-se singularmente belo. Numerosas
constelações brilhavam deslumbrantes, e a Lua, muito maior do que ao
ser vista da Crosta Planetária, figurava-se mais acolhedora e tranquila.
Distantes do bombardeio dos raios solares, que renovam a vida incessantemente,
as flores exalavam delicioso perfume, dançando de mansinho aos sopros
do vento leve.
3 — Muitos aprendizes
de Alexandre, — comentava Lísias, alacremente, — virão visitá-lo esta
noite. Mantenhamo-nos à altura dos demais, conservando atitudes interiores
de gratidão e serenidade.
4 Concordava, com
esforço, lembrando-me das sublimes lições recebidas. Alexandre sabia
fazer-se amar. Superior sem afetação, humilde sem servilismo, orientador
sempre disposto, não somente a ensinar, mas também a aprender, atendia
aos elevados encargos que lhe eram atribuídos, sem qualquer desvario
do “eu”, profundamente interessado em cumprir os desígnios do Pai e
em aceitar nossa cooperação singela, aproveitando-a. 5
Em virtude da sua abençoada compreensão, aquêle afastamento, embora temporário, do instrutor, doía-me no espírito.
Nessas disposições íntimas, contra as quais reagia prudentemente, alcançamos o belo edifício residencial onde se reuniria a afetuosa assembleia.
Entramos.
6 Surpreendeu-me o salão magnificamente
iluminado. Não havia luxo decorativo no interior; todavia, o lampadário
em forma de estrelas, irradiando claridade azul-brilhante, proporcionava
ao ambiente uma expressão de misteriosa beleza, de mistura à elevada
espiritualidade. Delicados e simbólicos arabescos de flores naturais
adornavam as paredes, dando-nos a impressão de alegria e bem-estar.
7 Apresentado por Lísias a
diversos companheiros, certifiquei-me, depressa, do pequeno número de
aprendizes que ali se congregariam. Compareceriam apenas os discípulos
de Alexandre, com permanência eventual em nossa colônia, sessenta e
oito colegas, inclusive quinze mulheres. Todos os presentes referiam-se
ao mentor amoroso com palavras encomiásticas. Éramos todos nós grandes
devedores ao seu coração.
8 Verificada a presença de
todos os convidados, veio até nós o benévolo instrutor, dividindo o
carinho de suas saudações com cada um, sem desperdício de atitudes exteriores.
Era o mesmo Alexandre, admirável e simples. Irmanado conosco, deixando-nos
inteiramente à vontade, entendeu-se com todos nós, individualmente,
a respeito das nossas tarefas, estudos, realizações. Em seguida, com
toda a naturalidade, começou a falar-nos, em tom paternal:
9 — Sabem vocês o objetivo
da presente reunião. Quero apresentar-lhes minhas despedidas, em virtude
da ausência temporária a que sou compelido por elevadas razões de serviço.
Notei pelo olhar dos circunstantes que a maioria partilhava comigo o mesmo desgosto. Devíamos intensamente àquele Espírito sábio e benevolente.
10 Depois de pequena pausa,
continuou:
— Conheço a pureza do amor que vocês me dedicam e estou certo de que não ignoram a extensão da estima que lhes consagro. É natural. Somos amigos na mesma empresa do bem e associados felizes na execução da Divina Vontade. Companheiros de luta edificante, pesar-nos-ia, sobremaneira, a separação de agora, não obstante efêmera, se não guardássemos no âmago dalma a luz do esclarecimento.
11 Nesse ponto, Alexandre fez
longo intervalo, descansando seus olhos nos nossos, como a perscrutar-nos
o íntimo, e prosseguiu:
— Alguns colaboradores, a quem muito devo, endereçaram-me apelos para
que permaneça em nossa colônia de trabalho, gentileza que agradeço,
comovido. Não vibra em minhas palavras qualquer prurido de personalidade,
mas a estima recíproca e fiel a que nos devotamos. 12
Urge considerar, porém, meus amigos, que este servo humilde não deve
absorver o lugar que Jesus deve ocupar em suas vidas. É muito difícil
descobrir o amor sem jaça e a ele nos entregarmos sem reservas. E porque
essa dificuldade é flagrante em todos os caminhos de nossa evolução,
quase sempre incidimos no velho erro da idolatria. 13
É bem verdade que nos encontramos numa assembleia de corações simples
e amigos, e que não cabem nesta sala vastas e maciças considerações
filosóficas, para restringirmo-nos ao abençoado setor do sentimento.
Mas, não posso ver fugir a oportunidade de sérias reflexões em torno
do problema dos laços sagrados que nos unem, sem algemar-nos uns aos
outros. 14 Nossa
estrada de aperfeiçoamento, bem como a senda de progresso da Humanidade
terrestre, em geral, têm sido tortuoso caminho no qual pisamos sobre
os ídolos quebrados. Sucedem-se nossas reencarnações e as civilizações
repetem o curso em longas espirais de recapitulação, porque temos sido
invigilantes quanto aos caminhos retos.
15 Verificando-se nova pausa,
em sua afetuosa e significativa exposição, observei que profundo respeito
nos identificava a todos, em face da palavra venerável.
— Temos criado muitos deuses à parte, — continuou o instrutor, comovido, —
para destruí-los, muita vez, em profundo desespero do coração, quando
a realidade nos dilata a visão, ante o horizonte infinito da vida. 16
Na procura de conforto individual, em face de problemas graves de nossa
vida, raramente encontramos a solução e, sim, a fuga, n da qual nos valemos
com todas as forças de que somos capazes, para adiar indefinidamente
a ação imprescindível da corrigenda ou do resgate. Virá, porém, o dia
de restauração da verdade, o momento de nosso testemunho pessoal.
3.
Ele pousou em nós o olhar muito lúcido, onde víamos o reflexo de serena
emotividade, e, depois de longa pausa, retomou as elucidações das despedidas.
2 — É por isso, meus
amigos, — prosseguiu, em tom fraterno, — que o orientador consciencioso
de sua tarefa não pode fugir aos imperativos da evolução de seus tutelados.
De quando em quando, é necessário deixar o discípulo entregue a si mesmo,
ainda que as mais belas notas de carinho nos sugiram o contrário. 3
Junto do instrutor, o aprendiz, quase sempre, apenas observa. À distância,
porém, experimenta e age, vivendo o que aprendeu. É indispensável desenvolver
os valores ilimitados, inerentes a cada um de nós, guardados como divina
herança no potencial de nosso mundo íntimo. 4
A proteção inconsciente, que subtrai o protegido ao clima da edificação que lhe é própria, elimina os germens do progresso, da elevação, do
resgate individual. Estabelecer a dependência dessa ordem é criar o
cativeiro do espírito, que anula nossa capacidade de improvisação e
estimula os vícios do pensamento. 5
Fujamos ao condenável sistema de adoração recíproca, em que a falsa
ternura opera a cegueira do sentimento. Respeitemo-nos mutuamente, na
qualidade de irmãos congregados para a mesma obra do bem e da verdade,
mas combatamos a idolatria; bem-queiramo-nos uns aos outros, como Jesus
nos amou; todavia, cooperemos contra a insuflação do exclusivismo destruidor.
6 Somos depositários
de grandes lições da vida superior. Pô-las em prática, estendendo mãos
amigas aos nossos semelhantes, é o nosso objetivo fundamental. 7
Cada um de vocês tem obrigações em separado, nos setores diferentes
da atividade espiritual. Durante alguns meses, estivemos quase sempre
juntos, quando a oportunidade permitia. Associados na mesma experiência,
criamos laços santificados de amor que nos identificam uns aos outros. 8
Não podemos, porém, descansar sobre as comodidades do afeto. É preciso
enfrentar as asperezas do serviço, conhecer a luta, testemunhar aproveitamento.
Nunca me valeria da qualidade de instrutor para impedir o crescimento
mental de vocês. 9
A Terra, que nos é mãe comum, reclama filhos esclarecidos que colaborem
na divina tarefa de redenção planetária. Há multidões, por toda parte,
escravas do bem-estar e da miséria, da alegria e do sofrimento, estranhas
ao caráter temporário das condições em que se agitam. 10
Todos vivem, mas raros Espíritos de nosso mundo tomaram posse da vida
eterna. O campo de trabalho é vastíssimo. Experimentem nele o que aprenderam,
despertando as consciências que dormem ao longo do caminho. 11
O aprendizado fornece-nos conhecimento. A vida oferece-nos a prática.
Unamos a sabedoria com o amor, na atividade de cada dia, e descobriremos
a divindade que palpita dentro de nós, glorificando a Terra que aguarda
nosso concurso eficiente, pelo equilíbrio e compreensão. 12
Não faltam instrutores benevolentes e generosos e, além disso, vocês
devem aplicar as lições que receberam, orientando, igualmente, o próximo em luta e os companheiros ainda frágeis. Só as vítimas voluntárias
da idolatria convertem a ausência num vácuo. 13
Não, meus amigos, não alimentemos qualquer processo doloroso de saudade
sem otimismo e sem esperança. Imenso futuro de realizações sublimes
com o Pai espera cada um de nós. 14
Edifiquemo-nos, aceitando as experiências construtivas que nos convocam
o esforço à possibilidade maior. Estimo profundamente a consolação individual,
mas, acima de nosso conforto, devemos procurar a libertação com o Cristo.
4.
Incontestavelmente, a preleção era vazada em severidade afetuosa, que,
no momento, não nos sabia bem ao coração, habituado às expressões de
incessante carinho, mas tinha a virtude de acordar-nos para a verdade,
chamando-nos a uma atitude de legítimo entendimento. 2
Ainda aí, numa simples reunião de despedidas, Alexandre sabia ser grande
e generoso, impondo-nos um equilíbrio que, de outro modo, não saberíamos
conservar. Embora a compreensão, porém, tínhamos os olhos úmidos. A separação
dos bons, não obstante temporária, é sempre dolorosa. 3
Na companhia dele, havíamos aprendido sublimes ensinamentos. Forte e
sábio, carinhoso e enérgico, exercitara-nos as asas frágeis nos grandes
voos de novos conhecimentos. Comparando nossa situação anterior à presente,
observávamos evidente melhoria geral. Como não lhe dever, a ele,
abençoado amigo de todas as horas, ilimitados testemunhos de amor?
4 Creio que a maioria partilhava
os meus pensamentos, porque Alexandre, dando a ideia de que nos ouvia
as reflexões mais íntimas, acrescentou:
— Devemos ao Cristo-Jesus todas as graças! Ele é o Divino Intermediário entre o Pai e nós outros. Saibamos agradecer ao Mestre as bênçãos, as lições, as tarefas. O espírito de gratidão ao Senhor, alegra a vida e valoriza o trabalho dos servos fiéis!…
5 Em seguida, o instrutor
levantou-se e, sorridente, abraçou cada um de nós, dirigindo-nos palavras
de incitamento ao Bem e à Verdade, enchendo-nos de coragem e fé.
Equilibrados pela sua palavra esclarecida, os aprendizes não ousaram pronunciar qualquer exclamação, filha da ternura indiscreta. Estávamos todos edificados, em posição serena e digna.
6 Epaminondas, o discípulo
mais respeitável de nosso Círculo, tomou a palavra e agradeceu, sobriamente,
estampando nas afirmativas nossos sentimentos mais nobres e endereçando
ao instrutor amigo nossos ardentes votos de paz e êxito, na continuidade
de seus trabalhos gloriosos.
7 Vimos que Alexandre recebia
nossas vibrações de amor e reconhecimento em meio de profunda emoção.
Sua fronte venerável emitia sublimes irradiações de luz.
8 Terminada a breve saudação
do companheiro, pronunciou algumas frases de agradecimento, que não
merecíamos, e falou:
— Agora, meus amigos, elevemos ao Cristo nossos pensamentos de júbilo e gratidão, consagrando-lhe as inesquecíveis emoções de nosso adeus.
5.
Manteve-se de pé, cercado de intensa luz safirino-brilhante, e, de olhos
erguidos para o alto, estendeu os braços como se conversasse com o Mestre
presente, embora invisível, orando com infinita beleza:
2 Senhor,
sejam para o teu coração misericordioso
Todas as nossas alegrias, esperança e aspirações!
Ensina-nos a executar teus propósitos desconhecidos,
Abre-nos as portas de ouro das oportunidades do serviço
E ajuda-nos a compreender a tua vontade!…
3 Seja
o nosso trabalho a oficina sagrada de bênçãos infinitas,
Converte-nos as dificuldades em estímulos santos,
Transforma os obstáculos da senda em renovadas lições…
4 Em
teu nome,
Semearemos o bem onde surjam espinhos do mal,
Acenderemos tua luz onde a treva demore,
Verteremos o bálsamo do teu amor onde corra o pranto do sofrimento,
Proclamaremos tua bênção onde haja condenações,
Desfraldaremos tua bandeira de paz junto às guerras do ódio!…
5 Senhor,
Dá que possamos servir-te
Com a fidelidade com que nos amas,
E perdoa nossas fragilidades e vacilações na execução de tua obra.
6 Fortifica-nos
o coração
Para que o passado não nos perturbe e o futuro não nos inquiete,
A fim de que possamos honrar-te a confiança no dia de hoje,
Que nos deste
Para a renovação permanente até à vitória final.
7 Somos
tutelados na Terra,
Confundidos na lembrança
De erros milenários,
Mas queremos, agora,
Com todas as forças dalma,
Nossa libertação em teu amor para sempre!
8 Arranca-nos
do coração as raízes do mal,
Liberta-nos dos desejos inferiores,
Dissipa as sombras que nos obscurecem a visão de teu Plano divino
E ampara-nos para que sejamos servos leais de tua infinita sabedoria!
9 Dá-nos
o equilíbrio de tua lei,
Apaga o incêndio das paixões que, por vezes,
Irrompe, ainda,
No âmago de nossos sentimentos,
Ameaçando-nos a construção da espiritualidade superior.
10 Conserva-nos
em tua inspiração redentora,
No ilimitado amor que nos reservaste
E que, integrados no teu trabalho de aperfeiçoamento incessante,
Possamos atender-te os sublimes desígnios,
Em todos os momentos,
Convertendo-nos em servidores fiéis de tua luz, para sempre!
Assim seja.
11 A comovedora prece de Alexandre fora a última nota do maravilhoso adeus.
Saímos.
12 Em torno, as flores exalavam agradabilíssimo perfume, à luz prateada
da noite. E, ao longe, no alto dos céus, brilhavam os astros, como fulgurantes
corações de luz, em praias distantes do Universo, imanados, como nós,
uns aos outros, à procura das alegrias supremas da união com a Divindade.
André Luiz
FIM
[1] Nota: Nesse ponto, da 1ª edição, o linotipista omitiu o texto: “da qual nos valemos
com todas as forças de que”, que foi reposto pela editora nas edições seguintes desse livro.