D. Carmen, cuja vivacidade espiritual causou-nos a maior admiração colocou-se inteiramente à vontade, respondendo a todas as perguntas que lhe formulamos. Eis, a seguir, o resultado de nossa entrevista com a dedicada servidora do Espiritismo, à luz do Evangelho Redentor:
— Poderia dizer-nos alguma coisa, quanto aos motivos da aproximação do Chico da Doutrina dos Espíritos?
— Pois não. Em maio de 1927adoeceu em Pedro Leopoldo uma irmã de Chico, atingida por violenta obsessão que, à época, foi considerada como loucura. Meu companheiro, José Hermínio Perácio, atendendo a pedido do Sr João Cândido Xavier (pai do Chico), que desejava ver sua filha curada, foi a Pedro Leopoldo ver a enferma.
— Onde residia a senhora na época?
— Morávamos na Fazenda de Maquiné, município de Curvelo, para onde a doente foi levada por meu marido, que era médium curador. Na Fazenda de Maquiné, com o auxílio de nossos protetores espirituais, sob a misericórdia do Infinito, ela obteve grandes melhoras, restabelecendo-se muito depressa.
— Estava presente à reunião em que Chico recebeu a primeira mensagem do Plano Espiritual? Como se iniciou Chico na mediunidade, no desdobrar dos acontecimentos a que a senhora se refere?
— Na segunda quinzena de junho de 1927, meu marido e eu acompanhamos a irmã de Chico a Pedro Leopoldo, com a alegria de restituí-la ao lar, curada da obsessão de que fora acometida, aí demorando-nos por alguns dias. Compreendemos então que os nossos irmãos em Pedro Leopoldo necessitavam de um grupo espírita evangélico. Meu esposo e eu, com alguns companheiros, fundamos o Centro Espírita Luiz Gonzaga, que ali funciona até hoje. Lembro-me de que na sessão pública de 8 de julho de 1927 (o Centro iniciante funcionava então numa residência particular), ouvi um amigo espiritual aconselhando para que o Chico tomasse o lápis, a fim de experimentar a psicografia; transmiti a recomendação e o Chico obedeceu imediatamente, recebendo de maneira muito rápida várias páginas que foram assinadas por um benfeitor do Alto. Ficamos todos muito contentes com o fato, sendo que, dai a dois dias, voltávamos para a nossa casa de Maquiné. Chico acompanhou-nos para ficar em nossa companhia alguns dias na fazenda e, aí, na primeira reunião mediúnica que efetuamos, após a chegada, no momento das orações, com aquela humildade que sempre o acompanhou, perguntou-nos se “podia fazer parte em nossas preces”; o que, naturalmente, foi permitido com muita alegria para mim e para o meu companheiro.
— Que aconteceu de novo, então?
— Durante a reunião, enquanto estávamos pedindo, em oração ao Senhor, pela conservação das melhoras de nossa irmã, que havíamos deixado em Pedro Leopoldo, ouvi uma voz suave, doce, tão cativante que logo reconheci não pertencer a qualquer criatura encarnada. A voz declarava ser “Emmanuel”, amigo espiritual do Chico. Depois de começar a ouvi-lo, surgiu à minha visão mediúnica uma bela entidade, com vestes sacerdotais e apresentando aura tão brilhante que, através da luz que irradiava, eu podia ver seu rosto calmo, tranquilo e sorridente. Depois de identificar-se como sendo Amigo Espiritual do jovem amigo ali presente conosco, recomendou-me: “irmã, fale ao Chico para tomar papel e lápis”. Imediatamente providenciamos a busca desse material sob forte emoção. Alguns instantes depois, Chico passou a receber uma mensagem; terminada a psicografia, vimos que essa mensagem orientava a continuação do tratamento de nossa irmã e era assinada por sua mãe, Maria João de Deus, que tantas vezes lhe aparecera, através da vivência mediúnica e com ele conversando.
— Como receberam esse acontecimento?
— Com muita alegria, porque em seus dizeres maravilhosos essas páginas traziam sábios conselhos para todos nós, os necessitados de amparo espiritual, com instruções muito importantes para a doente que fora recuperada, para mim que também me achava no início do desenvolvimento mediúnico, para meu marido e para Chico, a quem a mensagem despertava para a grande missão que trazia: quanto a meu marido, a mensagem incentivava-o para as tarefas curativas, na aplicação dos fluidos magnéticos que ele possuía em benefício dós sofredores.
— Quer dizer, dona Carmen, que a senhora identificou a presença de Emmanuel, junto de Chico, antes dele mesmo?
— Sim. Nosso caro Chico somente passou a percebê-lo, mediunicamente, quatro anos mais tarde, em 1931.
— A senhora pode explicar a razão disso?
— Amigos espirituais me disseram, por várias vezes, que ele acompanhava Chico, de muito perto, desde a infância e que, ainda depois dos seus primeiros passos na mediunidade, ele, Emmanuel, o observava e protegia, deixando que outros amigos desencarnados lhe exercitassem as faculdades na mediunidade escrevente, antes que ele pudesse começar com ele a grande tarefa dos livros psicografados.
— Com respeito à tarefa dos livros mediúnicos, a senhora observou mais alguma coisa?
— Sim. Numa de nossas reuniões dos primeiros tempos do “Centro Espírita Luiz Gonzaga”, em Pedro Leopoldo, me foi mostrado um quadro fluídico que, na época, nenhum de nós entendeu; mediunicamente, vi que do teto estava “chovendo livros” sobre a cabeça do Chico e sobre todo o nosso grupo. Mais tarde, quando foi publicado o “Parnaso de Além-Túmulo”, vim a saber, através de um espírito amigo, que a visão fora criada por Emmanuel que desejava avisar-nos, simbolicamente, quanto à missão que o Chico viria a desempenhar, recebendo livros do Plano Espiritual. Posso dizer que o quadro da “chuva de livros” foi maravilhoso. Decorridos quase quarenta anos, guardo-o ainda em minha visão como se tudo isso tivesse acontecido ontem.
— A senhora e seu esposo continuaram na Fazenda de Maquiné?
— Pouco tempo depois de maio de 1927, recebemos conselhos dos Amigos Espirituais para transferirmos residência para Pedro Leopoldo, pois, com a presença do meu companheiro, o desenvolvimento de nosso estimado Chico se faria com maior facilidade. Sempre dedicamos ao Chico especial afeição e assim nos foi muito agradável a mudança da Fazenda de Maquiné para Pedro Leopoldo, onde continuamos sob as ordens de nossos Guias. Além de nossas sessões habituais no Centro, reuníamo-nos, meu marido, Chico e eu. Depois de algum tempo de muitas mensagens familiares e íntimas, começou Chico a receber poesias comoventes e lindas, assinadas por poetas que não conhecíamos, nem mesmo de nome. Havia noites em que até mesmo três poesias eram psicografadas. Já possuíamos bastante material, quando meu companheiro sugeriu ao Chico escrevesse ao Sr. Manoel Quintão, naquele tempo diretor da Federação Espírita Brasileira, sobre o assunto, explicando o que estava acontecendo e pedindo orientação.
— Quintão respondeu logo?
— Imediatamente. Disse-nos, em carta ao Chico, que havia lido as poesias que ele lhe enviara, pedia a remessa de outras mensagens que tivéssemos nas mãos e comunicava-nos que a Federação providenciaria a publicação de um livro com elas, surgindo, então, o “Parnaso de Além-túmulo”. O Sr. Quintão deu-nos grande estímulo.
— E depois?
— Depois vieram outras mensagens maravilhosas, de outros Espíritos. Vários companheiros encarnados, entre eles meu marido, o Juquinha, se devotaram então com mais ardor pela consolidação das tarefas do “Centro Espírita Luiz Gonzaga” que merecia, cada vez mais, as nossas atenções.
— Ficaram muito tempo, em Pedro Leopoldo?
— Seis anos, de 1928 a 1934. Premidos por necessidades materiais, mudamos para Belo Horizonte, onde continuamos até hoje, ficando como Presidente do Centro, naquela época, José Cândido Xavier, irmão do Chico.
— Conte-nos algo de que se lembre, relativamente à presença de Chico nas reuniões.
— Além das mensagens que nos instruíam e confortavam tanto, inúmeras vezes éramos surpreendidos por fatos interessantes, como pétalas que caíam do teto junto a nós e perfume de rosas no ambiente.
— Como a irmã recorda aqueles dias que já se vão tão longe?
— Com muita emoção e saudades! São quarenta anos que se foram e aqueles dias maravilhosos jamais poderão ser esquecidos. De joelhos, peço sempre ao Nosso Pai de Amor cada vez mais luzes e forças espirituais para o nosso bondoso Chico.
E, assim, caros leitores, desenvolveu-se nossa entrevista com D. Carmen Pena Perácio, a dedicada irmã que orientou o nosso amigo Francisco Cândido Xavier, nos primeiros tempos de sua mediunidade. (O Espírita Mineiro — Julho 1977)