1 Dentro da noite muito clara, os companheiros reunidos em casa de Pedro comentavam as dificuldades na divulgação das ideias redentoras.
2 Muita gente se valia do socorro de Jesus, buscando vantagens próprias. 3 Certo negociante provocava o ajuntamento popular em determinada região da praia, a fim de estimular a venda de vinhos; 4 carroceiros vulgares intensificavam a propaganda do Reino Celeste, nas cercanias, não com o objetivo de se tornarem melhores, mas para alugarem veículos diversos a doentes de longe, interessados na assistência do Mestre.
5 O parecer de quase todos os apóstolos era inquietante e desalentador.
6 Foi quando o Divino Amigo, tomando a palavra, explanou:
— Certo filósofo, mergulhado nos estudos da Revelação Divina, possuía um discípulo que nunca se conformava com a incompreensão do povo quanto às verdades celestes. 7 Inflamava-se, de minuto a minuto, contra os maus, os ingratos ou os hipócritas, que abusavam dos elevados ensinamentos de que se via portador.
8 O mestre ouvia-o e guardava silêncio, até que numa linda manhã, vindo um aguaceiro rápido de estio, convidou-o para um breve passeio até o campo próximo, depois de refeita a paisagem.
9 Não haviam andado meia milha, quando avistaram vasta faixa de pântano e o orientador, observando que o charco recebia a água da chuva, explicou:
— Eis que o lodaçal recolhe o líquido celeste e com ele faz imundo caldo, mas existem batráquios que se beneficiarão com segurança e eficiência, porquanto, se não chovesse, provavelmente estas águas escuras se transformariam em veneno mortal.
10 Depois de alguns passos, encontraram poças de enxurrada nos recôncavos de terra dura, e o mentor, analisando-as, acrescentou:
— Aqui, a fonte jorrada do firmamento é agora lama desagradável; entretanto, que seria deste chão estéril se a água divina o não visitasse? Amanhã, talvez veremos neste solo perfumada floração de lírios rústicos.
11 Marcharam adiante e detiveram-se na contemplação de algumas árvores nuas. A água, nos galhos ressequidos, parecia cinzenta e fétida, mas o instrutor esclareceu:
— Nestas árvores abandonadas, a bênção da chuva cristalina se fez pesada e sombria; no entanto, que lhes aconteceria se as dádivas do Alto as não beneficiassem? Possivelmente, morreriam, em breve, até às raízes. Em poucas semanas, porém cobrir-se-ão de ramagens fartas, servindo aos lares abençoados dos passarinhos.
12 Demandaram além e descobriram alguns pessegueiros, cujas flores guardavam as gotas do céu, com tanta beleza, que mais se assemelhavam, dentro delas, a diamantino orvalho, levemente irisado pela claridade solar. O mestre, indicando-as, disse:
— Aqui, as pétalas puras conservaram o dom celeste com absoluta fidelidade e, muito em breve, serão perfume e beleza em excelentes frutos para o banquete da vida.
13 Logo após, espraiando o olhar pela paisagem enorme, falou ao discípulo espantado:
— Jamais censures o manancial do socorro celeste. Cada homem lhe recebe o valor no plano em que se encontra. 14 Guardando-lhe os princípios sublimes, o criminoso se faz menos cruel, o pior se mostra menos mau, o imperfeito melhora, o infortunado encontra alívio e os bons se engrandecem para maior amplitude no serviço ao Nosso Pai. 15 Se possuis raciocínio suficiente para discernir a realidade, não te percas em reprovações vazias. Aprende com o Supremo Senhor que ajuda sempre, de acordo com a posição e a necessidade de cada um, e distribui com todos os que te cercam os bens do Céu que já podes reter com fidelidade e o Céu te abrirá o acesso a tesouros sem fim…
16 Terminada que foi a narrativa, Jesus calou-se.
Os apóstolos, como se houvessem recebido sublime lição em tão poucas palavras, entreolharam-se, expressivamente, silenciosos e felizes.
O Senhor, então, abençoou-os e retirou-se para as margens do lago, fitando, pensativo, as constelações que tremeluziam distantes…
Neio Lúcio