1.
Os serviços particulares não proporcionavam ensejo a excursões dilatadas
e frequentes, em companhia de Alexandre; entretanto, valia-me de todas
as folgas nos trabalhos comuns.
2 Havia sempre o que aprender.
E constituía enorme satisfação seguir o ativo missionário das atividades
de comunicação.
— Hoje, à noite, — disse-me o devotado amigo, — observará algumas demonstrações
de desenvolvimento mediúnico.
3 Aguardei as instruções com
interesse.
No instante indicado, compareci ao grupo.
Antes do ingresso dos companheiros encarnados, já era muito grande a movimentação. Número considerável de trabalhadores. Muito serviço de natureza espiritual.
4 Admirava as características
dos socorros magnéticos, dispensados às entidades sofredoras, quando
Alexandre acentuou:
— Por enquanto, nossos esforços são mais frutíferos ao Círculo dos desencarnados infelizes. As atividades beneficiárias da casa concentram-se neles, em maior porção, porque os encarnados, mesmo aqueles que já se interessam pela prática espiritista, muito raramente se dispõem, com sinceridade, ao aproveitamento real dos valores legítimos de nossa cooperação.
5 E, depois de longa pausa,
prosseguiu:
— É muito lenta e difícil a transição entre a animalidade grosseira e a espiritualidade
superior. Entre os homens, nesse sentido, há sempre um oceano de palavras
e algumas gotas de ação.
6 Nesse instante, os primeiros
amigos do Plano carnal deram entrada no recinto.
— Veremos hoje, — exclamava um senhor de espessos bigodes, — veremos hoje se
temos boa sorte.
— Não tenho vindo com assiduidade às experiências, — comentou um rapaz, — porque
vivo desanimado… Há quanto tempo guardo o lápis na mão, sem resultado
algum?
— É pena! — Respondia outro senhor, — a dificuldade desencoraja, de
fato.
7 — Parece-me que
nada merecemos, no setor do estímulo, por parte dos benfeitores invisíveis!
— Acrescentava uma senhora de boa idade, — há quantos meses procuro
em vão desenvolver-me? Em certos momentos, sinto vibrações espirituais
intensas, junto de mim, contudo, não passo das manifestações iniciais.
8 A palestra continuou interessante
e pitoresca.
Decorridos alguns minutos, com a presença de outros pequenos grupos de experimentadores que chegavam, solícitos, foi iniciada a sessão de desenvolvimento.
O diretor proferiu tocante prece, no que foi acompanhado por todos os presentes.
9 Dezoito pessoas mantinham-se
em expectativa.
— Alguns, — explicou Alexandre, — pretendem a psicografia, outros tentam
a mediunidade de incorporação. Infelizmente, porém, quase todos confundem
poderes psíquicos com funções fisiológicas. Acreditam no mecanismo absoluto
da realização e esperam o progresso eventual e problemático, esquecidos
de que toda edificação da alma requer disciplina, educação, esforço
e perseverança. 10
Mediunidade construtiva é a língua de fogo do Espírito Santo, ( † )
luz divina para a qual é preciso conservar o pavio do amor cristão,
o azeite da boa vontade pura. 11
Sem a preparação necessária, a excursão dos que provocam o ingresso
no Reino Invisível é, quase sempre, uma viagem nos Círculos de sombra.
Alcançam grandes sensações e esbarram nas perplexidades dolorosas. Fazem
descobertas surpreendentes e acabam nas ansiedades e dúvidas sem fim.
12 Ninguém pode trair
a lei impunemente, e, para subir, Espírito algum dispensará o esforço
de si mesmo, no aprimoramento íntimo…
2.
Dirigindo-se, de maneira especial, para os circunstantes, o instrutor
recomendou:
— Observemos.
Postara-se ao lado de um rapaz que esperava, de lápis em punho, mergulhado em fundo silêncio.
2 Ofereceu-me Alexandre o
seu vigoroso auxílio magnético e contemplei-o, com atenção. Os núcleos
glandulares emitiam pálidas irradiações. A epífise, principalmente,
semelhava-se a reduzida semente algo luminosa.
— Repare no aparelho genital, — aconselhou-me o instrutor, gravemente.
3 Fiquei estupefato.
As glândulas geradoras emitiam fraquíssima luminosidade, que parecia
abafada por aluviões de corpúsculos negros, a se caracterizarem por
espantosa mobilidade. Começavam a movimentação sob a bexiga urinária
e vibravam ao longo de todo o cordão espermático, formando colônias
compactas, nas vesículas seminais, na próstata, nas massas mucosas uretrais,
invadiam os canais seminíferos e lutavam com as células sexuais, aniquilando-as.
4 As mais vigorosas
daquelas feras microscópicas situavam-se no epidídimo, onde absorviam,
famélicas, os embriões delicados da vida orgânica. 5
Estava assombrado. Que significava aquele acervo de pequeninos seres
escuros? Pareciam imantados uns aos outros, na mesma faina de destruição.
Seriam expressões mal conhecidas da sífilis?
6 Enunciando semelhante indagação
íntima, explicou-me Alexandre, sem que eu lhe dirigisse a palavra falada:
— Não, André. Não temos sob os olhos o espiroqueta de Schaudinn, nem
qualquer nova forma suscetível de análise material por bacteriologistas
humanos. 7 São bacilos
psíquicos da tortura sexual, produzidos pela sede febril de prazeres
inferiores. O dicionário médico do mundo não os conhece e, na ausência
de terminologia adequada aos seus conhecimentos, chamemos-lhes larvas,
simplesmente. 8 Têm
sido cultivados por este companheiro, não só pela incontinência no domínio
das emoções próprias, através de experiências sexuais variadas, senão
também pelo contato com entidades grosseiras, que se afinam com as predileções
dele, entidades que o visitam com frequência, à maneira de imperceptíveis
vampiros. 9 O pobrezinho
ainda não pôde compreender que o corpo físico é apenas leve sombra do
corpo perispiritual, não se capacitou de que a prudência, em matéria
de sexo, é equilíbrio da vida e, recebendo as nossas advertências sobre
a temperança, acredita ouvir remotas lições de aspecto dogmático, exclusivo,
no exame da fé religiosa. 10
A pretexto de aceitar o império da razão pura, na esfera da lógica,
admite que o sexo nada tem que ver com a espiritualidade, como se esta
não fosse a existência em si. Esquece-se de que tudo é espírito, manifestação
divina e energia eterna. 11
O erro de nosso amigo é o de todos os religiosos que supõem a alma absolutamente
separada do corpo físico, quando todas as manifestações psicofísicas
se derivam da influenciação espiritual.
3.
Novos mundos de pensamento raiavam-me no ser. Começava a sentir definições
mais francas do que havia sido terríveis incógnitas para mim, no capítulo
da patogenia em geral. Não saíra do meu intraduzível espanto, quando
o instrutor me chamou a atenção para um cavalheiro maduro que tentava
a psicografia.
2 — Observe este amigo,
— disse-me, com autoridade, — não sente um odor característico? Efetivamente,
em derredor daquele rosto pálido, assinalava-se a existência de atmosfera
menos agradável. Semelhava-se-lhe o corpo a um tonel de configuração
caprichosa, de cujo interior escapavam certos vapores muito leves, mas
incessantes. Via-se-lhe a dificuldade para sustentar o pensamento com
relativa calma. Não tive qualquer dúvida. Deveria ele usar alcoólicos
em quantidade regular.
3 Vali-me do ensejo para notar-lhe
as singularidades orgânicas.
O aparelho gastrintestinal parecia totalmente ensopado em aguardente, porquanto essa substância invadia todos os escaninhos do estômago e, começando a fazer-se sentir nas paredes do esôfago, manifestava a sua influência até o bolo fecal. Espantava-me o fígado enorme. Pequeninas figuras horripilantes postavam-se, vorazes, ao longo da veia porta, lutando desesperadamente com os elementos sanguíneos mais novos. Toda a estrutura do órgão se mantinha alterada. Terrível ingurgitamento. Os lóbulos cilíndricos, modificados, abrigavam células doentes e empobrecidas. O baço apresentava anomalias estranhas.
4 — Os alcoólicos,
— esclareceu Alexandre, com grave entonação, — aniquilavam-no vagarosamente.
Você está examinando as anormalidades menores. Este companheiro permanece
completamente desviado em seus centros de equilíbrio vital. Todo o sistema
endocrínico foi atingido pela atuação tóxica. Inutilmente trabalha a
medula para melhorar os valores da circulação. 5
Em vão, esforçam-se os centros genitais para ordenar as funções que
lhes são peculiares, porque o álcool excessivo determina modificações
deprimentes sobre a própria cromatina. Debalde trabalham os rins na
excreção dos elementos corrosivos, porque a ação perniciosa da substância
em estudo anula diariamente grande número de nefrons. 6
O pâncreas, viciado, não atende com exatidão ao serviço de desintegração
dos alimentos. Larvas destruidoras exterminam as células hepáticas.
Profundas alterações modificam-lhe as disposições do sistema nervoso
vegetativo e, não fossem as glândulas sudoríparas, tornar-se-lhe-ia
talvez impossível a continuação da vida física.
7 Não conseguia dissimular
minha admiração. Alexandre indicava os pontos enfermiços e esclarecia
os assuntos com sabedoria e simplicidade tão grandes que não pude ocultar
o assombro que se apoderara de mim.
4.
O instrutor colocou-me, em seguida, ao lado de uma dama simpática e
idosa. Após examiná-la, atencioso, acrescentou:
— Repare nesta nossa irmã. É candidata ao desenvolvimento da mediunidade de incorporação.
2 Fraquíssima luz
emanava de sua organização mental e, desde o primeiro instante, notara-lhe
as deformações físicas. O estômago dilatara-se-lhe horrivelmente e os
intestinos pareciam sofrer estranhas alterações. O fígado, consideravelmente
aumentado, demonstrava indefinível agitação. Desde o duodeno ao sigmóide,
notavam-se anomalias de vulto. 3
Guardava a ideia de presenciar, não o trabalho de um aparelho digestivo
usual, e, sim, de vasto alambique, cheio de pastas de carne e caldos
gordurosos, cheirando a vinagre de condimentação ativa. Em grande zona
do ventre superlotado de alimentação, viam-se muitos parasitos conhecidos,
mas, além deles, divisava outros corpúsculos semelhantes a lesmas voracíssimas,
que se agrupavam em grandes colônias, desde os músculos e as fibras
do estômago até a válvula íleo-cecal. Semelhantes parasitos atacavam
os sucos nutritivos, com assombroso potencial de destruição.
4 Observando-me a estranheza,
o orientador falou em meu socorro:
— Temos aqui uma pobre amiga desviada nos excessos de alimentação. Todas as suas glândulas e centros nervosos trabalham para atender as exigências do sistema digestivo. Descuidada de si mesma, caiu na glutonaria crassa, tornando-se presa de seres de baixa condição.
5.
E porque me conservasse em silêncio, incapacitado de argumentar, ante
ensinamentos tão novos, o instrutor considerou:
2 — Perante estes
quadros, pode você avaliar a extensão das necessidades educativas na
Esfera da Crosta. A mente encarnada engalanou-se com os valores intelectuais
e fez o culto da razão pura, esquecendo-se de que a razão humana precisa
de luz divina. 3 O
homem comum percebe muito pouco e sente muito menos. Ante a eclosão
de conhecimentos novos, em face da onda regeneradora do Espiritualismo
que banha as nações mais cultas da Terra, angustiada por longos sofrimentos
coletivos, necessitamos acionar as melhores possibilidades de colaboração,
para que os companheiros terrestres valorizem as suas oportunidades
benditas de serviço e redenção.
4 Compreendi que Alexandre
se referia, veladamente, ao grande movimento espiritista, em virtude
de nos encontrarmos nas tarefas de uma casa doutrinária, e não me enganava,
porque o bondoso mentor continuou a dizer, gravemente:
5 — O Espiritismo
cristão é a revivescência do Evangelho de Nosso Senhor Jesus-Cristo,
e a mediunidade constitui um de seus fundamentos vivos. 6
A mediunidade, porém, não é exclusiva dos chamados “médiuns”. Todas
as criaturas a possuem, porquanto significa percepção espiritual, que
deve ser incentivada em nós mesmos. 7
Não bastará, entretanto, perceber. É imprescindível santificar essa
faculdade, convertendo-a no ministério ativo do bem. 8
A maioria dos candidatos ao desenvolvimento dessa natureza, contudo,
não se dispõe aos serviços preliminares de limpeza do vaso receptivo.
Dividem, inexoravelmente, a matéria e o espírito, localizando-os em
campos opostos, 9 quando
nós, estudantes da Verdade, ainda não conseguimos identificar rigorosamente
as fronteiras entre uma e outro, integrados na certeza de que toda a
organização universal se baseia em vibrações puras.
10 Inegavelmente,
meu amigo, — e sorriu, — não desejamos transformar o mundo em cemitério
de tristeza e desolação. Atender a santificada missão do sexo, no seu
plano respeitável, usar um aperitivo comum, fazer a boa refeição, de
modo algum significa desvios espirituais; no entanto, os excessos representam
desperdícios lamentáveis de força, os quais retêm a alma nos Círculos
inferiores. 11 Ora,
para os que se trancafiam nos cárceres de sombra, não é fácil desenvolver
percepções avançadas. Não se pode cogitar de mediunidade construtiva,
sem o equilíbrio construtivo dos aprendizes, na sublime ciência do bem-viver.
12 — Oh! — Exclamei,
— e por que motivo não dizer tudo isto aos nossos irmãos congregados
aqui? porque não adverti-los austeramente?
Alexandre sorriu, benévolo, e acentuou:
— Não, André. Tenhamos calma. 13
Estamos no serviço de evolução e adestramento. Nossos amigos não são
rebeldes ou maus, em sentido voluntário. Estão espiritualmente desorientados
e enfermos. Não podem transformar-se, dum momento para outro. Compete-nos,
portanto, ajudá-los no caminho educativo.
14 O orientador deixou de sorrir
e acrescentou:
— É verdade que sonham edificar maravilhosos castelos, sem base; alcançar
imensas descobertas exteriores, sem estudarem a si próprios; mas, gradativamente,
compreenderão que mediunidade elevada ou percepção edificante não constituem
atividades mecânicas da personalidade e sim conquistas do Espírito,
para cuja consecução não se pode prescindir das iniciações dolorosas,
dos trabalhos necessários, com a autoeducação sistemática e perseverante.
15 Excetuando-se,
porém, essas ilusões infantis, são bons companheiros de luta, aos quais
estimamos carinhosamente, não só como nossos irmãos mais jovens, mas
também por serem credores de reconhecimento pela cooperação que nos
prestam, muitas vezes inconscientemente. 16
Os tenros embriões vegetais de hoje serão as árvores robustas de amanhã.
As tribos ignorantes de ontem constituem a Humanidade de agora. Por
isso mesmo, todas as nossas reuniões são proveitosas, e, ainda que os
seus passos sejam vacilantes na senda, tudo faremos por defendê-los
contra as perigosas malhas do vampirismo.
André Luiz