1 Diz a lenda que, um dia,
Abandonada sob a terra fria,
A semente cansada
Perguntou ao Senhor:
— “Por que me vejo a sós, morrendo sufocada,
Como quem deve estar sob lodo e pancada,
Afinal, que fiz eu?!…”
2 Entretanto, o Senhor não respondeu…
3 Mas, depois de algum tempo,
Ao solo que se enfresta,
Maravilhosamente transformada
Em ramo, aroma, flor e fruto,
Orgulhou-se de ter
Por privilégio e por dever
O encargo de ser pão na mesa em festa.
E tocada de vida superior,
Agradeceu a Deus em preces de louvor.
4 Conta-nos outra lenda
Que uma ovelha esquecida em remota fazenda
Gritou ao Céu, na hora da tosquia:
— “Por que me expõe à ventania,
Nesta nudez tamanha?…
Olha a rude tesoura que me apanha…
Afinal, que fiz eu?!…”
5 O Céu, no entanto, nada respondeu…
6 Mas, depois de alguns dias,
Encontrou a criança
Que lhe vestia a lã, sorrindo de esperança,
Alegrou-se anotando o seu próprio trabalho,
Sustentando o calor e doando agasalho
Em auxílio de alguém!…
E agradeceu à vida
A elevada missão de que fora incumbida
Pela fonte do Bem!…
7 Assim também, alma querida e boa,
Quando a dor te transforme o coração em chama
De sofrimento a requeimar-te o peito,
Não reclames, perdoa,
E nem perguntes, ama!…
De todo golpe humildemente aceito
Deus fará, nascedouro alto e fecundo
De paz, felicidade, ensino e elevação
Que se façam degraus de perfeição
Pelos quais o Céu desça e felicite o mundo!…
8 Aprendamos a dar o teto, a escola,
O prato, a veste e a luz que asserena e consola
Onde a penúria geme e onde a sombra se avulta,
De vez que só retemos o que damos,
Entretanto, jamais nos esqueçamos
Daquela caridade doce e oculta,
Quanta vez desprezada e incompreendida,
Que trabalha e se esquece
A fim de sustentar as construções da vida!…
Porque somente o amor incontroverso,
A sofrer e a calar para melhor servir,
É o centro de equilíbrio do Universo,
O apoio do presente e a força do porvir.
Maria Dolores
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