Aos 14 de agosto de 1979, o representante do Ministério Público, Dr. Ivan Velasco Nascimento, em exercício na 20ª Promotoria de Justiça de Goiânia, alicerçado nas disposições contidas no inciso VI, Art. 581 do Código de Processo Penal, requereu ao Juiz de Direito a reforma da sentença, ou, se assim não entendesse de direito, a subida dos autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás para o necessário reexame da mesma.
Atendendo ao recurso legal da Promotoria, o Dr. Orimar de Bastos optou pela segunda alternativa, acrescentando ao final da sua sentença a seguinte nota: “Em tempo: Recorremos desta nossa decisão ao Egrégio Tribunal de Justiça.”
Naquela mesma data o Promotor Público redigiu, em 18 laudas, suas Razões-de-Apelação, endereçadas ao Egrégio Tribunal, das quais destacaremos dois tópicos das fls. 205-6 e 222:
“Havendo, no final da decisão atacada, a manifestação do seu ilustre prolator — ‘Recorremos desta nossa decisão ao Egrégio Tribunal de Justiça’ — no sentido de submeter ao duplo grau de jurisdição o exame da res in juditio deducta, atendendo imperativo legal (Art. 411 do C.P.P.), é de se justificar o porquê do recurso voluntário, em face da já existência do recurso necessário.
“O que nos move a provocar a instância recursal: É o grande interesse público que encerra a lide penal, cujo curador, não é outro senão o Ministério Público; nesta espécie de recurso, por força de lei (Art. 589 do C.P.P.), pode o próprio julgador que proferiu a sentença recorrida reformá-la no todo ou em parte e, finalmente, o ínclito magistrado, que proferiu a decisão que gerou o nosso inconformismo, é pessoa que tem reconhecida, por justiça, a sua honradez, probidade, serenidade, e sobretudo a necessária imparcialidade na condução das questões que lhe são colocadas para decisão.
“Assim, só resta a esta promotoria pleitear a reforma da sentença guerreada, procedendo-se de modo estabelecido no Art. 410 do Código de Processo Penal, pois o réu praticou o delito tipificado no Art. 121, § 3º do Código Penal Brasileiro.”
Antes da remessa dos autos ao Tribunal, obedecendo dispositivos legais, o Dr. José Cândido da Silva, advogado de defesa, a 10 de outubro de 1979, apresentou suas Contra-Razões, das quais transcreveremos os seguintes tópicos:
“1. A peça preambular enquadrou o recorrido nas sanções do art. 121 do Código Penal, por considerar o dolo direto na ação do acusado.”
“2. Encerrada a instrução criminal, nas alegações finais, o Ministério Público insiste no julgamento do recorrido pelo Tribunal do Júri Popular.”
“4. Agora, ao recorrer contra a absolvição sumária do réu, o Ministério Público dá uma guinada de 180 graus, negando a existência do dolo, direto ou eventual, para dizer e sustentar o homicídio culposo, pleiteando a aplicação do art. 410 do Código de Processo Penal, o que ensejaria nova fase processual (208/225).”
“23. Espera o recorrido que a Instância Revisora negue provimento ao recurso obrigatório do magistrado e ao voluntário do Ministério Público, para confirmar a decisão recorrida, caso seja aceita a exclusão da culpabilidade.”
“24. Na hipótese de acolhida a exclusão da relação de causalidade, que o réu seja impronunciado, por questão de mera técnica processual, tanto mais que, em qualquer uma das alternativas, o resultado será o mesmo para o recorrido, tal seja, a proclamação de sua inocência.”
Do Acórdão exarado pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás, constituindo as fls. 246/256 do Processo, reproduziremos, a seguir, a sua parte final:
“A decisão recorrida fala de uma mensagem psicografada pelo respeitável médium Francisco Xavier, na qual, afirma o juiz que a vítima relata o fato e isenta de culpa o acusado, acrescentando: ‘Temos que dar credibilidade à mensagem de f. 170, embora na esfera jurídica ainda não mereceu nada igual, em que a própria vítima, após sua morte, vem relatar e fornecer dados ao julgador para sentenciar’ (f. 203).
Sobre a admissibilidade das provas, dispõe o art. 155 do Código de Processo Penal:
‘No juízo penal, somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições à prova estabelecidas na lei civil’.
Verifica-se, então, que no juízo penal não há limitação dos meios de prova, sendo ampla a investigação, dilatados os meios probatórios visando alcançar a verdade do fato e da autoria, ou seja, da imputação.
Ensina Espínola Filho em seu Código de Processo Penal, vol. II/453:
‘Como resultado da inadmissibilidade de limitação dos meios de provas, utilizáveis nos processos criminais, é-se levado à conclusão de que, para recorrer a qualquer expediente, reputado capaz de dar conhecimento da verdade, não é preciso seja um meio de prova previsto, ou autorizado pela lei, basta não seja expressamente proibido, se não mostre incompatível com o sistema geral do direito positivo, não repugne a moralidade pública e aos sentimentos de humanidade, piedade e decoro, nem acarrete a perspectiva de um dano, ou abalo sério a saúde física ou mental das pessoas, que sejam chamadas a intervir na diligência’.
As provas admissíveis são: a oral, colhida através de depoimentos em juízo, a documental e a pericial. São espécies desses gêneros tradicionais as provas gravadas, filmadas, fotografadas e já se pode incluir a prova eletrônica, colhida em computador.
A psicografia é a escrita de um Espírito pela mão do médium, segundo o Espiritismo, o intermediário entre os vivos e a alma dos mortos ou desencarnados.
Ora, os juízes apreciam a eficácia das provas a eles submetidas, mas não podem estabelecer uma convicção que não lhes tenha sido dada através das vias e modos que a lei consagra expressamente. Assim, não pode decidir diante de informações recolhidas pessoalmente, fora das audiências e, na ausência das partes.
Não obstante gozar o juiz de livre convencimento, está ele jungido aos autos, não podendo se socorrer de elementos estranhos. É regra que a prova seja produzida no processo, na instrução, perante o juiz que a dirige e preside, o que está de acordo com o sistema da livre apreciação das provas. (Magalhães Noronha — Curso de Direito Processual Penal, ed. 1979, pág. 87).
A mensagem psicografada, considerada pelo juiz, dizendo que a ela tinha de dar credibilidade, por não ter sido produzida no processo, na instrução, perante o juiz, na presença das partes, se mostra incompatível com o sistema geral do direito positivo, não podendo servir, pelo menos por enquanto, na formação do convencimento — quod non est in actis non est in mundo.
Pelo exposto, nos termos do parecer da Procuradoria Geral de Justiça, conheceram do recurso e lhe deram provimento para, reformando a decisão recorrida, pronunciar o acusado José Divino Nunes como incurso nas sanções do art. 121, caput, do Código Penal.
Por se tratar de acusado primário e de bons antecedentes, deixa-se de decretar-lhe a prisão, nos termos do art. 408, § 2º, do Código de Processo Penal.
Tomaram parte no julgamento, além do relator, os desembargadores Fausto Xavier de Resende, que o presidiu, e Joaquim Henrique de Sá.
Goiânia, 27 de dezembro de 1979.
Des. Fausto Xavier de Resende — Presidente
Des. Rivadávia Licínio de Miranda — Relator
Hércio Arantes