Um testemunho
Quem, pela primeira vez, me falou em Chico Xavier o fez de maneira incrédula. Era a propósito do caso Humberto de Campos e o meu amigo só encontrava uma explicação racional: “pastiche” inconsciente.
Aquela época eu não havia iniciado ainda o meu curso de Letras na Faculdade de Filosofia e pouco conhecimento possuía dos fenômenos de apreensão de estilo, Mas a intuição me dizia que um mistério bem maior pairava sobre a psicografia do médium mineiro.
Um longo hiato aconteceu entre a referência inicial e minha verdadeira aproximação da doutrina. Neste período, fiz o meu curso universitário, iniciei a vida profissional, casei-me, mudei-me do Rio de Janeiro para Campos.
A dor da perda de minhas duas filhas — Analaura e Lenora — ambas em tenra idade, trouxe-me para a fé, à maneira daquela rês que só atravessou o rio, porque o seu bezerrinho havia sido levado para a outra margem, conforme conta o primeiro texto mediúnico que me tocou mais fundo o coração. Refiro-me à mensagem do menino Silvinho Lessa, dada através de Chico a seus pais, mostrando a finalidade daquele sofrimento familiar e exortando-os a atravessar o rio da incredulidade e alcançar a margem da fé.
Em contato com os textos da multiplicidade de espíritos que se comunicam através da sensibilidade mediúnica de Chico muitos dos quais escritores cujas obras terrenas me são bastante conhecidas — pude compreender melhor a ingenuidade de se tentar explicar pelo “pastiche” o fenômeno.
“Pastiche” é a imitação servil, a apreensão do estilo de outrem. Na França há uma coleção intitulada “À la manière de” (À maneira de…) em que um escritor menor imita declaradamente, e com perfeição, um dos grandes nomes da literatura. Acontece que é necessário o exercício de uma vida inteira, para se assenhorear de apenas um estilo alheio. Como explicar então o fenômeno estilístico de Chico Xavier?
O seu Parnaso de Além-Túmulo é um desafio prodigioso que só a crença inabalável numa vida além da vida pode explicar. Pois, à maneira de acordes jamais dissonantes, e por misericórdia divina, a poesia também continua.
Em 1974, quando alguns anos já haviam decorrido da partida de minhas duas filhas, meu marido também desencarnou inesperadamente, em consequência de traumatismo craniano sofrido num acidente automobilístico. Era uma data de especial significação, pois completávamos exatamente, naquele 7 de julho, 13 anos de casados.
Escolhera-me a Providência para permanecer ainda neste mundo, na guarda dos três filhos pequeninos. Viajávamos todos no veículo acidentado e apenas meu marido e a dedicada ama de minhas crianças faleceram.
Quase um mês após, quando ainda convalescíamos dos traumatismos físicos e espirituais, recebi inesperada mensagem enviada pela filhinha Lenora, que se valeu da mediunidade abençoada do Chico e da presença, em Uberaba, de uma grande amiga, Hilda Mussa Tavares, nos braços de quem havia desencarnado, aos cinco meses.
Nunca poderia imaginar que minha filha, meu bebezinho doente, fosse agora um Espírito amadurecido, que me vinha confortar com palavras tão justas, firmes e serenas.
Se a sua mensagem consolidou a fé que eu já conquistara, a duras penas, é verdade, teve entretanto o mérito de trazer para o nosso campo doutrinário outros familiares que, à maneira daquela rês da história de Silvinho Lessa, ainda se mantinham renitentes na margem de lá. Minha sogra abraçou a doutrina e conseguiu transformar o grande desespero numa grande saudade.
As mensagens de nossos entes queridos são páginas importantíssimas no nosso soerguimento. Dádivas consoladoras, testemunhos de fé, precisam ser divulgados para que, à maneira de lâmpadas acesas, possam espalhar a luz à sua volta. Mas é preciso completá-las com a dedicação aos livros doutrinários que, estes sim, são o caminho para a Verdade e a Vida.
Na Escola Jesus Cristo a que me filiei por opção, aprende-se que as obras recebidas pela psicografia de Chico Xavier constituem matéria de cristalino saber, jamais maculado pelas imposturas da vaidade.
Não sei o que teria sido de mim, se não houvesse encontrado um sentido justo para a dor que, por várias vezes, se abateu sobre minha vida. Creio que me teria transformado num ser egoísta, frustrado, ressequido interiormente.
E, compreendendo que o meu sofrimento pessoal é apenas uma lágrima pequenina no oceano do pranto de resgate da humanidade, ponho-me a meditar em como estaríamos todos nós, se, há cinquenta anos atrás, não se houvesse iniciado o mandato mediúnico de Chico Xavier?
Que Deus o abençoe, Chico, e que sejamos dignos de merecer a continuidade do seu trabalho apostolar.
Ruth Maria Chaves Martins
(Rua Dr. Oliveira Botelho, 63 — Campos, Rio de Janeiro)