Já Augusto Comte dizia, em suas intuições do positivismo, que os vivos são sempre, e cada vez mais, governados, necessariamente, pelos “mortos”. Sim, os seres que atravessaram a porta da morte exercem sobre os que ficaram notáveis influências. E as entidades de luz são bem aqueles anjos de que fala o escritor da epístola aos hebreus, aqueles “espíritos ministradores enviados para servir em favor daqueles que hão de herdar a salvação”. (Hebreus, 1:14.)
No Rio de Janeiro, em julho último, o prezado confrade Manuel Quintão, vice-presidente da Federação Espírita Brasileira, contou-me um fato que bem demonstra, insofismavelmente, a ação piedosa dos Espíritos do bem.
Estava o nosso irmão em julho do ano findo de 1939, e resolveu repor em seu lugar o piano da sala, afastado por motivo de limpeza do prédio. Ao segurá-lo, porém, ao dispender os esforços necessários, esquecido de que sua avançada idade não lhe permitiria tamanho gasto de energias, seu corpo, exausto das lutas da vida, não resiste e sofre o nosso confrade contorção da coluna vertebral, caindo ao chão, debaixo de fortes dores. É imediatamente levado para o leito, onde permanece, com a visita inesperada de violentas dores físicas. Enquanto o corpo padece, o espírito trabalha e pensamentos tristes invadem-lhe a mente. O nosso irmão julga não resistir ao choque violento e intimamente calcula que é chegada a hora de deixar a existência planetária. Não sente esperança de cura, notando os rigores da dor física que o retém ao leito.
Dois dias após o ocorrido, da cidade de Pedro Leopoldo o médium Francisco Cândido Xavier, ignorando completamente o acontecido no Rio de Janeiro, escreve pequena e aflitiva carta ao irmão Manuel Quintão, acompanhada de uma confortadora mensagem de Emmanuel. O sábio e bondoso Espírito, ciente do fato doloroso, escreve pelo lápis de Francisco Xavier palavras de ânimo dirigidas ao vice-presidente da Casa de Ismael. Ei-las:
1 Meu amigo, que Jesus te conceda constantemente ao coração os tesouros de sua paz sacrossanta, restaurando as tuas energias, postas a serviço da semeadura de suas verdade divinas. Não preciso das fórmulas humanas para levar-te a minha visita fraternal, com os meus votos de tranquilidade em nosso divino Mestre, mas sinto-me bem dentro da possibilidade de consolidar esses votos, com a cooperação do instrumento humano.
2 Temos estado junto de ti, insuflando-te ao coração a coragem necessária para as lutas terrestres. Os anos do mundo são bem os marcos da excursão pelo aprendizado e quando a alma encarnada se senta à beira do caminho, compelida pelo repouso forçado, é quando as meditações tristes a invadem, como se o coração mergulhasse num crepúsculo… 3 Sim, meu amigo, é suave a contemplação das estrelas do céu da consciência, lavada das preocupações inferiores do mundo, mas na minha visita afetuosa e amiga eu ainda não te posso falar no descanso nas perspectivas celestes do Plano invisível, mas sim do trabalho que ainda nos compete no centro das tarefas terrenas. 4 Também eu tenho o meu quinhão de fadigas, porquanto se o operário humano está envolto nas vibrações da carne, o trabalhador invisível encontra-se submerso nos fluidos que circundam os ambientes terrestres. E esses fluidos são, por vezes, bem pesados.
5 Amigos nossos te auxiliam com a necessária assistência espiritual infundindo-te novas forças, pois as leiras de “Ismael” esperam as tuas mãos. Bastará um repouso físico de mais alguns dias e as tuas reservas vitais, com a dispensa da misericórdia divina em teu favor, e em benefício de nossos trabalhos, estarão novamente restabelecidas.
6 Não te entregues aos pensamentos relativos às vésperas da Espiritualidade, porquanto a tua cooperação no serviço evangélico é ainda indispensável ao nosso próprio esforço no Plano terrestre. 7 Em companhia de outros amigos espirituais, tenho cooperado, com a minha contribuição humilde, nas aplicações fluídicas, levadas a efeito para o teu restabelecimento físico e para a manutenção da tua serenidade interior.
8 Fica assim, registrada, em nosso livro do coração, a minha visita fraterna. E que o Mestre dos mestres te ampare o Espírito através das lutas na Terra, conservando-te, acima de tudo, a fé e a paz do espírito, é a súplica fervorosa do irmão e servo,
Emmanuel
Acompanhando a mensagem, verdadeiramente enigmática para o médium, este escreveu algumas linhas a Manuel Quintão:
Pedro Leopoldo, 9 de julho de 1939.
Meu caro Quintão,
[…] Psicografando a parte diária do novo romance de Emmanuel (50 anos depois), recebi estas páginas que este nosso amigo do Alto me pediu para endereçar-lhe. Estou muito preocupado… O meu amigo foi vítima de algum acidente? Estarei enganado? Nada direi a ninguém, nem mesmo ao Pedro, se chegar a vê-lo hoje à noite, até que me venha alguma confirmação daí. Permita Deus que esteja bem. Não sei o que terá acontecido. Peço-lhe escrever-me, ouviu? Escrevi-lhe no dia 2 e não posso dizer que suas notícias estejam demorando, pois hoje é 9. Mas em face do comunicado de Emmanuel, dirigido a si, tenho o coração em cuidados por sua saúde. Aguardo suas notícias com a urgência possível, para meu esclarecimento […].
Chico
O leitor tem diante do cérebro e do coração um fato indiscutível; é ocioso qualquer comentário. O fato é clamante.
O caso citado é trazido ao conteúdo desse testemunho humilde porque um outro fato, muitíssimo semelhante a esse, se deu aqui em Campos, com referência à mensagem de Olímpia de Andrade. Artur Xavier dos Santos ficou satisfeito com a mensagem de sua mãe adotiva, recebida a 27 de julho. No dia seguinte, Francisco Xavier embarcou de volta a Pedro Leopoldo. Duas semanas depois, justamente na noite de 9 de agosto, sexta-feira, após a reunião doutrinária de costume, sou procurado pelo Artur, que me pergunta se um espírito comunicando-se pode demonstrar desconhecimento da situação de amigos seus já desencarnados também. Respondi-lhe que sim, era fato comum e explicável. Então o nosso irmão Artur apresenta-me uma carta, vinda de Niterói, e recebida na véspera, onde lhe era noticiado, entre outros fatos, a desencarnação da Sra. Adelaide, ocorrida no dia 29 de maio passado. A Sra. Adelaide é a mesma referida na mensagem de Olímpia de Andrade. Artur inquiriu-me, assim, o motivo de Olímpia de Andrade, Espírito, haver enviado sua palavra afetuosa à Sra. Adelaide, se esta já não pertencia mais ao mundo material desde maio. Por que Olímpia desconhecia a nova situação de Adelaide? Respondi-lhe não haver nada de anormal no fato, lembrando que, na pátria espiritual, os espíritos têm variadas tarefas e situações e, por isso, nem sempre estão atualizados com os acontecimentos da Terra. Lembrei-lhe ainda o fato de, ele, Artur dos Santos, vivendo na Terra, desconhecer até a véspera a desencarnação da Sra. Adelaide, ocorrida em Niterói havia cerca de um mês. Campos situa-se próximo a Niterói, mas ambas as famílias não mantinham correspondência constante, em que pese os laços afetivos. n Desse modo, não são todos os Espíritos desencarnados, não obstante os laços respeitáveis que os ligam à Terra, que podem conhecer todos os acontecimentos planetários.
O jovem Artur demonstrou-se satisfeito com a explicação que a Doutrina fornece e que lhe foi transmitida. Entretanto, eu supus, intimamente, que Artur conservasse dúvidas íntimas. Achava que eu não lhe explicara convenientemente a simplicidade e naturalidade do fato.
A hora dessa conversação foi as 21h30 de sexta-feira, 9 de agosto de 1940. Dois dias depois, como no caso do amigo Quintão, escreve-me uma carta o irmão Xavier, nos seguintes termos:
Pedro Leopoldo, 11 de agosto de 1940.
Meu prezado Clóvis,
Meus votos de saúde […]. Já coloquei no correio uma carta registrada, que te enderecei com alguns cartões para irmãos nossos daí. Agora pego novamente a pena, como no dia que escrevi a Manuel Quintão (lembras do fato que ele te contou?) para te enviar a página inclusa que recebi na manhã de hoje e que Emmanuel me recomendou fosse destinada ao teu coração. Não devo duvidar se devo ou não enviar-te a mesma. Faço-o como o fiz com o Quintão e espero que me digas o que há. Do que houver espero as tuas notícias com a possível brevidade, ouviste? Se a mesma página não tiver significação, espero ainda, assim mesmo, as tuas notícias a respeito.
Escrevo-te apressadamente e deixarei estas linhas para que sejam postas ainda hoje no correio, porque tenciono ir agora a Belo Horizonte para voltar amanhã e quero aproveitar a primeira condução. Lembranças a todos. […] com um abraço, sou o teu irmão e servo humilde de sempre,
Chico
E anexo a mensagem de Emmanuel:
1 Meu amigo,
Deus te abençoe o coração.
2 A nossa irmã encontra-se em lutas que a entidade comunicante não conhece. Chegar em primeiro lugar numa corrida não indica que o vencedor da partida deva ser o mais sábio dos concorrentes.
3 Apesar de sentir-se consolada em seu mundo íntimo, a nossa irmã Olímpia está na situação de uma pessoa ausente do círculo estreito do plano familiar, fortalecendo-se depois de experiências muito penosas e rudes.
4 A lição a extrair-se é de que a morte do corpo é separação, mas nunca um milagre, como se fora um banho de sabedoria. 5 É por esse motivo que, como nas demais escolas religiosas, o Espiritismo tem os seus problemas transcendentes, como o da observação em curso, cuja elucidação é do domínio do santuário, onde toda razão deve contar com as luzes purificadas do sentimento.
Emmanuel
Nada mais é preciso acrescentar. Discutam-se teorias, mas os fatos são indiscutíveis.
Clóvis Tavares
[1] [No livro impresso: “Ação piedosa do bem”, esse título foi complementado pelo compilador para “Ação piedosa dos Espíritos do bem.”]
[2] A distância de Campos a Niterói é de 240 km. Outro detalhe é que a comunicação à época, 1940, era feita quase que totalmente via correios. (N. O. Flávio Mussa Tavares.)