1 Aberta a sessão de fraternidade em casa de Pedro, Tadeu clamou, irritado, contra as próprias fraquezas, asseverando perante o Mestre:
— Como ensinar a verdade se ainda me sinto inclinado à mentira? Com que títulos transmitir o bem, quando ainda me reconheço arraigado ao mal? Como exaltar a espiritualidade divina, se a animalidade grita mais alto em minha própria natureza?
2 O companheiro não formulava semelhantes perguntas por espírito de desespero ou desânimo, mas sim pela enorme paixão do bem que lhe tomava o íntimo, a observar pela inflexão de amargura com que sublinhava as palavras.
3 Entendendo-lhe a mágoa, Jesus falou, condescendente:
— Um santo aprendiz da Lei, desses que se consagram fielmente à verdade, chamado pelo Senhor aos trabalhos da profecia entre os homens, mantinha-se na profissão de mercador de remédios, transportando ervas e xaropes curativos, da cidade para os campos, utilizando-se para isso de um jumento caprichoso e inconstante, quando, refletindo sobre os defeitos de que se via portador, passou a entristecer-se profundamente. 4 Concluiu que não lhe cabia colaborar nas revelações do Céu, pelo estado de impureza íntima, e fez-se mudo. 5 Atendia às obrigações de protetor dos doentes, mas recusava-se a instruir as criaturas, na Divina Palavra, não obstante as requisições do povo que já lhe conhecia os dotes de inteligência e inspiração.
6 Sentindo, porém, que a Celeste Vontade o constrangia ao desempenho da tarefa e reparando que os seus conflitos mentais se tornavam cada vez mais esmagadores, certa noite, depois de abundantes lágrimas, suplicou esclarecimento ao Todo-Poderoso.
7 Sonhou, então, que um anjo vinha encontrá-lo em suas lides de mercador. Viu-se cavalgando o voluntarioso jumento, vergado ao peso de preciosa carga, em verdejante caminho, quando o emissário divino o interpelou, com bondade, em seguida às saudações habituais:
— Meu amigo, sabes quantos coices desferiu hoje este animal?
— Muitíssimos, — respondeu sem vacilação.
— Quantas vezes terá mordido os companheiros de estrebaria? — Prosseguiu o enviado, sorridente, — quantas vezes terá insultado o asseio de tua casa e orneado despropositadamente?
8 E porque o discípulo aturdido não conseguisse responder, de pronto o anjo considerou:
— Entretanto, ele é um auxiliar precioso e deve ser conservado. Transporta medicamentos que salvam muitos enfermos, distribuindo esperança, saúde e alegria.
9 E fitando os olhos lúcidos no pregador desalentado, rematou:
— Se este jumento, a pretexto de ser rude e imperfeito, se negasse a cooperar contigo, que seria dos enfermos a esperarem confiantes em ti? Volta à missão luminosa que abandonaste, e, se te não é possível, por agora, servir a Nosso Pai Supremo na condição de um homem purificado, atende aos teus deveres, espalhando reconforto e bom ânimo, na posição do animal valioso e útil. 10 Nas bênçãos do serviço, serás mais facilmente encontrado pelos mensageiros de Deus que, reconhecendo-te a boa vontade nas realizações do amor se compadecerão de ti, amparando-te a natureza e aprimorando-a, tanto quanto domesticas e valorizas o teu rústico, mas prestimoso auxiliar!
11 Nesse instante, o pregador viu-se novamente no corpo, acordado, e agora feliz em razão da resposta do Alto, que lhe reajustaria a errada conduta.
12 Surgindo o silêncio, o discípulo agradeceu ao Mestre com um olhar. E Jesus, transcorridos alguns minutos de manifesta consolação no semblante de todos, concluiu:
— O trabalho no bem é o incentivo santo da perfeição. Através dele, a alma de um criminoso pode emergir para o Céu, à maneira do lírio que desabrocha para a Luz, de raízes ainda presas no charco.
13 Em seguida, o Mestre pôs-se a contemplar as estrelas que faiscavam, dentro da noite, enquanto Tadeu, comovido, se aproximava, de manso, para beijar-lhe as mãos com doçura reverente.
Neio Lúcio