1 Sob nosso olhar atento, o Guia do grupo começou a desempenhar suas funções de orientador, explicando:
— Enriqueçamos nossa vida, de bênção. A morte, meus irmãos, é simples modificação de roteiros exteriores; preparai-vos, no entanto, a fim de atravessar-lhe os umbrais, com a precisa luz. 2 A encarnação terrestre representa curso de esclarecimento e ascensão. Alegria e dor, contentamento e insatisfação, fartura e escassez constituem oportunidades de engrandecimento para a alma. 3 Nosso problema fundamental, portanto, não é tão somente crer ou descrer. É imperioso aplicar os princípios da fé às situações difíceis da experiência humana, como quem espanca as sombras. 4 De que nos serviria a confiança na Providência Divina sem aproveitarmos os dons da Previdência Celeste que nos situou o espírito em aprendizado laborioso, tendo em vista nossa própria felicidade? 5 Tudo, pois, que fizerdes nos setores do bem, enquanto na transitória passagem pela Terra, é essencial para a eternidade. 6 Se o Supremo Pai apenas aguardasse de nós outros o incenso da adoração, que expressaria a grandiosa oficina do mundo? 7 Brilhariam o Sol e a Lua, resplandeceriam as estrelas, correriam as fontes, frutificariam as árvores, trabalharia o vento simplesmente para satisfazer um punhado de crentes ociosos? 8 Contentar-se-ia Deus, o Criador Infatigável, em erguer para os filhos da Terra apenas um templo suntuoso onde repousassem indefinidamente, sem qualquer finalidade progressiva? 9 É indispensável, desse modo, renovarmos o entendimento, elevando-nos em espírito para a Imortalidade Vitoriosa. 10 Junto de vós outros, alinham-se ferramentas preciosas na edificação sublime. Chamam-se “obstáculos”, “provas” e “lutas”. Utilizando-as para o bem, sereis, em breve, senhores de oportunidades mais altas, nos círculos de iluminação. 11 Fadados ao glorioso destino de cooperadores do Eterno, urge compreenderdes a importância de viver na Crosta da Terra, como é importante para o aprendiz a justa apreciação da escola que o prepara e edifica. 12 O sofrimento, por isso mesmo, aí no mundo é apelo à ascensão. Sem ele, seria difícil acordar a consciência para a realidade superior. Aguilhão benéfico, o sofrimento evita-nos a precipitação nos despenhadeiros do mal, auxilia-nos a prosseguir, entre as margens do caminho, mantendo-nos a correção necessária ao êxito do plano redentor. 13 Busquemos, assim, aproveitar-lhe as bênçãos renovadoras, praticando a fraternidade em todos os ângulos da bendita peregrinação para a frente. Não nos interessa o passado escuro. Recebamos a claridade compassiva do presente, construindo qualidades santificantes no santuário interior, convertendo-nos em tabernáculos vivos da Vontade Augusta e Misericordiosa do Eterno. 14 Para isso, meus amigos, auxiliemo-nos uns aos outros, procuremos a verdade e o bem, atendendo às exigências do amor cristão. Sem essa atitude pessoal de transformação para o entendimento e aplicação do Cristo, é impossível aguardar mundos melhores, paisagens felizes ou venturas sem-fim…
15 Nesse momento, o orientador interrompeu-se.
Finalizara a preleção? Não sabíamos ao certo.
Parecia disposto a retomar o fio das formosas definições, quando se adiantou um cavalheiro da pequena assembleia de companheiros encarnados.
16 Julguei-o inclinado a exprimir amor, júbilo, gratidão. Teria entendido a palavra do Guia que, afinal de contas, em boa sinonímia, era, ali, o condutor, o que dirige, o que mostra a frente. Longe disso. O irmão mencionado assumiu atitude de consulente inquieto e interrogou, demonstrando absoluta despreocupação de quanto ouvira:
— Meu mestre, que me diz dos bens que me surripiaram? O furto de que fui vítima representa muitíssimo para mim. Não devo esquecer o futuro… Os advogados de meus parentes parecem ganhar a causa… Devo esperar algum socorro?
17 Espantado, reparei que o benfeitor espiritual não reagiu. Assumiu paternal expressão no semblante calmo e, no mesmo diapasão de voz, comentou:
— No assunto, meu amigo, creio mais oportuna sua invocação à polícia. Procure a seção de perdas e danos…
Logo após, rogou a bênção de Jesus para todos e, retirando-se da organização mediúnica, tornou ao nosso meio.
18 Sob forte assombro, referi-me à incompreensão do grupo que visitávamos.
O generoso orientador, porém, distante de qualquer desapontamento, observou:
— Não nos aflijamos. Conheço este irmão, desde muito. Há dois mil e oitocentos anos, aproximadamente, era ele membro de uma associação de ensinos secretos, nas vizinhanças do Templo de Zeus, em Olímpia, enquanto eu, por minha vez, exercia as funções de humilde instrutor espiritual. Na primeira vez em que me materializei, no círculo de estudos em que ele se encontrava, explanando a simbologia dos mistérios órficos, de maneira a adaptá-los à Luz Divina, levantou-se na assembleia e pediu-me socorro para encontrar algumas joias perdidas.
— Oh! oh! — Aduzi, sarcástico, — há quase três milênios? E este homem ainda é o mesmo caçador de arranjos materiais?
19 O Guia tocou-me os ombros, paternalmente, e acrescentou, compassivo:
— Nada de mais, meu caro. Continuemos trabalhando, em benefício de todos. Vinte e oito séculos são a conta de meu pobre concurso. Trata-se de equação que nós mesmos podemos fazer… Há quantos milênios porém, Jesus nos auxilia e tudo faz em nosso favor, malgrado a nossa impermeabilidade e resistência?!…
20 Afagou-me a cabeça e concluiu, interrogando:
— Não acha?
Fiz por minha vez um sorriso amarelo e calei-me.
Irmão X
(Humberto de Campos)